O ranking dos assuntos mais comentados do mercado musical no último ano, sem dúvida, contempla a presença dos “Catálogos Musicais” no pódio. Se por um lado, esse assunto é um velho conhecido da indústria, ele ganhou novos ares e destaque para a nova geração de artistas que questiona se a melhor estratégia seria lançar um álbum ou um single.
> Catálogos Musicais: bilhões de dólares movimentam mercado
Como reflexo de uma indústria efervescente, que busca alternativas rentáveis em um cenário pandêmico, o ecossistema musical presenciou: contratos milionários sendo firmados em escala global; plataformas como TikTok retomando singles para as paradas como “Beggin’”, originalmente popularizado pela banda americana The Four Seasons, lançado em 1967 e um dos principais sucessos de 2021 pela versão de Måneskin; a regravação estratégica de clássicos musicais, além de suas sincronizações em ações publicitárias ou filmes e séries nas plataformas de streaming.
Essas movimentações atraíram os Fundos de Investimento a descobrirem, então, o “tesouro escondido” que os ativos musicais podem gerar a longo prazo, diante das previsões otimistas apontadas por estudos de consultorias mundiais como Goldman Sachs e da PwC. Já para os autores, o crescimento desse mercado exigiu uma análise criteriosa sobre a valorização das suas obras, além da clara necessidade de capacitação educacional em escala para o ecossistema artístico.
> Por que o mercado de catálogos musicais é tão atrativo?
Diante desse cenário, o POPline.Biz é Mundo da Música entrevistou Manno Góes, cantor, compositor, músico, sócio e Diretor Artístico da banda Jammil e também Diretor da UBC; ao lado de Rafael Barreto, novo vocalista do Jammil e uma das apostas da nova geração de artistas da música baiana. Rafael é cantor, compositor, multi-instrumentista e foi vencedor do programa Ídolos em 2008. O artista assumiu os vocais do grupo em agosto de 2020.
No último dia 18 de novembro, o grupo com 25 anos de história, lançou o EP “Jammil Uma História de Sucesso” com cinco regravações de grandes sucessos, como: Ê Saudade (Manno Góes), Celebrar (Levi Lima/Manno Góes), Chuva na Janela (Manno Góes), Minha Estrela (Manno Góes) e Milla (Manno Góes / Tuca Fernandes). Observando o projeto e o cenário musical, Manno e Rafael falaram sobre a estratégia para a valorização do catálogo, algoritmos e desdobramentos artísticos.
Catálogos Musicais: oportunidades e estratégias
Para Manno, ao analisar o mercado de catálogos musicais, ele aponta a pandemia como um catalisador dessa indústria.“O aumento da busca por catálogos está atrelada a uma série de fatores, inclusive à pandemia, que fez com que artistas, classe muito atingida e sufocada pela crise humanitária, encontrassem na negociação de seu catálogo um suporte financeiro. Fez também com que empresários e acionistas tivessem maior poder de barganha. Nada é à toa”, diz Manno.
“Catálogo é um patrimônio; uma aposentadoria do autor. É importante que quem negocie seu catálogo se lembre de que nem sempre o que parece ser uma boa oferta, de fato o é. É preciso levar em conta prazo, percentuais, histórico, potencial da sua obra, entre outras coisas”, pontua Manno.
Regravação musical como tática para reposicionamento e novos públicos
O fato de regravar as músicas e colocá-las nas plataformas digitais, não significa que o catálogo foi realmente trabalhado, principalmente por haver um grande volume de lançamentos diários nas plataformas. Questionado sobre o diferencial de trabalhar com músicas já conhecidas a partir de uma regravação, Manno destacou o controle sobre o fonograma como um dos principais argumentos.
“Regravar as músicas de um catálogo de um grupo que mudou o vocalista, por exemplo, é uma estratégia muito válida de reposicionamento e renovação do produto. Sem falar que alguns fonogramas antigos podem estar no controle de outros produtores fonográficos, de antigos contratos.
