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Pride POPline: conheça Caio Dias, o cantor que quer ajudar a quebrar os estereótipos e levantar a bandeira da pluralidade


A série de entrevistas da Pride POPline se encerra neste sábado com o único personagem até agora com uma narrativa um pouco diferente do que vimos até aqui. Se até então entrevistamos artistas que viram na arte drag o caminho para trilhar na música, hoje nosso foco está em Caio Dias. Esse mineiro de 28 anos também tem na cena LGBT um meio de expressar seus sentimentos e uma bandeira a ser erguida com orgulho, mas tem um outro mote.  “Vejo as mulheres pioneiras nesse movimento de libertação do corpo”, diz ao POPline ao assumir para si parte da militância de expressão também do homem homossexual.

Em seu mais recente trabalho, “Resistência”, Caio choca os dois mundos que conhecemos e levanta a questão da liberdade em sua total integridade. Conheça mais sobre o artista no nosso papo abaixo:

Foto: Caio Dias (centro), clipe “Resistência” por Alexandre Borges

Oi Caio, a gente sempre começa as entrevistas da Pride POPline pedindo que o entrevistado se apresente! Conte mais sobre você.
Olá, Popline! Primeiramente, agradeço imensamente esse espaço! Para mim e tantos outros artistas em início de carreira ele é fundamental. Obrigadão mesmo, de coração. Bem, sou Caio Dias. Tenho 28 anos, natural de Belo Horizonte. Pisciano com ascendente em leão (e lua também), o que é ótimo, porque correria o risco de eu só chorar (haha), me equilibra. Comecei a cantar aos 12 anos de idade, na igreja evangélica (minha família é toda adepta a essa crença). Me formei em comunicação social, habilitado em Publicidade e Propaganda e, durante a faculdade, iniciei minha profissionalização artística, há 6 anos. Foi em 2012 que lancei meu primeiro trabalho autoral na internet. Sou musicalmente curioso, intimamente reservado e socialmente extrovertido. Amo estar com meus amigos e o público (leão), mas também sou apaixonado por estar sozinho em casa (peixes). Individualidade é muito importante pra mim, boas amizades também. Adoro astrologia, arrisco jogar tarô, sou terapeuta não remunerado dazamiga (kkk) e música é meu combustível (nem televisão tenho, por exemplo). É isso, basicamente. Ah, e sou solteiro (leia o emoji da carinha de lua aqui haha), há 2 anos.

Você tem influências em vários estilos musicais. Como elas conversam entre si para a sua formação artística?
Verdade! E pensar que tudo começou com os louvores da igreja (hallelu!). Criança não tem escolha, né? Fazem o que os pais mandam. Então entrei para o grupo de jovens, na sequência, na equipe de música e de dança. Essa foi uma forte influência (que me ensinou disciplina vocal e interpretação, presença). E outras duas bem fortes foram: primeira – meu pai tocava percussão em uma banda de pagode, nas pizzarias de BH (o que me fez apaixonar por musicalidade brasileira) e, segunda – eu ouvia muitos barulhos em casa, durante a madrugada. Morria de medo de ficar sozinho, daí ligava a televisão (no programa do Zé do Caixão, vai entender) e, para pegar no sono, deixava um radiozinho de pilha tocar até adormecer. Adorava dormir ouvindo programas de rádio variados. Isso foi provocando em mim um gosto muito eclético que, mais tarde, eu traria para as minhas composições. Essa mistura me despertou a vontade de experimentar muitas possibilidades na música. Tanto que, atualmente, minha definição para estilo pop é a seguinte: pop é o que toca a gente no momento certo, com as palavras certas, no ritmo que mais nos cativa. É o seu radiozinho da madrugada (haha).

Foto: George Lucas/Divulgação

“Não faz muito sentido para mim assumir um papel de formador de opinião e fingir que nada está acontecendo”.

Em uma de suas falas na divulgação do seu trabalho, você diz que “sente falta de artistas masculinos esteticamente provocativos e sensuais com seus próprios corpos”. Por que fala isso?
Me recordo de um comportamento na infância que traduz um pouco minha visão sobre essa fala. Eu dava duas dobras nas minhas bermudas, na cintura, para elas parecerem mais curtas. Eu brincava com as minhas primas e queria andar parecido com elas. Sei lá, me sentia mais à vontade assim. Mas era muito reprimido por minha mãe, porque, segundo ela “homem não usa roupa curta”. Inclusive, em um acesso de raiva, ela deu para a minha prima uma blusa rosa de estampa de frutinhas que eu amava (R.I.P. brusinha). E essa ideia martelava na minha cabeça: por que meninos não podem usar roupas assim também? Fui descobrindo a razão aos poucos, através do bullying, quando era chamado de “bichinha” e “veadinho”. Mas na minha cabeça, deveríamos usar o que quiséssemos.

