Enquanto a base de smartphones começava a decolar e o streaming ainda engatinhava no Brasil, Luiz Eduardo Garcia iniciava a sua trajetória no mercado da música e do entretenimento. Com mais de 17 anos de carreira, o profissional contabiliza na sua história a passagem pela TIMmusic, atuando em todas as frentes do projeto como: definição dos modelos de cobrança, business plan, negociações de contratos com Gravadoras e Editoras, escolha das plataformas e as negociações com os parceiros, além da gestão do projeto com as demais áreas da empresa.
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Sua segunda escola foi a gravadora Som Livre e o Sistema Globo de Rádio onde passou a liderar as negociações de contratos e as parcerias com os DSPs, enquanto o Digital estava próximo de se tornar a principal linha de receita da gravadora.
Mais recentemente, Luiz Eduardo Garcia atuou na Meta a partir de 2019 para cuidar do relacionamento comercial com as gravadoras, incluindo o lançamento das funções musicais do Instagram e do Facebook no Brasil. No final de 2021, mudou-se para Nova Iorque e passou a trabalhar na negociação dos contratos globais da Meta com as gravadoras até ser impactado pelo layoff em Novembro de 2022.
“Tive muita sorte na minha carreira e quase todas essas oportunidades vieram de pessoas incríveis que me ensinaram muito, sou eternamente grato por isso”, ressalta Luiz Eduardo Garcia.
Atualmente, advisor em startups e Consultor Estratégico para artistas, gravadoras e agências, Luiz Eduardo Garcia foi entrevistado pelo POPline.Biz é Mundo da Música, e transmitiu o seu olhar otimista, ao mesmo tempo, analítico e estratégico, em relação ao mercado musical no Brasil e no mundo, destacando as oportunidades e desafios para o ano de 2023.
POPline.Biz – Na sua visão, como é possível agregar uma estratégia offline em rádios, por exemplo, diante do protagonismo do digital e de recursos financeiros limitados, sobretudo aos artistas independentes?
Luiz Eduardo Garcia – É realmente desafiador, nesse caso, uma estratégia para rádio seria melhor aproveitada depois do artista ter realizado ativações no digital de forma orgânica ou através de um pequeno investimento em mídia paga nas redes sociais. Assim o artista poderia apresentar números de consumo e demonstrar que é capaz de construir uma audiência e mantê-la engajada.
Introduzir músicas novas para a audiência é um risco para a rádio, principalmente se forem completamente desconhecidas. Dados que demonstrem que a sua música seria aceita pelo perfil dos ouvintes da rádio podem ajudar muito a diminuir essa perceção de risco. Muitas rádios fazem pesquisas criteriosas com ouvintes antes de atualizar a playlist, para confirmar a aderência entre as músicas e a audiência.
POPline.Biz – Em uma análise sobre alguns dos temas mais comentados do ano de 2022 e que, certamente, permanecerão em 2023, temos o impacto dos vídeos curtos e a economia da atenção.
Para você, quais os desafios aos artistas em ascensão para transformar o desempenho digital em um mecanismo para monetização, dentro e fora das redes sociais?
Luiz Eduardo Garcia – Minha visão é otimista em relação ao digital, acredito que o principal desafio para artistas e criadores é produzir conteúdo de forma consistente, entender os dados e testar muito para achar o melhor caminho para conquistar uma audiência.
No ponto de vista da monetização, acredito em um cenário muito positivo, uma vez que as plataformas seguirão criando oportunidades de monetização e distribuição para ganhar a preferência dos criadores. Essa a concorrência pelo creator continuará aumentando nos próximos anos.
Recentemente as plataformas criaram programas de bônus ou de incentivos, modelos de assinatura ou tipping diretamente no perfil do criador e até introduziram o compartilhamento de receita para vídeos curtos, como anunciado pelo YouTube recentemente. A plataforma divulgou planos para implementar esse modelo ainda em Fevereiro de 2023, compartilhando receita gerada no Shorts com os criadores.
Em relação à música, a plataforma irá compartilhar receita com os criadores pela primeira vez nesse modelo, já que historicamente a receita era compartilhada apenas entre a plataforma e a indústria da música. Esse histórico acabou treinando os criadores a evitar o uso de música nos seus vídeos.
Esse revenue share “mais inclusivo” para Música e criadores foi introduzido pela Meta no ano passado quando lançou o revenue share para vídeos com Música no Facebook, possibilitando que creators participem da receita de vídeos incluindo música pela primeira vez no mercado. Esse movimento mostra que tanto as plataformas como a indústria reconhecem a força e a relevância cultural dos creators, tive a felicidade de participar dessas discussões na minha experiência mais recente aqui nos EUA.
