in

Entrevista: Carlos Mills fala sobre o mercado de produtos físicos no Brasil

“A produção de vinil está sofrendo um gargalo na produção, não só no Brasil, mas em todo o mundo”, destaca o executivo

Carlos Mills, Presidente da ABMI, Fundador da Mills Records e Membro do Conselho Diretor da Merlin
Carlos Mills, Presidente da ABMI, Fundador da Mills Records e Membro do Conselho Diretor da Merlin. Foto: Divulgação

Com mais de 20 anos de mercado, a Mills Records acompanhou as transições e mudanças da indústria musical, com o surgimento de novos protagonistas no ecossistema. Desde o seu primeiro álbum lançado em 2001, a gravadora focada na música independente, trabalha continuamente com artistas que ajudam a promover a renovação da cena da música brasileira.

Leia mais:

Comandada por Carlos Mills, eleito em 2022 para fazer parte do conselho diretor da Merlin representando a América do Sul e atualmente presidente da Associação Brasileira da Música Independente (ABMI), a Mills Records vive sob o mantra “diversidade, brasilidade e ineditismo” e mantém a distribuição de produtos físicos como CDs, boxes e vinis.

Em uma entrevista exclusiva do POPline.Biz é Mundo da Música, Mills falou sobre a gestão de catálogos, influencia da tecnologia na música por meio dos algoritmos e plataformas digitais, parceria com a DisTribo e como é feita a curadoria da gravadora.

Ao analisar o mercado de produtos físicos no Brasil na atualidade, tanto sob a perspectiva das empresas que produzem vinis de qualidade, como da demanda do público consumidor, Mills revelou que enxerga um grande gargalo.

“A produção de vinil está sofrendo um gargalo na produção, não só no Brasil, mas em todo o mundo. Escassez de insumos, dificuldade de encontrar mão de obra especializada, flutuação do câmbio, flutuação do preço do petróleo; todos estes fatores impactam diretamente na produção de discos de vinil”, conta.

E completa: “O mercado consumidor de vinis, de outro lado, está aquecido, com uma grande curiosidade pelo formato, clubes sendo criados e boa demanda geral, inclusive das gerações mais novas. Nosso último vinil produzido, “Samba Jazz de Raiz”, Cláudio Jorge 70, levou cerca de 8 meses para ficar pronto”.

Carlos Mills e Claudio Jorge | Foto: Divulgação

Segundo ele, ao observar o que acontece no mercado norte-americano, é possível ver que o consumo de discos de vinil vem subindo consistentemente há 15 anos. “Entendo que o aumento do interesse pelo vinil no Brasil é uma tendência que ainda vai nos acompanhar por muitos anos”, destaca.

Confira alguns trechos da entrevista com Mills sobre o mercado da música:

Biz: Como é feita a curadoria artística para encontrar talentos que possuam “diversidade, brasilidade e ineditismo”, um dos propósitos da Mills Records?

Mills: Estamos sempre de olho no que acontece na cena musical e em busca de novos talentos. Essa na realidade sempre foi a vocação das gravadoras independentes e não está sendo diferente nos dias atuais. Uma das cantoras com que trabalhamos, a querida Ninah Jo, lançou seu primeiro e único álbum conosco em 2014. Neste momento ela está participando do programa The Voice +, emocionando a todos que a ouvem. É gratificante quando um artista com a carreira em desenvolvimento alcança reconhecimento nacional, mesmo que isso seja um processo de longo prazo e cheio de desafios.

Segundo ele, a principal porta de entrada na Mills Records é o conhecido “boca a boca”, tendo como protagonistas os próprios artistas. “Em geral, artistas que trabalham conosco acabam recomendando outros artistas; ou estes nos procuram diretamente, a partir de uma recomendação”, destaca.

Biz: Em meio aos acordos diretos com as plataformas digitais, a Mills Records também presta o serviço de distribuição de produtos físicos. Como é feito esse serviço? Vocês também fazem a ponte para a produção desses produtos? E como funciona a parceria com a DisTribo?

Mills: Quando percebemos a tendência das chamadas “lojas de disco” fecharem, a partir de meados dos anos 2000, decidimos apostar em uma estrutura própria de vendas on-line que pudesse atender à demanda por produtos físicos, mesmo sabendo que seria um mercado de nicho. Assim nasceu a DisTribo, uma loja virtual de produtos musicais que oferece títulos de várias gravadoras, como Atração Fonográfica e Biscoito Fino, além de livros sobre música. Com a tendência do aumento das vendas de discos de vinil, a DisTribo vem se firmando cada vez mais como um importante canal de vendas da gravadora.

