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Pride POPline: Potyguara Bardo fala sobre ter voz em meio a “barbárie” e revelou novidades da carreira musical


Em mais um episódio da POPline Pride, a gente apresenta Potyguara. O nome já dá uma dica: ela é do Rio Grande do Norte, também viu em RuPaul a máxima da inspiração para se encontrar profissionalmente e pessoalmente e é uma das mais politizadas da cena. Para Potyguara, é importante ter voz, apresentar uma possibilidade para aqueles que ainda não conseguiram forças para se expressarem e pedir respeito à individualidade.

Além desse papo, ela nos revelou novidades na carreira musical.

Olá, Potyguara! Para começar nossa conversa e para te apresentar apropriadamente ao público que ainda não te conhece, conta pra gente sobre sua história e como e quando sua drag queen foi criada!
Oi, POPline! Bem, eu sempre tive inclinações artísticas, mas sempre reprimi isso porque eu não achava que na minha cidade eu, sendo quem eu era, teria alguma chance de suceder. Na adolescência eu escrevia pra saciar essa necessidade de expressão, mas foi na universidade que eu finalmente me conheci o suficiente pra saber que eu não tinha outra coisa a fazer aqui no mundo que não fosse arte. Conhecer mais a fundo a arte drag me fez perceber que era a plataforma ideal pra isso. Eu tenho a possibilidade de ser roteirista, diretor, ator, maquiador e seja lá o que mais se faz num palco. Larguei tecnologia da informação pra usar peruca (as vezes nem isso, já que tenho cabelo grande 😂).

E quais foram as inspirações para o seu nome, Potyguara Bardo? Foi difícil chegar até essa escolha?
Bem, meu nome drag não oficial quando eu ficava vendo drag race e fazendo gowns de edredon era “Jacqueline Hello”, jacqueline pelo meu nome de boy e “hello” por que eu via muito “Mulheres ricas” na época e achava hilária a existência de Val Marchiori. Quando chegou o dia de eu me montar eu tinha acabado de ler “A experiência psicodélica” de Timothy Leary, que é uma tradução e resumo do Bardo Thodol – o livro tibetano dos mortos, pois tinha recentemente tido uma experiência de morte do ego e sentia que minha drag precisava falar sobre isso. Então veio o nome: Potyguara (pois quem nasce no RN é potiguar, de onde vem o meu ego e minha ancestralidade) e Bardo (o infinito e o vazio da existência, de onde vem o meu espírito).

Ser do Nordeste se mostra muito forte em todas as suas características, principalmente nas escolhas das músicas de suas performances. E você se mostra muito orgulhosa de suas raízes.
Sim, justamente por não crescer me sentindo representado no cenário artistico e vendo que os artistas que “conseguiam” da minha cidade sempre iam embora de Natal, quis que no meu nome tivesse a minha terra pra onde quer que eu fosse. Pra não me deixar esquecer que vim da descrença e, quem sabe, fazer uma poc conterrânea na mesma situação que eu acreditar que é possível expressar qualquer peculiaridade sua, pois é isso que te faz única.

De todas as drag queens no cenário musical atual do Brasil, você é uma das mais politizadas, sempre levantando a bandeira do que você acredita, seja em performances marcantes ou em publicações em suas redes sociais. Para você, essa politização de sua drag queen é uma característica importante?
Devo confessar que já foi mais importante, ao pé que o cenário político vai desmoronando, eu comecei a focar minha arte mais na saúde mental e pra onde nossa espécie está indo nessa nova era que começa. Eu acho que esse é um dos maiores poderes do artista: lembrar da humanidade e da empatia em meio a barbárie. As maiores atrocidades podem ter acontecido, mas quando olhamos pros nossos ancestrais são as artes que nos dizem de verdade o que tava se passando ali energeticamente. E vemos que assim como a maldade, a bondade sempre esteve aqui e não tá indo embora tão cedo.

Além da politização, Potyguara Bardo também se mostra uma drag queen inclusive, por assim dizer. Com seu clipe de “Você Não Existe” sendo todo feito em Libras. Ainda veremos mais desse lado inclusivo de Potyguara Bardo no futuro? Há algo já em planejamento?
Eu pretendo aprender todas as minhas músicas em língua de sinais, pra poder reproduzi-las pra qualquer brasileiro. Infelizmente sempre era indeferido na matéria de Libras na universidade e não tive aulas de verdade, o que eu sei vem do Youtube e da minha prima Erielma que junto com Meire me ensinaram a “coreografia” de “Você Não Existe”.

