No mercado da música existem diversas funções responsáveis pela construção, desenvolvimento e divulgação de uma produção musical. O Artístico & Repertório é a divisão encarregada pela pesquisa de talentos e desenvolvimento artístico dos músicos, trabalhando diretamente com artistas junto à empresa. Esse profissional é o elo entre uma gravadora, editora, distribuidora e associação.
Para destrinchar esse setor o POPline.Biz é Mundo da Música preparou reportagens para explicar a atuação desse profissional. O primeiro entrevistado da série é Daniel Mansur, A&R da Warner Music.
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A música esteve presente na vida de Daniel desde o seu nascimento. O A&R da Warner Music, é filho do produtor musical DJ Meme, no entanto, foi aos 15 anos que ele decidiu estudar música e aprender um instrumento O escolhido foi um baixo elétrico, que surpreendeu o seu pai, por ser “fora do usual”, como uma guitarra, um violão, teclado ou até uma bateria. Junto à dedicação em aprender o instrumento, a paixão pelas frequências mais graves e pelo groove que o baixo e a bateria fazem juntos nas músicas foi ganhando força.
Depois de aprender a tocar baixo e estudar música, Daniel se envolveu em alguns projetos musicais, como gravações e shows como baixista. No entanto, foi na faculdade de Produção Fonográfica, em um curso ministrado por Mayrton Bahia, produtor e diretor artístico conhecido por produzir os discos da Legião Urbana, Cássia Eller, Djavan, João Gilberto, entre outros, que ele entrou no mercado.
Ainda na faculdade, Daniel cursou uma disciplina que abordava os departamentos de gravadoras e o que cada um fazia. A partir disso, foi quando ele, pela primeira vez, se interessou por A&R.
“Eu já havia visto essa figura em filmes sobre bandas e biografia de artistas. Mas foi na faculdade que entendi mais e achei que seria legal trabalhar com isso algum dia. Mas nunca me passou pela cabeça que isso poderia acontecer de verdade. Nessa época, estagiei por dois anos como assistente do Estúdio Casa do Mato. Depois, como Engenheiro de Som em um estúdio de dublagem”, conta.
Foi por conta de uma oportunidade de estágio no A&R da Som Livre, que Daniel de fato começou na área. Neste primeiro trabalho, ele ficou 5 anos se desenvolvendo e crescendo na hierarquia da empresa. Lá, trabalhou com artistas como Novos Baianos, Thiaguinho, Luan Santana, Alexandre Pires, entre outros.
Em 2021, Mansur teve a oportunidade de trabalhar na BMG. Neste ano, recebeu o convite da Warner Music, que, segundo ele, era uma empresa que estava nos seus sonhos desde que começou a trabalhar com Artístico e Repertório.
Antes de começar a trabalhar na Warner Music, você estava na BMG e, voltando mais um pouco, na Som Livre. Agora, novamente em uma gravadora, qual é diferença da função de A&R em uma gravadora e editora?
DM: O A&R da gravadora é a essência do que entendemos como a função. São os profissionais que descobrem os novos talentos, os contrata para o cast e trabalham para desenvolvê-los dentro da companhia. Assim, pensando em direção musical, planejamento, viabilizando gravações e promovendo parcerias musicais que agreguem ao artista. É também o ponto de relacionamento principal do artista e empresário dentro da gravadora. O A&R é o coração da gravadora, tudo parte da gente e sem o nosso trabalho, o resto da companhia não gira.
O mercado está bem dinâmico nesse sentido, o que dá a impressão de que a função do A&R ficou obsoleta, mas não é verdade. Assim como o produtor musical de hoje é bem diferente do passado, o A&R moderno também está adotando outras funções e ferramentas para o seu dia a dia.