“Se um artista ou grupo detém o controle do repertório desse trabalho, e pode regravar essas músicas, reposicionando-as nas plataformas digitais e se colocando como produtor fonográfico tem um trunfo na mão. Quem não tem um catálogo hoje encontra muito mais dificuldades para contar sua história musical”, analisa Manno.
Já para Rafael Barreto, vocalista do Jammil, recriar canções a partir da sua personalidade é um bom desafio para a sua carreira.
“É sempre um desafio quando se trata do novo, mas eu confesso que praticar a tentativa do novo me faz sonhar e inovar imprimindo minha identidade. Tenho a minha personalidade e sonoridade e o Jammil tem algo já construído há mais de 20 anos, o que quis fazer foi somar e agregar”, diz o artista.
Os grandes sucessos do Carnaval de Salvador ecoam por todo o país. De acordo com Manno, a Axé Music tem muita música com potencial de regravação, principalmente por artistas de outros segmentos, como Silva com o álbum “Bloco do Silva (Ao Vivo)” e a trilha sonora da novela da TV Globo, “Segundo Sol”, ambientalizada em Salvador e com clássicos da Axé Music. E essa tendência pode, principalmente, ajudar que novos artistas surjam na cena.
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“O axé e a maioria de seus protagonistas envelheceram muito mal – no que diz respeito a se adaptar aos novos tempos – longe das redes sociais, desconectados das mudanças rápidas de canais de comunicação e das novas formas de se consumir e distribuir música. Porém, ainda há muita música do axé com força e potencial de regravação”, observa Manno Góes.
“Todo resgate de clássicos feito por artistas de outros segmentos e gerações é fundamental para despertar a atenção de novos ouvintes que não viveram e não se identificam mais com a música baiana e seus artistas; mas que podem, através de novas referências, descobrir o quanto de coisa boa há no Axé. Isso é importante também para que novos artistas surjam, trazendo novos olhares e significados para a música de carnaval feita na Bahia”, afirma Manno.
A afinação entre os algoritmos e os catálogos musicais
Entre os desafios visíveis e invisíveis do mercado, os algoritmos geram questionamentos sobre as estratégias, mas, não devem doutrinar ou criar fórmulas sobre o entendimento artístico de uma obra musical. Eis, então, o desafio: se por um lado o digital abriu portas para a descentralização do mercado, como encontrar o caminho para “viver de música” na indústria brasileira, enquanto os milhões de views fazem parte de uma parcela restrita do mundo musical?
“Qualquer um pode viver de música, dentro de realidades específicas. Hoje, tudo está atrelado ao artista: o artista e seu cast é gravadora, empresário, marqueteiro, produtor. Atrair seguidores através de criatividade, gerando sempre conteúdos novos. Há também a força da comunicação, do posicionamento social. Todo artista precisa hoje ter um bom trabalho de geração de conteúdo nas redes. E, claro, músicas boas”, analisa Manno.
“E música boa não é necessariamente uma música que dure pra sempre; mas uma música que seja funcional para as intenções artísticas desse artista. Em um mundo de consumo cada vez mais veloz, um artista que pretende ser popular precisa acompanhar essa dinâmica de velocidade e comunicação objetiva que esses tempos de TikTok exige. Mas há artistas que não querem e nem precisam dessa prisão mercadológica, e fazem de sua música e arte um trabalho mais artesanal, decupado e duradouro. São os que normalmente eu gosto mais de ouvir e acompanhar”, revela o compositor.
Para Rafael, a relação entre as plataformas e os algoritmos foram compreendidas agora e relembrou o pioneirismo da banda ao lançar um SongBook, que combinava depoimentos de artistas sobre o Jammil com partituras e músicas do grupo; e as possibilidades de divulgações atuais, sem ficar preso às “regras” e formas que possibilitam trabalhar, principalmente catálogos musicais.
“Sei que existem inúmeras possibilidades para brincar com os maiores sucessos da nossa Banda Jammil e agora, além da Rádio/Tv, temos o YouTube, TikTok, Instagram, plataformas de Streaming e cada uma com um público que entende e vive de sua maneira. O que faço é manter minha identidade e a do Jammil nessas plataformas e assim ir brincando com a música e os algoritmos”, finaliza.