“Esse é um dos maiores poderes do artista: lembrar da humanidade e da empatia em meio a barbárie”

Sua música também segue um caminho um pouco diferente das outras artistas drags da cena musical do Brasil. Enquanto elas apostam em funk, pop-eletrônico e até no estilo musical que ficou famoso com nomes como Aldair Playboy, você se direciona mais para uma MPB mais raiz, também com muitas influências da cultura de sua região, o Nordeste, e misturando com tudo o que a criatividade permitir. Pra você, seguir por esse caminho foi natural?
Foi muito orgânico, mostrava a um amigo, depois a outro e aos poucos fui construindo a sonoridade da música. Por que queria focar na mensagem, se flopasse pelo menos eu tinha espremido tudo o que eu queria falar pro mundo ali. E essa mensagem de espiritualidade foi sempre algo muito raiz no reggae e vejo esse paralelo também hoje em dia na cultura psicodélica/de raves.

Você está atualmente gravando o seu primeiro álbum. Conta pra gente o que os seus fãs e os fãs de cantoras drag queens brasileiras podem esperar de seu disco!
Sim! Agora tô acabando de gravar o “Simulacre” e os ritmos das músicas 100% servem ao que a música venha a falar, não me prendi a um específico. O álbum fala dos desejos mais superficiais aos maiores insights que já tive até hoje e vai do funk ao reggae, mas sempre com um pé na psicodelia. Até junho ele deve tá saindo com o vídeo da música “Oasis”.

Você também é conhecida por apresentar vários covers de Lana Del Rey, sempre cantando ao vivo. Além de Lana, quais outros nomes mais te influenciaram, tanto na criação de sua drag queen como em sua música no geral?
Nossa, tantas pessoas e coisas me influenciam! Musicalmente eu vou de Calypso a Muse tranquilamente numa playlist. O imaginário da minha drag bebe muito da televisão brasileira também, os programas Ra Tim Bum, Xuxa… Tudo que remete a minha infância. Mas claro que tenho meus ícones pop: Lady Gaga, Azealia Banks, Luisa Nascim (da banda Luísa e os alquimistas), Pitty, Bjork… Ao infinito e além.

Você é uma grande amiga de Kaya Conky, hoje uma das maiores apostas da cena musical LGBTQ+. Quando que o mundo vai ver essa parceria de vocês se transformar em música?
Eu e Kaya nos conhecemos pouco antes de começarmos a fazer drag. Quando a gente se juntou pra falar de Glitter – em busca de um sonho, eu vi ali que ela era da minha família de espírito. Te amo, rapariga! E sim, ela vai tá no “Simulacre” numa música chamada “Karamba”! Além dela também vai ter participação de Catherrine Bleublanc, numa faixa spoken word, e uma música com Luisa Nascim!

Qual drag queen cantora você sonha em fazer uma parceria e por quê?
Com todas! Mas especialmente com RuPaul. Ela mudou minha vida ao me apresentar tão profundamente a arte drag e foi um firmamento no início da minha trajetória espiritual – que é sempre um momento muito delicado. Eu tenho certeza que passaria horas conversando com ela, ou até a pilha daquela cyborg acabar… kkk

“Não queremos acabar com a heterossexualidade ou com a família, só não queremos que nossas famílias sejam invisibilidadas.”

Além disso, você também atua, inclusive participando do filme “Verde Limão” com outras drag queens do Rio Grande do Norte. Como foi essa experiência pra você? Veremos Potyguara Bardo mais vezes em filmes no futuro?
Foi a realização de um sonho de infância! Atuar foi minha primeira profissão dos meus sonhos e me ver numa telona não teve preço! O curta agora ta sendo enviado pra festivais. E sim, não pretendo parar de atuar seja em drag ou fora de drag. Inclusive já gravei outro curta, do diretor Hélio Ronyvon, e to citando ele por nome pra ver se apresso esse lançamento 😂 te amo Elho!

Recentemente, vimos uma abertura maior do público na recepção de artistas LGBTQ+, principalmente de drag queen. Nomes como Pabllo Vittar, Gloria Groove, Aretuza Lovi e a própria Kaya ajudaram a abrir esse espaço. Mas ainda falta muito caminho pela frente. Como você enxerga esse novo cenário? O que, para você, ainda falta ser conquistado?
Eu acho a coisa mais linda! Saber que as gay vão crescer vendo exemplos vitoriosos é impagável! O que falta é verem que não queremos acabar com a heterossexualidade ou com a família, só não queremos que nossas famílias sejam invisibilidadas. O que falta é todos os cidadãos nos verem como seres humanos e pararem de nos matar.

A gente está perguntando para todos os entrevistados: para dar uma continuidade nessa corrente positiva de novas drag queens cantoras no Brasil, qual nome ainda não tão conhecido pelo público que você acha que vai se destacar em 2018?
Eu amo Electra Mcklein e vou enaltece-la! Sempre!

Para finalizar, manda um recado para os leitores do POPline!
Nós vivemos um momento onde um estado elitista manda forças armadas contra a população, hoje mais do que nunca devemos nos unir e tentar criar pontes com as outras pessoas que também são pisadas pela máquina. Abraçar nossa irmandade LGBT é o que nos traz vida, dialogar e pavimentar a maneira que somos enxergados pelos nossos irmãos e irmãs não-lgbt é o que vai, a longo prazo, nos tirar da morte.