Atualmente, estamos analisando dados para complementar nosso feeling musical e nossa percepção do que está acontecendo no mercado, também estamos trabalhando mais em conjunto com as outras áreas, como o Marketing e o próprio escritório do artista para desenvolver os produtos. O papel do relacionamento é fundamental para manter a sinergia entre a gravadora e o artista. Além disso, continuamos promovendo parcerias entre artistas, compositores e produtores musicais, a fim de encontrar o melhor repertório possível.
O trabalho é super divertido e excitante, mas exige muito do profissional. Não espere bater ponto de 9h às 18h, de segunda a sexta-feira, e achar que o trabalho acaba aí. A qualquer momento você pode receber uma ligação de um artista ou acontecer algum movimento no mercado que você precisa estar atento. O compromisso com a profissão é quase que integral. Um estilo de vida mesmo.
O A&R da editora tem uma essência parecida, mas em outro lado da cadeia. O A&R da editora está para os compositores assim como os de gravadora estão para os artistas. Dentro da editora, é o A&R que contrata os compositores e busca aumentar a arrecadação dos mesmos indicando repertório para outros artistas, fazendo conexões com produtores musicais, alimentando o departamento de sincronização com novas obras com potencial de sincronização em obras audiovisuais e comerciais, etc.
A grande diferença na minha opinião está na dinâmica de trabalho. O A&R da gravadora precisa ser criativo, mas também ter um olhar muito mais atento à gestão de projetos e pessoas, além de estar sempre trabalhando com prazos e datas a serem cumpridas. Apesar de estarmos trabalhando para desenvolver os artistas, também estamos trabalhando para atingir os objetivos comerciais da gravadora e é preciso manter o mapa de lançamentos cheio para garantirmos um bom resultado para a companhia. E quanto maior o artista, mais pessoas envolvidas em todas as etapas, o que exige da gente bastante diplomacia para manter uma boa vizinhança com todos e tantas pontas diferentes alinhadas. O tempo todo estamos mediando conflitos e tentando chegar a um interesse comum a todos.
O A&R da editora tem mais liberdade nesse sentido. Não há uma agenda de lançamentos a ser cumprida, poucas vezes há a presença de um empresário por trás dos compositores, então é um relacionamento que funciona de maneira mais direta. O A&R da editora também assume algumas funções mais administrativas, como por exemplo acompanhar os rendimentos dos autores que ele cuida, precisa saber explicar como funcionam os direitos autorais e a cadeia complexa de recebimentos no Brasil, está lidando mais diretamente com contratos e etc. Mas ele também tem um papel muito importante de criatividade e conexão. Um compositor só enxergará valor no trabalho de um A&R de editora se o mesmo conseguir trazer oportunidades de conexão e de emplacar música em repertório de artistas para ele.
Qual é o maior desafio do artista no mercado? Como o A&R pode ajudar para minimizá-lo?
DM: Acho que, em um mercado super saturado de lançamentos e a todo momento com uma nova tendência aparecendo, acho que a maior dificuldade é o artista encontrar e criar uma identidade sólida no meio disso tudo. Por isso acredito que o acompanhamento de um A&R pode ajudar nesse sentido, discutindo ideias e dando uma visão mais macro sobre a carreira do artista e os caminhos a serem percorridos.
Pela dinâmica do mercado atual, esse papel muitas vezes também é desempenhado pelo empresário, pelo produtor musical ou até mesmo por outra pessoa dentro da estrutura de equipe do artista. Não necessariamente isso está dentro apenas de uma gravadora, mas é essencial que haja alguém atento a essas questões para ajudar o artista nesse objetivo.
Existe alguma diferença em trabalhar com artistas veteranos e novatos no mercado musical?
DM: Sem dúvidas. Os artistas veteranos têm objetivos de vida e de carreira completamente diferentes dos artistas novos. Também estão acostumados com um mercado que já não existe mais. Além disso, é trabalho de um A&R, assim como de toda a companhia, de conseguir inseri-los aos novos formatos de consumo de música e de comunicação com o público. Os artistas novos já nascem com isso na veia e aí, na minha opinião, o desafio maior é de conseguir criar uma voz consistente para esses artistas em meio à multidão que, geralmente, os artistas veteranos já conquistaram.
