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Opinião: A relação do artista com o empreendedorismo na era digital

Artigo de opinião assinado por Marina Mattoso, para o POPline.Biz é Mundo da Música

Foto: Unsplash

É verdade que o artista hoje tem que executar mais funções do que na era pré-internet?

Com frequência me deparo com questionamentos: “mas, Marina, além de compor, gravar, cantar, tocar, ainda preciso ser modelo, ator e influencer?”

Sentiu a angústia? Eu também. É duro, principalmente se o artista não tem recursos e precisa tentar fazer tudo sozinho.

O que eu digo pros meus clientes e alunos é: não tem que estar em todos os lugares, não tem que postar todo dia, não tem que lançar uma vez por mês. O que têm que fazer é gerar conexão. Desde sempre, para sempre. Se ninguém se conecta com sua marca, seu propósito, seus produtos, eles são só para você.

Na era pré digital, gravadoras eram responsáveis por boa parte do empreendedorismo artístico e seu operacional. Decisão de onde investir, lidar com perdas e prever ganhos, ler os pouquíssimos dados disponíveis. A música era vista como negócio.

Com o digital e a “independência” do artista das gravadoras, este mindset (strike 1 pra mim com este termo cafona) de gerenciamento precisou migrar das gravadoras para os pequenos players (strike 2) ou os próprios artistas.

Foto: Unsplash

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Questionamento #1: Artistas enxergam suas carreiras como negócios?

A mestre em Economia Criativa (e minha amiga) Anita Carvalho desenvolveu uma planilha financeira para artistas que tenta prever os cenários pessimista, realista e otimista de 3 anos de uma carreira. Em uma de suas consultorias, na hora do cenário pessimista, ela ouviu da artista que iria desistir da carreira, pois se assustou com o prejuízo que poderia tomar. Não acho que foi o tamanho do prejuízo que a assustou, mas sim a compreensão de que música é negócio e que, como todo negócio, pode não gerar lucros e se inviabilizar.

Anita costuma provocar: se um amigo seu diz que vai abrir uma pizzaria, você espera que ele compre os produtos, faça a massa, cozinhe a pizza, sirva, faça o controle financeiro, o marketing, o design, etc? Não, certo? Mas em geral um negócio precisa destes (e muitos outros) serviços. É, portanto, necessário um investimento inicial na estrutura ideal e nos serviços que o seu amigo não se sente apto ou com tempo pra tocar. E gerenciar o restaurante pode ser um destes serviços. Se a paixão do seu amigo é por cozinhar, buscar um sócio que garanta a operacionalização e sucesso de todo o resto é fundamental, certo? Mesmo que uma fatia dos lucros vá para o mesmo.

Dor do mercado atual: não existem empresários qualificados para todo mundo e nem todos que existem aceitam um modelo de negócios de divisão de lucros / investimento, como aponta o gráfico abaixo da pesquisa Empresariamento artístico e mercado de música ao vivo 2021, da Anita:

Questionamento #2: Artista-empreendedor é o ideal?

Outra querida amiga, Fabiane Pereira, estudiosa do mercado da música e grande jornalista musical, questionou se a Anitta (a artista rs) deveria ser usada como artista-modelo por quem tá começando. A minha experiência trabalhando com ela durante o lançamento do ‘Kisses’ me mostrou como ela é uma artista-empreendedora natural. Mas é providencial que artistas não entendam isto como chave para o sucesso ou como modelo único de negócios.

Anitta em ‘Kisses’. Foto: Divulgação

Questionamento #3: A internet realmente democratizou o mercado da música?

A internet permite que o artista alcance o público final. Ele não depende de um grande player pra gravar e disponibilizar sua música. Justin Bieber, Lucas Mamede e Stefany, do Cross Fox, contaram com o poder das redes pra alcançar seus sucessos iniciais.

Justin Bieber, Lucas Mamede e Stefany, do Cross Fox. Foto: Divulgação

Sabemos que carreira e one-hit-wonder estão longe de ser a mesma coisa. Os dois primeiros foram procurados por empresários / gravadoras do mercado e hoje têm carreiras estabelecidas e em desenvolvimento respectivamente.

Ou seja, a ordem inverteu. O artista hoje se lança para ser visto por um grande intermediário do mercado e evoluir sua carreira enquanto antes o artista precisava ser visto pelo grande player e, aí sim, se lançar e encontrar público.

Maaaaaaaaas nada é 100% bom ou 100% ruim. Com este novo cenário, a competição por atenção está cada vez maior e o público cada vez mais disperso. E, nessa hora, o dinheiro faz diferença, seja para estruturar a equipe, para gravar clipe, para mídia paga, etc.

Além do dinheiro, o que vai captar e converter vai ser o conteúdo autêntico. E aí entra a dor lá do início da coluna: Como uma equipe de marketing pode ser autêntica pelo artista? Hoje, ninguém quer consumir propaganda nas redes sociais nem se sentir captado por uma campanha de marketing. É skip ad e ad blocker a torto e a direito.

Então voltando à pergunta inicial: É verdade que é solicitado mais do artista do que na era pré-internet?

Em todos os casos, acredito que sim. Hoje quem decide o que o público vai consumir não são mais os grandes veículos. A TV e o  rádio são ainda canais relevantes para o artista, mas a audiência hoje escolhe se vai ligar a TV ou escrolar a for you page do TikTok ou o YouTube.

Mas com esta grande ressalva: hoje é possível o artista ser responsável por tomadas de decisões que antes cabiam apenas à gravadora. Os modelos são os mais diversos e é importante que o artista não precise arcar com mais do que consegue.

Considerações finais

  • É ok começar pequeno. Assim como o Luiz do Brownie, que começou vendendo brownie sem marca, embalagem, marketing, para amigos da faculdade e hoje tem a maior empresa do segmento do Brasil — não é publi, mas estou aceitando “venenos” da lata, o artista pode começar investindo no que ele tem de melhor e fazendo o que pode para estabelecer conexões e público, mas com um plano de negócios traçado e com alguém ocupando a figura empreendedora.
  • Carreira artística é negócio. Não deveria ser o artista a pessoa a lidar com todas as funções e sim um profissional ou equipe capacitados. Mas para isso, precisamos de investimento.
  • A internet é um canal democrático sim, mas não decisivo. É um espaço extremamente competitivo e precisa de conteúdos relevantes e ativação estratégica dos mesmos para ser usada com eficiência.
  • O papel do artista de música na era digital é complexo e desafiador. A ansiedade e depressão são problemas reais que precisam ser abordados para que o artista tenha seu talento protegido e siga nos fornecendo seu bem maior: a arte. Outros assuntos da era digital precisam ser abordados e evoluídos, como value gap, confere aqui a matéria do Popline.Biz, comparação de dados e a cultura do imediatismo.
  • Nem todo artista é um empreendedor natural, mas ter uma visão de negócios mais clara seria muito bem-vindo nestes casos. Recomendo os excelentes cursos disponíveis no Music Rio Academy com ênfase no Imersão em Music Busines, da Anita Carvalho, no qual dou aula de marketing digital. Ou o Música & Negócios, do Instituto Gênesis.

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Marina Mattoso atualmente CEO da Jangada Comunicação, agência focada em Planejamento Estratégico e Marketing de Conteúdo que tem “a bordo” artistas como: Gilberto Gil, Ludmilla, Maria Rita, Claudia Leitte, Kell Smith, entre outros. Marina também é coordenada do curso Marketing Digital para Artistas, do Music Rio Academy.