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Produtores masculinos e artistas femininas: a quem pertence o “toque de Midas”?

A indústria fonográfica está preparada para uma mudança de paradigmas?

Foto: Reprodução de internet

Um bom artista ganharia destaque com produções ruins? Um bom produtor pode fazer seu nome ao lado de um artista ruim? Talvez não tenhamos uma resposta absoluta para ambas as perguntas, mas não há dúvidas que a soma de talentos (provavelmente) renderá bons frutos. Fica uma terceira pergunta no ar: será que os louros do sucesso são compartilhados de forma justa?

Lady Gaga e Mark Ronson (Foto: People Magazine)

Um artigo publicado pelo The Observer destaca a ascensão de muitos produtores masculinos que fizeram fama ao trabalharem com artistas femininas. Jack Antonoff e Mark Ronson são dois nomes conhecidíssimos para quem acompanha as maiores estrelas da música dos últimos 20 anos.

Antonoff, que produziu álbuns para St. Vincent, Lorde, P!nk, Taylor Swift, SIA e The Chicks, já disse em inúmeras entrevistas que a música que ele quer fazer cabe “simplesmente uma voz feminina”.

Ronson assumiu uma posição semelhante ao falar sobre seu trabalho com Amy Winehouse, Adele, Lily Allen, Camila Cabello, Miley Cyrus e Lady Gaga, dizendo que também prefere trabalhar com talentos femininos.

Ambos os produtores foram elogiados por suas colaboradoras por criarem uma atmosfera na qual se sentissem ouvidas e criativamente livres. A imprensa gosta de destacar esse ponto, fazendo Ronson e Antonoff parecerem os “garotos legais da música” após anos de abuso por outros produtores dentro da indústria fonográfica.

Taylor Swift e Jack Antonoff (Foto: Rolling Stone magazine)

Entretanto, algo parece injusto quando esses produtores começam a pegar carona no sucesso dessas cantoras. Sobretudo pela narrativa amplamente aceita em torno das mulheres na arte, que as limita meramente à posição de musa. Elas precisam ser impulsionadas em sua própria narrativa.

Todos têm direito de buscar seu lugar ao sol, mas até que ponto o produtor atribui o seu sucesso ao seu relacionamento com determinada artista? A ascensão do produtor-celebridade apenas deu mais validade à separação da propriedade criativa da música.

Esse processo, quando aplicado a artistas mulheres, cria uma forte implicação de que o gênio de Lady Gaga, Lorde, Lana Del Rey, Taylor Swift, entre outros, não reside nelas, mas sim no homem por trás do vidro.

A experiência criativa é um relacionamento puro ou manipulativo?

Ronson e Antonoff estão constantemente redirecionando suas atenções de volta para as artistas com quem trabalharam, falando sobre a genialidade de suas colegas antes de contar histórias sobre como suas sugestões tornaram as músicas o que elas são.

Isso pode parecer inofensivo à primeira vista, mas jornalistas e fãs muitas vezes classificam o elogio como “chato” e preferem falar sobre o que a artista não fez, em vez do que ela fez. Mas será que as gravações e a experiência criativa são um relacionamento puro e nunca manipulativo?

Dr. Luke e Kesha: relação entre produtor e cantora foi parar nos tribunais com acusações pesadas de ambos os lados (Foto: Reprodução de internet)

Atualmente Kesha pode até ter sua liberdade para criar e lançar sua música, mas a disputa contra Dr. Luke, produtor que tinha contrato de exclusividade com a cantora, foi longa e exaustiva durante anos. Em sua batalha judicial, Kesha afirmou que Dr. Luke a drogou e estuprou. Contudo, o produtor saiu vencedor em processo aberto por ele em 2014, que acusava a cantora de difamá-lo para poder sair de seu contrato.

Esta semana, Wanessa Camargo disse não trabalhar mais com Mister Jam (Fábio Almeida). A decisão foi feita imediatamente após ela ficar sabendo das denúncias de comportamento abusivo vindas de Francinne. A cantora não chegou a citar o nome do envolvido, mas foi revelado pelo jornalista Leo Dias.

Mister Jam era o atual empresário de Wanessa e sempre foi visto como o responsável pela fase eletrônica de sucesso da cantora (olha a reprodução do discurso pró-produtor). De fato, ele produziu o álbum “DNA”, que teve singles como “Sticky Dough” e, em sua versão ao vivo, “Shine It On”.

Mister Jam ao lado de Wanessa Camargo e Francinne: relações rompidas entre produtor e cantoras (Foto: Reprodução de internet)

Faltam mulheres no papel de produtoras

Voltando a Antonoff e Ronson: é um fato que ambos ajudaram a definir as duas últimas décadas do pop. Mas a única razão pela qual podemos identificar esses atributos como sendo deles é porque eles estamparam diversas revistas e reportagens nos últimos anos e puderam falar sobre seus respectivos processos criativos.

Mas será que conseguimos desvendar quais são as partes de um álbum do Michael Jackson eram dele e quais pertenciam ao produtor Quincy Jones? É simplesmente a música. Então por qual motivo Ronson e Antonoff sentem a necessidade de reivindicar segmentos de trabalhos femininos quando o precedente deve ficar em segundo plano?

Partindo deste pensamento, uma quarta pergunta surge: Por que não há mulheres produzindo sozinhas? Faria sentido que as mulheres saíssem apenas do papel de “performer” e expandissem esse tipo de empoderamento para a produção, criando mais espaços onde se sintam confortáveis ​​em serem honestas. De alguma forma, Madonna, Rihanna, Beyoncé, Taylor Swift e Lady Gaga estão no controle criativo de suas produções.

Madonna em estúdio durante as gravações de seu último álbum “Madame X” (Foto: Reprodução/Instagram)

Mas precisamos falar que o Grammy de melhor produção (em um álbum não clássico) nunca foi ganho por uma mulher. O cenário fica ainda pior quando descobrimos que nenhuma mulher foi indicada para um álbum que não fosse dela.

A narrativa de que o gênio feminino vem de produtores masculinos só terá fim quando a indústria fonográfica abrir espaço para que mulheres assumam o controle total de suas produções.

Talvez o momento seja AGORA.