Biz: Atualmente, como funciona a gestão interna da Mills Records? Quantos profissionais estão envolvidos? E como vocês se organizam para estruturar, de forma estratégica, a carreira dos artistas?

Mills: Temos uma gestão flexível que se adapta a cada projeto. Contamos com equipes que podem variar entre 5 e 20 pessoas, de acordo com o perfil de cada trabalho. Cada projeto é discutido com os artistas, e o executamos de acordo com as metas e necessidades de cada um. Com a experiência acumulada em mais de 30 anos de atuação, conseguimos entender rapidamente como podemos agregar valor à carreira de cada artista. Sempre que possível, recomendamos o alinhamentos da estratégia de lançamento dos álbuns com a agenda de shows dos artistas, pois uma ação reforça a outra (a Mills Records não faz contratos 360 e não atua na área de shows ao vivo).

Biz: A Mills Records possui em sua história a presença de prêmios como Grammy Latino e Prêmio da Música Brasileira. Como funciona o trabalho para a gestão desses valiosos catálogos?

Mills: Os vencedores de prêmios sempre geram um interesse muito grande por parte do público. Por esta razão, os dois produtos premiados com Grammy Latino, Sambolero (João Donato) e Samba Jazz de Raiz (Cláudio Jorge), foram escolhidos para serem lançados no formato de vinil.
O Box Ernesto Nazareth Integral, de Maria Teresa Madeira, vencedor do Prêmio da Música Brasileira e do Prêmio Bravo, ganhou uma nova edição revista e ampliada, depois que a primeira edição se esgotou.

São obras que merecem alcançar um público cada vez maior e estar sempre disponíveis. Prêmios regionais também são valorizados. A banda pernambucana Marsa venceu em 2016 um prêmio no seu estado de origem e a Mills Records segue divulgando o trabalho no restante do Brasil. Também fabricamos CDs físicos da banda e seguimos inovando na exposição nas redes sociais e nas plataformas de streaming.

Maria Teresa Madeira | Foto: Márcio Monteiro/Divulgação

Biz: Por meio de um cuidado com as capas dos álbuns e singles do artista, vocês cuidam do conceito artístico que é um diferencial para todo projeto musical, seja ele físico ou digital. Como são selecionados os artistas que conseguem traduzir a mensagem da música em arte ilustrada?

Mills: Selecionamos os artistas plásticos de acordo com o perfil de cada trabalho. Algumas vezes eles são indicados pelos intérpretes, outras vezes buscamos referências com curadores ou na nossa rede de contatos. Em geral a “química entre as artes” funciona muito bem, mas pode acontecer de algum projeto ser substituído por outra linguagem, como fotografia, por exemplo.

Acaba mesmo havendo alguma “tentativa e erro” nestes processos… A artista com quem encomendamos as capas das nossas Playlists é a Beá Meira. Buscamos assim trazer consistência entre as capas de Playlist. É muito importante que o projeto gráfico traduza de forma estética apropriada o espírito de cada projeto musical.

Biz: Na sua opinião, os algoritmos e plataformas como o TikTok estão interferindo na forma como as pessoas consomem e produzem música atualmente?

Mills: Sem dúvidas. A indústria da música foi uma das primeiras impactadas pelas novas tecnologias, e continuará sendo pelos próximos anos. A tecnologia vai evoluindo e os artistas e seus colaboradores precisam ir acompanhando.

Biz: Do NFT ao Metaverso, novas oportunidades estão surgindo no mercado da música. Quais os novos negócios e projetos que a Mills Records planeja para 2022?

Mills: Costumamos como gravadoras ser arrojadas nos projetos musicais, mas cautelosas ao navegar em águas ainda pouco conhecidas. Estamos num momento de acompanhar o desenvolvimento de todas estas novas tecnologias, como NFTs, blockchain, criptomoedas, hologramas, realidade aumentada, realidade virtual e metaverso. Mas esperaremos o momento certo para entrar no jogo.

É como aquela brincadeira de pular corda, em que um passo mal calculado pode acabar desclassificando o jogador… Na hora certa, os projetos ligados a estas novas tecnologias vão surgir. O importante é não perder o timing e se manter sempre atualizado. Nosso projeto principal para 2022 é seguir lançando bons álbuns e artistas incríveis, que nos tragam muita diversidade, brasilidade e ineditismo!