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Leonardo Torres: Todo mundo quer ser Beyoncé – e isso não é bom


Outro dia entrevistei Lulu Santos e ele me disse que andava ouvindo muito “Lemonade” da Beyoncé. “Acho aquilo uma obra muito fechada, muito rica, muito interessante, e eu fiquei quase um ano ouvindo o disco da Beyoncé”, comentou o técnico do “The Voice Brasil”, “acho que, de uns tempos para cá, ‘Lemonade” se tornou o modelo de como fazer um álbum contemporâneo”. Parei para pensar. Lulu tem razão, claro. O álbum visual de Beyoncé faz qualquer outro parecer pouco se não vier junto com um filme ou clipes para todas as músicas – de preferência com assertivas políticas. Mas eu acredito que vai além também – e é desse ponto que quero tratar. Beyoncé estabeleceu um novo modelo de como promover um álbum: a antipromoção. O material fala por si mesmo. Ela marca uma data, não conta para ninguém, chega de repente, lança e sai de fininho. Enquanto a mídia e os fãs se divertem com a descoberta de detalhes do audiovisual e acompanham os dados de vendas, ela já está escondida. Literalmente. Faz apresentações pontuais – superperformances – em ocasiões muito específicas e nada mais. Você não vê a popstar por aí explicando o conceito do disco, as referências, como escolheu os colaboradores, como se deu o processo criativo ou qualquer outro item de interesse da BeyHive. É mais ou menos como se dissesse “oi pessoal, toma aqui meu álbum, vejo vocês na turnê, beijo, tchau”. Sabemos que, no caso dela, dá certo. Ela não emplaca um single bem sucedido, mas o álbum mal ou bem vende suas milhões de cópias e gera uma turnê com faturamento milionário – que no fim das contas é o que importa hoje em dia. O que acontece, então? Todo mundo quer ser Beyoncé: promover pouco e faturar muito.

Imagino que seja mesmo uma ideia atraente não precisar promover um trabalho. Para muitos artistas, essa é a parte chata: a agenda de entrevistas e aparições na TV. Eles querem criar e fazer show. Pular a parte da divulgação deve ser um sonho. Na maioria das vezes, verdade seja dita, eles têm que responder as mesmas perguntas zilhões de vezes porque repórteres não são muito criativos. Ou eles se sentam para falar sobre um álbum e vem perguntas sobre polêmicas e vida pessoal – o que intuo que seja mesmo desagradável. Mas a questão é: nós, como fãs, gostamos de vê-los na TV, gostamos de ler entrevistas exclusivas na mídia, gostamos de assistir a diferentes performances. O clipe é muito legal, mas não dá para ficar vendo o mesmo vídeo para sempre. Chegar em casa da escola, da faculdade ou do trabalho e ter algo novo para assistir é excitante para qualquer fã. Mas o “efeito Beyoncé” (vou chamar assim de agora em diante) torna a agenda de divulgação dos artistas cada vez menores – limitadas ao essencial.

Selena Gomez lançou quatro singles neste ano e só apareceu na TV uma vez para uma apresentação (o que parece ser suficiente para ser eleita a Mulher do Ano pela Billboard). Ok, ela estava doente e fez um transplante de rim. Vamos relevar. Mas e Shakira? Não sei se você se lembra, mas ela lançou um álbum novo neste ano. Investiu em clipes, gravou o “Carpool Karaoke”, e cantou aqui e acolá um par de vezes. Não deu nem para sentir o gostinho da era “El Dorado”. Rapidamente, ela sumiu – e muito antes de cancelar a turnê por problemas nas cordas vocais. Drake, melhor nem comentar: ele lança muita música para se manter constantemente em turnê e ignora a mídia por birra desde que teve uma treta boba com a Rolling Stone. Nelly Furtado? Tove Lo? Lea Michele? Maroon 5? Eu sei: mal ouvimos falar desse povo – e todos lançaram discos neste ano. Por razões diferentes, mal aparecem. Acredito que Nelly, trabalhando de forma independente, não tenha dinheiro para marketing e jabá, então, como Selena Gomez, podemos perdoá-la.

Obviamente, os tempos são outros. Com milhões de seguidores nas redes sociais, o artista sabe que não precisa da mídia para se comunicar diretamente com os fãs. Isto é, não precisa se desgastar com viagens, entrevistas e performances na TV – que vão ser vistas por um público que nem sempre é o seu. Às vezes, um post no Instagram ou Twitter dizendo “compre meu álbum no iTunes” tem mais efeito do que uma aparição no horário nobre ou uma matéria de capa. O link para compra, afinal, já está ali. É compreensível. Mas não há nada de interessante nisso, também. Taylor Swift, por exemplo. “Look What You Made Me Do” chegou causando burburinho e deixando todo mundo louco como se tivesse um mapa da caça ao tesouro em mãos, para desvendar os mistérios escondidos no vídeo. Mas foi só isso. Assim que ficou claro que ela não falaria com a imprensa, acredito que o frisson deu uma esfriada. Via leitores do POPline reclamando que toda hora saía uma matéria da Taylor sobre recordes e números alcançados, mas é porque era tudo que havia para dizer. Ela sequer compareceu nas premiações importantes (diferente de Beyoncé). A gente gosta de vê-la dançando na primeira fila dos eventos para ter meme no dia seguinte. A gente gosta de ver como ela se sai nas entrevistas, tornando menor tudo que o mundo inteiro trata como escândalo. A gente gosta de imaginar como vai ser sua performance e, assim, entender melhor seu conceito da música. A gente sente falta de seu jeito descontraído. Apostando no mínimo de divulgação (ela fez um “Saturday Night Live” e alguns poucos festivais de rádios), Taylor faz da “reputation” sua era menos interessante. Ou divertida. Ou envolvente. Certamente, a menos exposta.

