Se 2023 foi o ano de reencontros no cenário musical, 2024 parece ser a continuação dessa história. Isso porque um dos atos pop mais interessantes da música brasileira está de volta para uma turnê que promete correr diversas cidades do nosso país. A Banda Uó, formada por Candy Mel, Davi Sabbag e Mateus Carrilho, confirmou seu retorno com todo gás para cair na estrada e tomar partido da cena pop nacional, a qual eles abriram terreno com inovações e uma infinidade de possibilidades em 2011.
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O que faz a Banda Uó topar uma turnê de reencontro após seis anos de hiato? As respostas são múltiplas, mas uma é unânime entre os três integrantes: a vontade de estar junto mais uma vez com o público. Motivo mais do que justo, já que a banda se despediu dos fãs em 2018 com o single “Tô Na Rua”, que além de deixar no ar uma nova sonoridade a ser trabalhada por eles, abria espaço também para futuros encontros. A hora chegou!
Mel, Davi e Mateus bateram um papo exclusivo com o POPline sobre esse novo momento e comemoraram a oportunidade desse retorno, que aconteceu após serem convidados a integrar o line up do festival Hopi Pride, que acontecerá em abril, em São Paulo.
“Acho que [o reencontro] veio junto com um Brasil mais leve feliz, sabe? A gente teve o hiato da pandemia, que também foi aí um momento de pausa, digamos assim, e o país também estava passando por um momento estranho. [Agora] foi um fluxo de energia para as coisas se encaixarem nesse momento e fazer sentido,” contou Davi.
“Concordo. As pessoas também começaram a pedir muito, principalmente do meio do ano passado para cá. Comecei a receber atualizações de pessoas resgatando coisas da banda e e isso, de certa forma, começa a mexer com a gente também, né? Uma coisa que estava adormecida começa a despertar novamente. Aí a gente começou a se comunicar. No final do ano passado eu encontrei com a Mel, fui num show do Davi e começamos a estreitar os laços novamente… Até que surgiu o convite do Hope Pride e a gente conversou e falou: ‘Por que não? Mas um só?,” complementou Mateus.
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É quase curioso perceber que a Banda Uó, original de Goiânia, fará o primeiro show desta nova fase em um evento que foi criado muito depois da formação do trio, com uma programação repleta de outros artistas, que também surgiram após a chegada deles à música, lá em 2011, e que são fãs confessos dos três.
Fato é que o grupo serviu como um marco importante na construção do que chamamos hoje de “pop BR”. Até a chegada de “Shake de Amor”, primeiro single lançado por eles, a cena pop nacional era dominada por herdeiros de outros artistas e formações musicais pautadas em programas de TV ou por grandes magnatas da indústria, importando modelos prontos do exterior. Isso não quer dizer que os mesmos não tiveram importância, mas a Banda Uó certamente concretizou que era possível fazer pop de forma independente, fora do eixo Rio-São Paulo, e apostar alto em elementos tipicamente brasileiros, como explicou Mateus:
“Acho que o grande trunfo da Banda Uó foi ter tido essa visão de olhar para o mercado internacional e ver aqueles clipes que a gente cresceu consumindo, da Gaga, da Britney, e usar o que nós tínhamos, né? Como diz a Mel, a gente tinha um um gol quadrado, uma estrada de chão e um sonho, risos! Acho que uma das coisas mais especiais para o pop que a Banda Uó contribuiu, esteticamente, foi usar o Brasil e os elementos que a gente tinha a nosso favor. Então é esse pop que a gente vê hoje, com tanta brasilidade, com tanto tempero, com uma mistura tão brasileira. A banda começou a construir isso há dez anos e é isso que eu vejo que foi mais importante para a cara desse novo pop Brasil.”
Davi complementou, lembrando o início com pouco recurso e as primeiras produções: “A gente não tinha muito a perder. Musicalmente, a gente era um projeto que estava começando. [A gente apostava no] que a gente gosta de ouvir, o que a gente escuta e fala assim: ‘Nossa, isso é bom demais, isso é Brasil, isso é Goiânia’. A gente era destemido musicalmente. Eu produzia a música no meu ‘computadorzinho’ e depois no do Mateus, porque a gente foi assaltado, risos! No ‘Garage Band’ tinham várias coisas, som de sirene, de alarme… A gente ficava pensando ‘vamos botar isso aqui’ e foi assim que nasceu ‘Vânia’, por exemplo. Tudo podia ser, era um projeto tão inocente, mas a gente tinha certeza do que era bom.”
Com um EP, “Me Emoldurei de Presente Pra Te Ter”, e dois álbuns de estúdio lançados pela Deck, “Motel” e “Veneno”, ao longo da carreira, Mel, Davi e Mateus se apresentaram em todo o Brasil e algumas cidades do exterior, participaram de eventos importantes, cativaram fãs e furaram bolhas, chegando à TV Globo no programa “Esquenta” e na trilha sonora da novela “I Love Paraisópolis”.
