Desde que o SBT confirmou a reprise da novela mexicana “Rebelde”, para surfar na onda do retorno do grupo RBD, é fácil encontrar fãs preocupados com a repercussão da trama nos dias de hoje. O motivo: os capítulos são repletos de falas problemáticas e de relacionamentos tóxicos romantizados.
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“É uma novela de 2004, então obviamente abordou temas que são atuais, mas com a visão da época. Ainda vemos relações tóxicas hoje em dia, inclusive vimos no ‘BBB’. Ainda vemos pessoas romantizando isso e pessoas que não se percebem nessas relações”, aponta o especialista em RBD e “Rebelde” Rodrigo Maiellaro, dono de um canal com 153 mil inscritos no YouTube.
Voltada para o público juvenil, “Rebelde” influenciou gerações de adolescentes e pode influenciar mais uma a partir deste ano. Ronalt Condack, administrador do RBD Maníaco, maior fã-clube do RBD do mundo, alcançando 60 milhões de pessoas mensalmente, era criança quando viu a novela pela primeira vez. “Eu não percebia várias coisas. Isso só aconteceu tempos depois, quando resolvi assistir nas plataformas”, diz o fã.
“Com certeza, a novela é datada. Hoje em dia, teriam muito mais cuidado com as palavras e com esse modo ‘ser rebelde”, avalia Ronalt, “acredito que haverá críticas, mas não vai ser algo tão grande como estão falando. As pessoas sabem que, infelizmente, eram comportamentos da época e que não existia esse cuidado que temos hoje em dia. E, sendo bem sincerto, o SBT vai passar a tesoura na novela inteira, então talvez eles mesmos tirem várias coisas”.
Gordofobia nos primeiros minutos de novela
A personagem Celina, interpretada por Estefania Villarreal, era alvo constante de piadas por conta de seu corpo. Melhor amiga de Mia (Anahi), Celina sofre gordofobia já no primeiro episódio da novela, quando Roberta (Dulce María) chega ao Elite Way School.
Roberta coloca uma latinha de refrigerante dentro da roupa de Celina e diz: “foi a coisa mais parecida com uma lata de lixo que encontrei – redonda e verde”. Comentários gordofóbicos deste tipo acontecem durante toda a novela, também nas bocas de outros personagens.
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Rodrigo Maiellaro acredita que esses comentários cairão mal no público atual. “Eu acho que as pessoas vão criticar as falas gordofóbicas. Isso é mais fácil de decifrar”, opina o criador de conteúdo, “ao mesmo tempo que faziam piadas, porque as falas gordofóbicas eram normalizadas, existem outras cenas em que eles acolhiam a Celina independente de qualquer coisa. Acho que talvez tivesse [algum senso crítico] de forma muito singela”.
“Eu também acho que as pessoas podem tentar assistir com essa ideia: a novela foi gravada em 2004, esses problemas ainda existem, e como podemos não romantizá-los?”, completa.
Relacionamentos tóxicos e abusivos
A exemplo de outros folhetins voltados para adolescentes na época, como “Malhação”, os namoros em “Rebelde” também são problemáticos e nada saudáveis. As duas protagonistas femininas, Mia e Roberta, vivem relacionamentos tóxicos e momentos abusivos e violentos com os parceiros, Miguel (Alfonso Herrera) e Diego (Christopher von Uckermann). Tudo de maneira romantizada.
Eram comuns cenas em que os garotos gritavam com as namoradas, as imobilizavam, elas gritavam pedindo para soltá-las, eles não atendiam e, no final, tudo terminava com um beijo e uma música do RBD. Muitas meninas cresceram com esse ideal de “par perfeito”: Miguel e Diego eram os queridinhos das espectadoras.
Os relacionamentos tóxicos eram naturalizados, retratados sem senso crítico. “O México é ainda mais machista e retrógrado que o Brasil, então era uma questão cultural, que todo mundo abraçava”, pontua Maiellaro.
Há uma cena da novela em que Miguel e Mia estão em cima de um penhasco e ele ameaça empurrá-la lá de cima. Depois de dar um susto nela, o garoto diz: “tá vendo que eu posso fazer o que quiser com você?”. Em outra cena, ao som de uma música instrumental, Diego beija Roberta na boca enquanto ela dorme. O assédio é romantizado.
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A psicóloga e terapeuta de família Camila Motta conta que casos de relacionamentos abusivos são comuns entre seus pacientes. A maioria vivencia ou vivenciou casos que passam despercebidos, que precisam de maior atenção para serem notados. Ela acredita que a romantização de histórias tóxicas na mídia colabora para que as pessoas normalizem essas experiências.
“Somos seres sociais e nossa cultura influencia nossas ações e crenças. Só lembrar que algumas décadas atrás não falávamos sobre relacionamento abusivo. Esse é um debate atual. Podemos normalizar socialmente certos comportamentos ruins. As mídias sociais tem um papel importante ao questionar tais comportamentos ou de normalizá-los”, aponta.
Piadas homofóbicas
Embora o RBD tenha um integrante gay, Christian Chávez, a novela “Rebelde” frequentemente tratava sexualidades não-heteronormativas como piada, o que era comum em colégios na época. Às vezes, inclusive, na boca de Giovanni, personagem vivido por Christian. Vale destacar que o ator e cantor só tornou pública sua homossexualidade após o fim da novela.
Em uma das cenas, o pai de um personagem secundário, Xavier, tira o garoto do Elite Way School após Giovanni simular, com escárnio, ter um caso com o garoto. Para isso, Giovanni usa um boá de plumas. A intenção era justamente fazer Xavier sair da escola. Depois, o pai dele diz para Giovanni: “cale-se, seu degenerado!”. Giovanni cai na gargalhada.
Todos os personagens de “Rebelde” são heterossexuais e, quando há qualquer menção à pessoas LGBTIQAP+, é em tom de escárnio ou escândalo. Em dada parte da novela, Mia e Roberta se vingam de Joaquim espalhando o boato de que ele é gay. É bem diferente da representatividade e naturalidade com que LGBTQIAP+s são tratados na série da Netflix, por exemplo.
“Rebelde” teve três temporadas. A novela é derivada da argentina “Rebelde Way” e retrata os altos e baixos da vida de adolescentes que vivem em um colégio interno de elite. A trama teve, ao todo, 440 capítulos e, sem dúvida, é lembrada com nostalgia pelos fãs. O SBT exibiu “Rebelde” pela primeira vez entre 2005 e 2006. A reprise exigirá distanciamento e senso crítico por parte da audiência.