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ENTREVISTA: Projota fala sobre a estreia do clipe de “Elas Gostam Assim”, Anitta, Karol Conká, rap no Brasil e preconceito


Projota iniciou o ano de 2015 com as expectativas nas alturas. O rapper lançou em novembro do ano passado seu mais recente projeto, “Foco, Força e Fé”, com 15 faixas e participações especiais de gente de peso: Marcelo D2, Negra Li, Dado Villa Lobos, J Balvin e Marlos Vinícius.

Com forte presença na atual novela das 19h da TV Globo, com a música “Elas Gostam Assim, o rapper só firma cada vez mais seu nome entre os principais da música atual brasileira e ajuda a levar o hip-hop nacional para a TV e rádios. Pouco antes da divulgação do videoclipe do novo single, Projota conversou com o POPline sobre o clipe, o disco, preconceito, a aceitação do gênero no Brasil, Anitta, Karol Conká e mais!

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POPline: “Foco, Força e Fé” foi lançado ano passado e com uma tracklist grande para os discos convencionais, 16 faixas e participações bem legais. Como foi esse processo de escolha das faixas? Você lembra quantas foram compostas e chegaram a ser gravadas para o disco?
Eu não paro de compor nunca. Vinha compondo há um ano e meio e descartei várias letras antes de entrar em estúdio. Levei 14 músicas prontas para o estúdio e lá surgiram mais. “Tanto Faz” surgiu do nada. O cara estava tocando e veio o riff da música. Fiz a letra na hora, desse jeito. Doidera! A gente não descartou muita coisa não. Eu tinha menos, lá surgiu mais, e fomos enfiando. A gente só deixou uma de fora, eu acho.

No disco você canta muito em primeira pessoa e coloca muito das suas experiências da infância e adolescência nas letras. Não foi muito fácil, né?
Eu sempre faço isso. Se buscar nos trabalhos anteriores, era até mais. Sempre fui assim. É comum eu escrever de uma forma muito visceral. “Véia” escrevi sobre a morte da minha mãe, chorando muito. Escrevo várias músicas chorando e, quando chego no show, choro de novo. São minhas experiências.

Você lançou recentemente o videoclipe de “Elas Gostam Assim”. Conta pra gente as inspirações de Kanye West e Snoop Dogg na produção do clipe?
As referências não se acabam mais. Não só a eles. Você vai encontrar vídeos deles que tem a ver com esse, mas também vídeos do Drake, do Jason Derulo. É em estúdio, com fundo vermelho, o que já é diferente. Você não vê fundo vermelho em estúdio. A gente quis marcar bem a cor. Gosto muito de vermelho. Não tem nada de espiritual não, é só um gosto. Tenho um monte de calça vermelha, jaqueta… Meu primeiro carro foi vermelho. Sou eu, o DJ e as modelos patricinhas no clipe.

Os dois são artistas bem controversos, principalmente Kanye. O que você acha do rapper?
Incrivelmente bom. Talentoso demais. Ele passou por várias no começo da carreira e demorou muito para estourar. É muito merecedor de tudo que alcançou. Acho sensacional e uma baita referência para todo mundo que faz rap. Malucão, tem algumas atitudes que a gente fica meio assim, mas é o jeito dele.

Mas a gente sabe que você é fã mesmo é do Eminem, procede?
Pô, aí sim! E é outro polêmico, outro maluco, né? O trampo dele sempre foi muito visceral e me identifico com isso. Ele fazia rap de mensagem quando estava todo mundo só fazendo rap de ostentação, era a época do 50 Cent, essa galera. Isso me conquistou muito. Ele é versátil, atua também. Sou muito fã. O filme dele já vi mais de 100 vezes, sem brincadeira.

O hip-hop no Brasil cresceu de uma maneira bem ascendente nos últimos anos abraçando mais a questão melódica, letras mais românticas. Você acha que essa abordagem – que dá abertura para músicas nas novelas como “Elas Gostam Assim” – ajudaram o gênero aqui no país?
Acho que ajuda bastante. Tudo que é feito com amor e dedicação ajuda a cena. Tem eu fazendo isso, o Emicida super político, outro fazendo outra coisa, é importante ter essa versatilidade. Acredito que deve existir um leque de opções. Assim, o cara que gosta de mim e um pouco menos do Emicida, vai no meu show, mas vai no show dele também. O cara que gosta do Cone Crew Diretoria e um pouco menos de mim, vai no show deles, mas também vai no meu. Só com essa diversidade que a gente consegue ter evento de rap toda semana e dar oportunidade de surgirem novos nomes.

Falo isso porque o hip-hop de denúncia sempre foi mais de periferia no Brasil enquanto o próprio fã de pop já era acostumado a consumir o mesmo tipo de som, só que gringo.
Hoje na periferia é mais funk. Antes era só rap. Teve uma época fraca até 2001, aí vieram os Racionais. Quando acabou, foi um abismo e tivemos que recomeçar do zero. Tinha que fazer show no portão de casa, porque ninguém contratava. Era assim se quisesse fazer música. Não tinha perspectiva de melhora. Hoje, pela abordagem diferente, facilita muito para o ouvido de quem não está acostumado com o rap. A Internet também foi fundamental, o principal motor para espalhar nosso trabalho. Eu fiz show em Manaus antes de ir para a TV, graças à Internet. Depois, ficou impossível a TV não levar a gente do rap. Eu tô quase toda semana na TV, acho até que o pessoal vai enjoar da minha cara.

