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Resenha: SXSW vê noite brasileira em Austin – entrevistas com Karol Conká, Xenia França e Leandro Ribeiro


Por Gui Beck

A última edição do Festival South by Southwest, que ocorre anualmente na cidade americana de Austin, Texas, desde 1987, chegou ao fim no dia 17 de março e quando se olha para trás pra fazer um balanço do que viu, ouviu, experimentou e conheceu, você fecha os olhos, se concentra, e percebe que algumas coisas ficaram gravadas mais fundo naquela parte do cérebro dedicada às coisas especiais. Se essa marca mais profunda foi feita justamente por uma noite dedicada à música do seu país, o balanço da experiência ganha um significado especial.

Estar em um festival internacional da magnitude do SXSW significa a chance de poder observar, estar próximo e aprender com grandes nomes da indústria cinematográfica, da música, das tecnologias interativas e de tudo o que se relaciona com pensamento criativo e inovador. Não faltam ali histórias inspiradoras e desempenhos surpreendentes para testemunhar.

Luedji Luna e Karol Conka no SXSW / Foto: Rafael Beck

É claro que destacar a participação dos artistas brasileiros não significa querer dizer que estes foram a única coisa incrível e nem mesmo uma unanimidade se houvesse alguma votação oficial para eleger “a” apresentação mais memorável. Com mais de 2000 artistas solo ou grupos se apresentando no festival, alguns múltiplas vezes, a experiência de cada espectador é obrigatoriamente única, por conta das escolhas que você precisa fazer entre uma casa de shows ou outra, entre esse conjunto de shows ou aquele.

Mas definitivamente, a noite dedicada à música brasileira no Lucille Patio Lounge, bar simpático, com palco montado numa área aberta aos fundos e com capacidade para 500 pessoas, foi uma das mais memoráveis. A escalação dos artistas do palco Brasil Music Club, foi diversa em estilos e ao mesmo tempo de grande coesão, formando um panorama mais do que interessante dos talentos da música brasileira atual. Luedji Luna, Xenia França, Boogarins, Bixiga 70, Karol Conka e DJ João Brasil, se apresentaram nessa ordem, com casa lotada.

Luedji Luna no SXSW / Foto: Rafael Beck

Luedji Luna, foi quem abriu a noite da música brasileira, acompanhada do DJ Nyack que providenciou a cama de beats eletrônicos onde a cantora baiana deitou seu som com leveza, poesia e sensualidade. Luedji é pura elegância e altivez no palco. Se comunicou muito bem em inglês com o público e não deixou de chamar a atenção para a situação política do Brasil, inaugurando o grito de “Marielle presente”, que se faria ecoar também nas apresentações dos colegas que se apresentaram depois. No seu show, reforçando o discurso de unidade e conexão entre os filhos da nova diáspora africana, Luedji recebeu as participações do rapper americano Illa J e da amiga Karol Conka, que se apresentaria mais tarde.

Xênia França no SXSW / Foto: Rafael Beck

Xenia França, foi a segunda a se apresentar e assim que subiu ao palco se fez notar, tanto pelas melodias e africanidade da sua música como pela imponência dos seus volumosos cabelos negros, ostentados com orgulho. Xenia se alimenta de sua herança ancestral mas tem os olhos no futuro e isso transparece na fusão de sonoridades de quem se apresentou acompanhada de baixo, guitarra, teclado e percussão, mas também de envolventes batidas eletrônicas que ajudavam a ditar o ritmo da viagem musical que a artista veio propor. Como ela própria convidou em determinado momento do show: “Vocês querem entrar na quinta dimensão comigo?”.

Boogarins pegaram o bastão e continuaram a viagem pela música brasileira. O grupo goiano já é veterano de SXSW e não decepcionou a parcela do público que já os conhecia de outras edições do Festival ou mesmo de outras apresentações no país e que compareceu especificamente para vê-los de perto. Psicodelia e sensibilidade de sobra, sem fraquejar na potência do som, entregues ao público com extrema simpatia.

Boogarins no SXSW / Foto: Rafael Beck

Bixiga 70, com o peso da sua orquestra de sopros, colocou o povo pra balançar forte mesmo. Certamente uma experiência sonora única, fechar os olhos e se deixar levar pelo som carregado da mistura do afrobeat de Fela Kuti, do funk de James Brown e dos ritmos brasileiros e de outras partes do mundo por onde a Big Band já andou. Destaque especial para o trombone comandando banda e público a se abaixarem em uma coreografia improvisada e depois explodirem em um momento catártico único.


Bixiga 70 no SXSW / Foto: Rafael Beck
Karol Conká no SXSW / Foto:  Rafael Beck

Karol Conka foi a quinta a se apresentar e manteve a energia em cima o tempo todo, também com o auxílio mais do que competente do DJ Nyack, fazendo brasileiros, que normalmente já não tem mais chance de chegar tão perto dela em shows no Brasil, cantar junto e estrangeiros, que ainda não a conheciam, balançar o que era possível pra acompanhar o fôlego da curitibana. Karol é energia, irreverência e girl power, o tipo da mulher que não leva desaforo pra casa mas faz questão de fazer isso dando gargalhada. E isso transparece completamente na sua música e no seu show.

Quem encerrou a noite foi o DJ João Brasil, que trouxe uma mistura de batidas tradicionais do funk carioca com sonoridades eletrônicas, fazendo com que um grupo de já animados espectadores que assistiam aos shows da primeira fila, se entregassem ao deleite dionisíaco de um baile funk, ainda que em formato pocket, mas garantindo uma despedida dos brasileiros em grande estilo, com alegria e orgulho da sua pluralidade musical.

Dj João Brasil no SXSW / Foto:  Rafael Beck

E talvez uma das palavras que fique marcada mais fundo pra mim quando penso naquela noite seja mesmo “pluralidade”. De estilos, de energias, de procedências, de possibilidades. Mas como mencionei antes, ainda assim, mesmo sendo plural e variado, o palco Brasil Music Club do SXSW se mostrou como um grupo coeso e uma fatia bem representativa da música brasileira. Boogarins e Bixiga 70 em especial, impressionaram bastante, com todo o mérito, parte da crítica especializada internacional com o “sabor” global de suas performances. Luedji Luna, Xenia França e Karol Conka, também elogiadas, por outro lado, formaram uma trinca poderosa de mulheres brasileiras negras, fortes, que não se abstém de falar de política e em nome de mais representatividade, inclusão e combate ao preconceito nas suas diversas formas, e que no entanto também não abrem mão da poesia, da sensualidade e da irreverência na sua arte.

Em tempos de uma gigante crise de representatividade no país, é um sopro de esperança ser testemunha do belo trabalho de artistas brasileiros mostrando um conjunto de trabalhos consistentes, com humildade mas de cabeça erguida. O SXSW é um festival maravilhoso e os Estados Unidos, um país impressionante de diversas formas, mas os brasileiros também sabem ser maravilhosos, impressionantes e brilhar muito. Para mim, desta vez, o sentimento (só para variar) de ser bem representado, vai ficar marcado mais fundo do que qualquer outra das muitas coisas incríveis daqueles dias de março de 2019 em Austin.