A mistura de ritmos nacionais com música eletrônica resultou em um produto pop autêntico, que chamou atenção de brasileiros e estrangeiros, como Diplo que assinou a faixa “Gringo” junto com o grupo. Segundo Mel, a mística por trás da Banda Uó está mesmo na junção de seus três integrantes:
“São três partículas, são três pessoas que são muito complexas e que têm o seu estilo próprio. Tudo isso vira uma tríade muito poderosa, que instiga muitas pessoas. É uma receita de amor mesmo, a gente explora as nossas intimidades, as nossas questões… São três potências, né? Três artistas com visões diferentes. Além disso, a Banda Uó traz um espaço de performance muito gigantesco e muito rico para gente, entendeu? Que não precisa ser algo que a gente fique torrando a nossa cabeça pensando ‘será que eu tou passando a mensagem certa’.”
Além da sonoridade e da mensagem, a Banda Uó ainda construiu uma identidade visual forte através de figurinos extravagantes e videoclipes bem produzidos, como “Cremosa”, “Arregaçada”, “Sauna”, “Búzios do Coração”, “Gringo” e “Catraca”. Davi explicou que essa sempre foi uma preocupação de todos: “As pessoas buscavam a gente pelo conteúdo. A gente sempre se preocupou com o produto final, com a melhor qualidade de vídeo. A gente pegava todo o dinheiro que a gente tinha e investia na nosso trabalho.”
Referência e contemporaneidade
Muito do que foi construído pela Banda Uó há mais de uma década se faz presente como referência em trabalhos atuais de artistas como Pabllo Vittar, Lia Clark, Jup do Bairro, Pedro Sampaio, e Gloria Groove. Pode-se afirmar que o trabalho do trio goiano “envelheceu como vinho”.
“Às vezes a gente ainda não compreende a grandiosidade de tudo que a gente ainda tá vivendo, mas obviamente a gente consegue enxergar a importância a partir das outras artistas que surgiram também, Gloria Groove, Pabllo Vittar, Urias… Toda a formação desse cenário pop que a gente vê agora que tem um DNA da Banda Uó. Então fica mais fácil da gente conseguir enxergar a importância quando ela se desdobra, quando ela é para outras pessoas para além da gente, quando ela se transforma em algo que é político sem intenção de ser político, entendeu? Quando acontece um movimento cultural tão grande assim, a gente tem a noção de que existe uma importância enorme e essa importância também é muito devido ao nosso público e a diversidade do nosso público,” contou Mel.
Mesmo sem a intenção de ser político, a referência da Banda Uó se estende para estes mesmos artistas ainda neste quesito, já que o grupo é formado por três LGBTs que, apesar do espaço que lhes foi dado, também sofreram preconceitos. Ainda assim, a Banda Uó conseguiu pautar a sua história em cima do seu trabalho, como explicou Mel:
“Eu acredito que as coisas acontecem com as pessoas com as quais as coisas estão postas ali, não tem muito como escolher. Eu acho que no meio de todas as impossibilidades que a gente viveu em relação a isso, a gente soube fazer uma pamonha com esse milho. A gente conseguiu não tirar nossa identidade, não sacanear com a nossa cara. Hoje penso que nem sei como é que a gente conseguiu fazer isso! A gente ia trabalhando o que podia. Muita coisa a gente negava de falar porque as pessoas não estavam preparadas para falar sobre os assuntos e a gente sabia como iria soar. Era um lugar muito delicado de pisar.”
Mel ainda complementou dizendo que o público da Banda Uó também teve um papel fundamental neste lugar e que o trio fez questão de pautar sua trajetória em seu talento, deixando suas identidades de gênero e sexualidade ao lado da sua música, tratados de forma natural:
“Acho que nosso público sempre foi um exército mesmo, uma galera que defendia muito a gente, entendia muita a forma com que eu me colocava, então a gente tinha os nossos defensores, vamos dizer assim. Já em relação às mídias, de fato, era muito complexo. Eu acho que hoje mudou um pouco, né, eu acho que as coisas estão um pouco mais leves. Ainda existe muita transfobia velada, ainda existe muito ‘não’ e muitos convites que não são feitos às pessoas trans com naturalidade. Acho que sempre foi um objetivo meu e da banda tratar a nossa identidade de gênero e a nossa sexualidade como algo natural, sempre foi algo que colocamos ao lado da música e não na frente e nem atrás. As pessoas LGBTs estão aí para mostrar o talento delas, como a própria Liniker, uma ‘Grammyada’. Isso é lindo de ver.”
Davi concluiu dizendo: “Ser LGBT era algo definido quase como um caráter. Como uma profissão. Ser LGBT não é profissão. A gente é uma banda de música.”