Ela, como Beyoncé e tantos outros, lançou o álbum e imediatamente anunciou as datas da turnê. Taylor ainda deixou um intervalo de meses até o início da agenda de shows, mas muitos artistas tem emendado o lançamento ao início da turnê. Obviamente, amamos ver nossos ídolos ao vivo em um show. Isso é ótimo. Mas uma turnê de um ano, um ano e meio, às vezes dois, também significa que esse artista, no geral, dá uma sumida da mídia por estar na estrada. E essa tem sido a praxe: lanço disco hoje, começo a turnê amanhã. Ed Sheeran fez exatamente assim – álbum e tour no mesmo mês – e olha que ele até que divulgou bastante “Shape Of You”. Antes, eles faziam alguns meses de divulgação para depois seguir um ano ou dois em turnê. Marido de Beyoncé, Jay Z lançou o álbum “4:44” em junho e começou a turnê em outubro. Nesse intervalo de quatro meses, não fez absolutamente nada – ao ponto que muita gente se surpreendeu quando viu seu nome na lista de indicados do Grammy. A galera nem sabia que ele tinha lançado algo. Mas pior foi Miley Cyrus que, embora tenha promovido bastante “Malibu”, lançou o disco “Younger Now” e avisou que, ops, nada de turnê hein, gente. Tem se dedicado integralmente ao “The Voice”, o que nos faz perguntar porque lançou o álbum se não ia trabalhá-lo. Era melhor ter esperado passar a temporada.

Esse é outro ponto: cantores parecem priorizar tudo – menos a música. Não se dedicam a ir às rádios ou aos programas de TV porque estão assinando linhas de roupas (às vezes só de meias), gravando séries, rodando filmes, produzindo algo por trás das câmeras, sendo jurados em reality show, fazendo publicidade de biscoito, lançando perfume (isso eles adoram), ou apenas twittando. Eles conseguem todas essas oportunidades por causa da música e, no fim das contas, a carreira musical acaba ficando como pano de fundo. Eu entendo que as gravadoras também não querem mais investir nos lançamentos, então os artistas vão mesmo procurar um ganha-pão e alguma visibilidade em outros segmentos. Mas não foi a gente que pediu.

Esse novo cenário, de mínima exposição para máximo de resultados, também gera uma mudança de comportamento por parte dos fãs – que parecem não perceber que são eles mesmos que estão perdendo. Quando um artista se esforça para divulgar seu trabalho, indo a muitos programas de TV e de rádio, participando de muitos eventos, dando muitas entrevistas, as pessoas falam que está “desesperado”, “com medo do flop”. Meu Deus! Da mesma maneira, esses mesmos seguidores gostam de ressaltar que “pegou o nº1 sem divulgação”, “pegou o Top 10 sem divulgação”. Há uma valorização da ausência de esforço e força do nome, eu diria. Mas ninguém virou fã por um nome. Virou fã por conta da voz, da dança, do desempenho no palco, da personalidade nas entrevistas… e é isso que se tem cada vez menos. Eu gosto muito mais de ver uma Camila Cabello que colocou “Havana” no topo das paradas com muito trabalho do que os adeptos do “efeito Beyoncé” (que, na verdade, não alcançam o mesmo patamar que ela e acabam quebrando a cara). Cito ainda Demi Lovato, que não desistiu de “Sorry Not Sorry” até consagrá-lo um hit. Você joga “Sorry Not Sorry” no Youtube e tem, além do clipe, performances no AMA, no VMA, no Jimmy Fallon, na Ellen DeGeneres, no Live Lounge, no Today Show, no Good Morning America… acho que os fãs dela são felizes. Adele que é Adele, quando lançou o “25”, encarou uma agenda intensa. Eu me lembro que “Hello” já era um sucesso absoluto e ela já tinha trabalhado bastante em sua divulgação. Mesmo assim, na semana em que o disco chegou às lojas, você via Adele em diversos programas de TV e de rádio diariamente. De manhã, de tarde e de noite, focada em que o maior número possível de pessoas soubesse que ela tinha um álbum novo. Vendeu mais de 20 milhões de cópias, o que deve ser levado em consideração. Que tal trocar o “efeito Beyoncé” pelo “efeito Adele”? Como fã, ficaria mais feliz. Como jornalista, também, porque seria muito mais material noticiável.