Me tornei adulto, aprofundei meus estudos sobre comportamento humano e antropologia durante a faculdade, sou muito questionador. E sou muito a favor de um corpo livre, sabe? Desde a idade média vivemos uma repressão contínua ao corpo, à sexualidade, à nudez, que foi agravada com a inquisição. É como se o simples fato de mostrar nossa pele fosse errado. Vejo as mulheres pioneiras nesse movimento de libertação do corpo. Antes objetificadas sexualmente, hoje conseguiram (e conseguem) mostrar à sociedade que as regras sobre si só dizem respeito a elas mesmas, cada vez mais. Claro, ainda há muito o que evoluir, mas importantes passos foram dados. Ser provocativo, sensual, portanto, ao meu ver, é um posicionamento de se empoderar. Fazer suas regras. Dizer que o corpo é seu e dane-se. Sinto associações muito pejorativas ainda, quando falamos sobre a exposição do corpo masculino, seja usando roupas justas ou curtas. “Ele tá parecendo uma mulher”, dizem. E qual o problema? Desde quando é ruim parecer uma mulher? E quem criou as regras do que é “coisa de mulher” e “coisa de homem”? Preciso me estereotipar com tal “código social de gênero” para ganhar direito a tal comportamento, tal vestimenta? Não tenhamos vergonha dos nossos corpos, independente da nossa identidade de gênero. É o que penso.

Até então aqui na Pride POPline a gente conversou com muitas drag queens cantoras que estão buscando seu espaço ao sol. Como você vê o meio em que está inserido em termos de preconceitos com homens assumidamente homossexuais?
Olha, tem uma coisa que já entendi: se você cruzar a linha do “lugar comum social”, você é crucificado, literalmente. Não importa muito sua apresentação, sabe? Seja ela Drag, Queer, Afeminada, Cis, Trans.. Se você desafia os padrões pré-estabelecidos, tão arraigados em dogmas religiosos intolerantes, você cai na “caçamba da intolerância”, apesar de sabermos que nem todo grupo sofre as mesmas coisas. Te olham torto, fazem chacota, fazem piada. Alegam desperdício, te julgam despudorado, te condenam ao inferno. Enfim, fazem o que dão conta, o que aprenderam (como diz uma amiga psicóloga de Goiânia). Por isso a importância de termos cada vez mais representantes das diferenças nas artes. Somos muitos! Somos plurais! Somos, apenas. Todos parte de um mesmo núcleo, que merece ser percebido e acolhido. Somente a união de propósitos e a diversificação crescente de representatividade será capaz de nos reposicionar, nos tornando totalmente comuns aos olhares sociais, porque é o que somos, de fato. Não temos nada em especial, melhor ou pior que os demais, somos iguais.

Fala pra gente sobre o trabalho em “Resistência”.
Bem, estava eu de boa na lagoa com minha solteirice e lá veio um boy surgir na minha vida para me desestruturar psicologicamente (socoooooorro kkk). Passado esse momento de quase loucura que vivi, chamado paixão, refleti sobre todas as vezes que me permiti ser invadido emocionalmente e sofri com isso. Todas as vezes que acreditei em promessas (nas minhas ilusórias e nas dos demais) e arquei com consequências indesejadas. Lembrei de histórias de amigos, dos meus pais (que viviam uma relação bem abusiva) e de tantos outros relatos acumulados até então. Me atentei ao fato do poder do não, de se blindar contra tudo aquilo que perdeu o sentido e que insistimos em alimentar. Confesso que me senti orgulhoso em conseguir sair bem dessa cilada de satanás. E assim nasceu Resistência: um basta às relações abusivas. Composta, procurei o Blak, um produtor daqui de São Paulo que manda muito em rap e black music em geral, porque eu queria uma pegada trap (Blak, te amo, cara). E assim nasceu essa musiquita.

E o clipe? Você convidou amigos e seguidores para formar a equipe, correto?
Foi! Olha, digo uma coisa a vocês. Se existe louco, é porque tem plateia… hahaha. Com a música pronta, fiz um convite no Instagram para os seguidores interessados em participar da filmagem do clipe. Para minha surpresa, houve um grande interesse por parte deles e gravamos algumas semanas depois, às seis da manhã (nossa, eles foram muito parceiros, viu!!) na Praça Pôr do Sol, em São Paulo. Fiquei muito feliz.