Aqui e agora
Mesmo sendo referência, Mel, Davi e Mateus também se sentem – e são – parte da cena pop atual. Talvez pelos três artistas nunca terem se retirado da música, a Banda Uó se afasta por completo de discursos saudosistas e garante que é contemporânea, como explicou Mateus:
“Quando a gente chegou não existia uma cena. O povo perguntava ‘vocês são o que?’ e a gente não sabia dizer. A gente dizia ‘a gente é uó’, risos! Só depois de uns dois anos que a Anitta foi chegar; depois de uns três chegou a Ludmilla. Só depois de uns quatro ou cinco anos chegou a Pabllo, então foi um mercado que foi se estabelecendo e criando forma alguns anos depois e hoje nós temos o nosso pop com tanta consistência e tanta força. E nessa volta, a gente não se sente mais deslocado. A nossa ‘cadeirinha’ estava aqui guardada.”
Mel complementa: “Finalmente nos sentimos contemporâneos de uma cena.”
Falando em contemporaneidade, ao serem questionados sobre a possibilidade de lançamento de músicas inéditas nesta nova fase, eles deixam a resposta em aberto:
“A gente nunca diz nunca, mas a gente tá programado nessa fase agora para reviver, pra trazer de volta nossos hits e fazer um show lindo para nossos fãs. Fazer essa celebração e trazer essa alegria que a gente tá sentindo de acender essa chama novamente. O que for surgindo no meio dessa celebração vai ser bônus. Mas como sempre, a Banda Uó sempre tá aberta,” disse Mel.
Músicas novas provavelmente colocariam o grupo na corrida incessante por números, que determinam a indústria da música nos dias de hoje. Mel, Davi e Mateus têm consciência dessa realidade, afinal de contas os três apresentaram trabalhos em carreira solo nos últimos anos, mas garantem que esta não é uma preocupação agora e ressaltam que números não são tudo:
“A gente chegou num momento que não tinha tanto esse lance de charts da internet, então isso hoje, depois desses anos, mostra como o nosso trabalho foi sólido. A gente chegando agora, dessa forma, também é um indicativo disso, de como é mais importante, no final, a obra em si, o produto, a qualidade, do que os próprios charts. Os nossos números eram reais, eram pessoas reais ali assistindo aqueles videoclipes. Então se um clipe nosso tem 10 ou 8 milhões de plays são 8 milhões de plays reais! Acho que a Banda Uó nunca teve chart nenhum, mas isso não impediu a gente de ter uma carreira muito bem sucedida,” concluiu Mateus.
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Turnê Reencontro
O público da Banda Uó é um público real e cativo. A prova disso está na reação ao vídeo de anúncio da Turnê Reencontro, publicado nas redes sociais e no YouTube na última sexta-feira (12). Apenas no Instagram, a produção já soma mais de 2 milhões e 600 mil visualizações e ultrapassa a marca de 17 mil comentários. Como de costume, o vídeo traz a leveza e veia escrachada da Banda Uó em seu roteiro. Traço que deverá permanecer com o trio ao longo de toda a tour.
Apesar de ser um momento de celebração e descontração para eles, isso não significa menos empenho. A Turnê Reencontro será a altura do que os fãs esperam de Mel, Davi e Mateus, com direito a cenografia, balé, figurinos e, curiosamente e finalmente, uma banda completa. Davi ainda garantiu que a setlist está sendo escolhida a dedo e deverá apresentar as músicas mais energéticas da banda, segurando a frequência do show nas alturas:
“A gente quer muito fazer show! Eu tou muito com tesão em fazer show! Vai ser um show que os fãs vão chorar muito, vão gritar muito e vai ser um show enlouquecedor,” contou Mel. “Pode ter certeza que a gente tá preparando um ‘feeling’ de show realmente assim, pra do início até o fim as pessoas se descabelarem! Muitas surpresas inesperadas no meio do show, musicalmente, as maiores músicas e criando muitos momentos para as pessoas saírem com depressão pós-show, risos!,” complementou Davi.
“É realmente um reencontro com nossos fãs, pra gente viver tudo aquilo que a gente viveu, mas de uma maneira muito mais potente e muito mais feliz,” concluiu Mateus.
O Hopi Pride, no dia 20 de abril, receberá a primeira apresentação da Banda Uó em 2024, mas eles garantem que a agenda será extensa. A segunda data confirmada é no festival Sensacional, em Belo Horizonte, no dia 22 de junho.
Aos fãs resta a ansiedade pelas datas ainda em aberto, mas uma coisa é certa: a variedade e pluralidade dos eventos musicais e festivais em todo Brasil permite que a Banda Uó estenda seu reencontro. Hoje o trio se encaixa perfeitamente em diversas praças, mostrando, mais uma vez, um leque de possibilidades para eles e para o pop assinado por eles.