A gravadora nos confirmou 20 mil cópias do disco “Foco, Força e Fé” desde o lançamento. Como você recebe essa aceitação?
Está difícil vender dez discos hoje, então vender 20 mil, em ano de crise, é uma maravilha. Quando tem crise, todo mundo corta o lazer. É a primeira coisa: não comprar CD. Fiquei muito feliz quando soube disso. É um bom número, de respeito. A gravadora também vê assim e o fortalecimento do elo com a gravadora é algo que quero estreitar muito. Muita gente que trabalha no disco depende dessa vendagem.

Da última vez que nos falamos você comentou sobre a sua amizade com a Karol Conká e de lá para cá, ela conseguiu um destaque absurdo com “Tombei” e mais recente com “Lista Vip” com o Boss In Drama. Mais um motivo para comemorar essa abertura para as massas da música negra.
Eu acho que o que a Karol Conká faz é perfeito para o que ela tem que fazer. A gente precisava dela. Ela abre portas. Com essas músicas dançantes, ela conquistou o público gay, o que é uma abertura incrível. Vejo muitos gays nos meus shows, acho ótimo, e sei que isso foi ela que trouxe. A gente precisa de todas essas vertentes: ela mais dançante, eu mais romântico, outro mais político, mais social. A gente tem também o Rico Dalasam, que é demais. Eu sou um dos caras que diz que apoia o trabalho dele totalmente.

Falando em amigas mulheres, Anitta disse que uma nova parceria entre vocês dois já foi gravada. Você pode dar alguma dica pra gente?
A música não é comigo. Eu compus e dei para ela, o que é algo pouco comum para mim. Quando ela falou que ia começar a trabalhar no álbum novo, fiz questão de fazer uma música para ela. A gente fez um show, eu acho que em São Gonçalo (RJ), e no dia seguinte fiz a música. Ela se chama “Me Leva a Sério” e foi produzida pela mesma equipe de “Cobertor”. Tem um quê de “Cobertor”, mas é diferente. “Cobertor” era um rap meu, tinha feito para mim, e quando a Anitta gravou ficou mais com a cara dela, mais cantado, suave. Essa eu fiz para ela, então tem mais cara de Anitta.

Recentemente, Criolo se uniu a Ivete para um projeto diferente do universo dele. Você se desafiaria em algo do gênero?
Depende do que fosse. Acho que algo que eu acredite que seria capaz de fazer bem, sim. Tim Maia, não, porque não tenho essa potência vocal, que o Criolo foi muito bem. Teria que ser algo com o qual eu me sentisse confortável.

Com quem você dividiria um projeto inusitado assim?
Seu Jorge! Foi o primeiro que me veio à cabeça. Não vou nem dizer outro. Fica Seu Jorge.

Você fala abertamente sobre assuntos polêmicos como maioridade penal e racismo. Emicida também já protestou muito. Você ainda acha que estamos em um caminho muito longe de aceitação, liberdade de escolhas?
Demais, né? Tá muito longe. A cada dia que passa eu vejo mais exemplos. O lance da Maju [jornalista da Rede Globo]… Foi horrível, mas foi importante também para os cetistas verem como é. Tem gente que acha que não existe racismo no Brasil. Isso serviu para mostrar que tem e muito. Tem muita gente racista. Racismo é pior do que preconceito para mim, porque preconceito você acha aquela pessoa menor, incapaz. No racismo, você acha que aquela pessoa não deveria existir. Já passei por muito isso, hoje não tanto. No Brasil, só é preso quem não paga pensão alimentícia. Ninguém é preso por racismo. Você não vê.

Você sente diferença de tratamento desde que conquistou o sucesso?
Muito. Hoje em dia, não sou mais um neguinho, eu sou o Projota porque as pessoas me reconhecem. Mas se não me reconhecessem, eu seria mais um pretinho. Não é porque não acontece comigo, que não acontece com meus amigos. Já vi uma mulher branca esculhambar meu pai por ele ser preto, quando eu tinha só oito anos. Isso mexe muito com você. E era por uma bobeira. Uma parada no trânsito. Uma viagem. Aí que você vê.

A agenda de shows de divulgação do novo disco continua e você deve ainda continuar com foco no disco por mais algum tempo, mas nesse meio tempo você para para escrever ou precisa terminar um projeto para começar o outro?
Sempre tô escrevendo. O cara quando compõe não para. Hoje mesmo, eu estava compondo. Vou escrevendo e depois vejo o que é aproveitável. Às vezes, você aproveita um refrão e refaz a música, pega um verso para outra. Se não usar para mim, ofereço para outro artista, e assim vai. Vou guardando para quando chegar a hora do álbum novo.

Por Amanda Faia e Leonardo Torres