A mensagem do clipe é bem clara! Como foi a concepção do roteiro e conceito?
Eu amo escrever. Sempre que componho uma música, geralmente me ocorre a ideia do vídeo. Resistência me remeteu fortemente uma alusão ao bloqueio militar. Discuti a ideia com a Bia Tomielo (minha graaaaaande amiga. Falei que é uma grande amiga?) que me acompanha nos clipes desde o comecinho. Ela gostou, fez umas ponderações, colhemos as sugestões de outras pessoas próximas (coisa que gosto muito de fazer, ouvir essas opiniões de fora) e estruturamos tudo. Ela é de capricórnio, sabe? Então ocorre tudo bem organizado hahaha. Que bom.

E também soubemos que todos estão dentro da comunidade LGBT. Por que foi importante para você esse aspecto da produção?
Sim! Poxa, porque nós temos voz! Porque nós amamos, nós sofremos, nós somos felizes, nós terminamos relações e voltamos. Nós temos emoções. Um posicionamento que busco tratar fortemente com o meu trabalho é a normalidade: sim, ser um LGBTQI é normalíssimo. Me irritava profundamente (e ainda irrita) pessoas alheias, heterossexuais, que nos resumem a um ato sexual! Como se só fizéssemos sexo, mais nada (ódio!). Então, somos personagens sociais como qualquer um. Acho sempre válido reforçar.

“Quem criou as regras do que é “coisa de mulher” e “coisa de homem”? Preciso me estereotipar com tal “código social de gênero” para ganhar direito a tal comportamento, tal vestimenta? Não tenhamos vergonha dos nossos corpos, independente da nossa identidade de gênero.

Caio Dias (centro) e os dançarinos Daniel Anjos e Wellington Santana (da dir. para esq.) na Feira Cultural LGBT/SP. Foto: Alexandre Borges/Divulgação

Cada vez mais vemos os artistas de dentro da comunidade LGBT usando a música para se posicionar politicamente e deixar bem na cara mesmo de todos que há um sofrimento de diminuição, preconceito, de morte… Para você, o quão é importante a arte nesse discurso?
Se há uma frase que gosto é a seguinte: a música alcança onde as palavras não chegam. A arte é indispensável! Porque se nós cantamos, produzimos clipes, eventos, feiras, fóruns, discussões sociais e tudo o que for possível a respeito da nossa comunidade, mostramos nossa presença e existência. Se existimos, merecemos atenção e direitos iguais. Se exaltamos quem somos, a vergonha recua, o medo desaparece e a coragem assume as rédeas. Encorajamos aos demais a seguirem firmes e juntos chegamos muito mais longe nas conquistas dos nossos direitos. Carecemos de modelos. De bons modelos. A arte é capaz de gerar bons espelhos de inspiração.

Você enxerga que tem um papel nessa “militância” ou não encara com tanta seriedade assim?
Enxergo totalmente! Assim como milito! Não faz muito sentido para mim assumir um papel de formador de opinião e fingir que nada está acontecendo. Como citei anteriormente, meu anseio é ser mais uma das diversas vozes plurais que somos. Cada uma com sua abertura e potencial de alcance, mas portando uma mesma mensagem de inclusão e respeito. Carrego essa causa no meu trabalho, posicionamento e discurso, até porque, é o que sou. Sendo o que sou, também sou um grande interessado em melhores condições sociais e cíveis para mim e todos os nossos.

Ano passado você lançou um EP com quatro faixas, o “Funk Tropical”. Este ano, “Resistência” é um novo single de apresentação ou fará parte de um novo projeto?
Sim! Funk Tropical foi um experimento. Tanto que nem divulguei muito ele. Eu estava entendendo o que eu gostaria de propor, de fato. Foi uma experiência maravilhosa. Resistência faz parte do EP que lanço na primeira quinzena de julho, intitulado Caio Dias. É nossa largada. Tem muita coisa bacana nesse projeto novo. Me sinto realizado por ter conseguido criar algo ecleticamente pop, tal como eu me sinto (radiozinho de pilha, obrigado haha). Espero que vocês gostem dessas 5 faixas inéditas que estão chegando.

A gente está perguntando para todos os entrevistados: para dar uma continuidade nessa corrente positiva de novas drag queens cantoras no Brasil, qual nome ainda não tão conhecido pelo público que você acha que vai se destacar em 2018?
Olha, tenho acompanhado bons trabalhos de drags e artistas trans também. A Frimes tem uma proposta muito própria, me impactou positivamente. Adorei. Creio ser um nome para se atentar. E entre artistas trans, acredito que a MC Xuxu tem muita coisa boa para nos mostrar também.

Foi um imenso prazer, POPline! Obrigadão, mais uma vez.