O modelo de streaming continuará evoluindo e ampliando ofertas como os planos mais específicos (single device ou voice plan), planos familiares ou bundles (como Amazon Prime, YouTube Premium + Music e Apple One), gerando mais receita para ser compartilhada pela indústria. Além disso, o modelo continuará a ser revisitado e debatido nos próximos ciclos de negociação por ser uma linha de receita de enorme importância para a indústria. Em paralelo, as plataformas de distribuição direta de música e entidades como a Merlin ajudam a democratizar o acesso para o artista independente e a equilibrar as forças do mercado.
Neste cenário é muito importante que os artistas e selos entendam os números do mercado, ou busquem ajuda para poder calcular o valor da sua música, tanto para planejamento quanto para se posicionar melhor nas negociações com as distribuidoras e gravadoras.
Não sou um especialista na monetização do offline, mas minha visão é que experimentação também é importante para o que o artista em desenvolvimento crie ou aproveite as oportunidades para tocar para novas audiências, estar preparado para formatos menores e ter “agilidade artística” é fundamental.
POPline.Biz – Diante do fluxo ininterrupto de conteúdos, quais as dicas que você daria para aproveitar os recursos das plataformas, compreender as tendências e, ainda assim, ter uma identidade própria?
A primeira é não deixar de ser você e de trazer sua verdade para o mercado, você pode até ajustar a forma de entregar isso para as outras, mas vivemos um momento em que a autenticidade é mais valorizada do que a “perfeição”.
A segunda dica é dar máxima atenção às melhores práticas comunicadas pelas plataformas, parece óbvio mas muitas vezes as pessoas estão mais interessadas em encontrar atalhos do que em testar e aprender com o que as plataformas recomendam. A plataforma tem todo o interesse que você seja bem sucedido por lá e existe uma razão por trás dessas recomendações.
Trate cada lançamento como um projeto grandioso. Planejar cada passo, cada conteúdo é muito importante para criar a narrativa do produto, aproveite as diferentes ferramentas das plataformas para engajar a sua audiência de formas diferentes e chegar a novas pessoas. Se tiver mais recursos, busque uma agência que trabalhe com dados de forma criteriosa para ajudar a planejar os lançamentos e acompanhar resultados. Existem boas opções no mercado, vale olhar com carinho a capacidade de entrega de planejamento e de relatórios antes de contratar.
Por fim, busque informação na fonte, vá além dos headlines das matérias sobre o mercado. Leia os blogs oficiais das plataformas, das gravadoras e distribuidoras, estude os cases publicados com outros criadores e artistas em desenvolvimento, assista as apresentações de resultados das gravadoras (já que algumas são listadas em bolsa ou parte de um grupo de capital aberto) e das plataformas. Se o Inglês é uma barreira para você, insista em aprender porque é extremamente importante nesse mercado, eu sofro até hoje por não ter estudado inglês quando jovem.
POPline.Biz – Por fim, quais são as suas projeções para o mercado da música no Brasil e no mundo em 2023, tanto em relação ao streaming, quanto às redes sociais e novas tecnologias?
Luiz Eduardo Garcia – A competição está aumentando para as plataformas, tanto no streaming quanto nas redes sociais, isso trará novas oportunidades para os artistas.
As redes sociais seguirão buscando formas de atrair os criadores e a evoluir os modelos de monetização dos vídeos curtos.
No streaming, desaceleração econômica e o recente aumento no preço fará com que as ofertas de bundle fiquem ainda mais atraentes, sejam elas baseadas no conteúdo (Amazon Prime, Youtube Premium + Music, Deezer + TIM, Apple One) ou nos devices (como AirPods com 6 meses de Apple Music).
Podemos esperar uma desaceleração do modelo baseado em publicidade, mas acredito no crescimento do total da receita já que o ARPU é maior nos usuários pagantes, mesmo que em modelos descontados como bundle, vale notar a relação entre o número de usuários e receita entre free e premium no slide 3 aqui.
No cenário de distribuição, existe um movimento de consolidação de empresas. Entre as empresas independentes, além da abertura de capital e crescimento acelerado da Believe, temos por exemplo os investimentos do Downtown Music Holdings alinhando plataformas de distribuição (CD Baby, FUGA, DashGo) reconhecimento e gestão de direito autoral com a Songtrust e AdRev e marketing para artistas como a Found.ee, além de outros investimentos.
No lado das majors também tivemos os IPOs da Universal e da Warner, trazendo uma importante injeção de capital, além das aquisições da a AWAL, Som Livre, Ultra e ALAMO, pela Sony entre 2021 e 2022, e do recente investimento da Universal na PIAS.
Com todo isso, sigo otimista em relação ao futuro próximo da nossa indústria e do mercado no Brasil, obviamente me reservo aos temas em que tenho mais experiência mesmo acreditando que o cenário também é positivo para shows, festivais e eventos (após o enorme impacto do COVID), e para Publishing.