Algum projeto que te marcou? Se sim, qual? E por quê?
DM: Eu diria que os projetos que tenho trabalhado nesse momento dentro da Warner, que ainda não saíram, têm sido as experiências mais legais que tive na carreira até então. Mas para citar um projeto recente, o novo projeto de pagode da Ludmilla, o “Numanice 2 Ao Vivo”, que vai sair no dia 23 de agosto. Ele foi gravado no Museu do Amanhã e foi um projeto muito complexo de ser realizado, mas que no final das contas teve um resultado artístico enorme.
Levar para dentro de um Museu a música de uma artista preta gigantesca como a Ludmilla, que vem representando muito bem as mulheres no pagode e abrindo portas para que elas sejam protagonistas em um gênero historicamente dominado por homens, é talvez o projeto que mais me deu orgulho de ter feito parte. Não só pela admiração que eu já tinha há tempos pelo trabalho da cantora, mas, também, agora que trabalho diretamente com ela, por poder ajudá-la a realizar esse projeto da maneira que ela queria, é muito gratificante. Certamente o projeto que eu participei que estou mais feliz pelo resultado atingido.
E quanto às novas tecnologias — como Metaverso, NFTs, entre outras —, como você acha que elas podem afetar na hora de produzir música?
DM: A produção musical está intrinsecamente ligada à tecnologia. Então, acredito bastante que essas novas tecnologias vão sacudir novamente a forma de se produzir e ouvir música, da mesma maneira que aconteceu com a criação do MP3 e da música digital.
Acho que o Metaverso vem com uma proposta de criar experiências sensoriais muito diferentes das que estamos acostumados. Ainda não consigo dizer com clareza como vai ser, mas certamente acredito em um caminho mais positivo para a produção musical em relação ao que estamos vivendo hoje com as redes sociais da forma que conhecemos.
Se a ideia do Metaverso é criar experiências mais profundas, acredito que isso pode indicar um caminho onde a música pode ser mais experimental e consumida de maneira também mais profunda, sem a necessidade de chamar a atenção do ouvinte em poucos segundos no meio de tanta informação na internet. Eu apostaria que as músicas vão voltar a ser mais longas e complexas, diferente da produção minimalista e das canções de 2 minutos que atualmente estamos vendo no mainstream. Mas é só uma ideia.
Por fim, qual é o caminho que uma pessoa que quer se dedicar a essa função deve percorrer? Qual conselho você daria para uma pessoa que deseja ser A&R de uma gravadora?
DM: Eu acredito muito que a profissão de A&R, diferente da maioria das profissões, é algo que você não estuda previamente para ser. Você vai se tornando um por outros meios. É preciso viver a música e criar suas conexões para você assumir essa posição. Na minha opinião, um A&R, antes de tudo, é um grande observador, com muita inteligência emocional e habilidade de lidar com pessoas altamente criativas e emocionais. Então, se dedicar a outras atividades musicais antes de assumir esse posto, para entender a cabeça de quem está na linha de frente da criação, é fundamental. Não precisa ser necessariamente um produtor musical ou um músico, mas estar rodeado dessas pessoas e presenciar a criação de perto é o que vai te possibilitar opinar no trabalho de um artista no futuro.
O caminho é se aprofundar em alguma cena, conhecer as pessoas que fazem parte dela, quem são os principais produtores e artistas dessa cena, onde eles frequentam, como vivem, e se aproximar dessas pessoas. Estabelecer conexões e criar network é fundamental para um A&R, então se você tem como meta assumir esse posto como a sua profissão, ou você começa cedo como eu e dá a sorte de entrar em uma grande gravadora em um nível de estágio e aprende lá dentro, ou você vai construir sua carreira e sua reputação por outras vias, até você ser requisitado para assumir um posto dentro de um departamento artístico. O importante é estar sempre próximo da música e das pessoas que a fazem.