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Opinião: Tendências para o Mercado da Música em 2024

Artigo de opinião assinado por Rodrigo Lampreia, para o POPline.Biz é Mundo da Música

Foto: Unsplash.

No fim de 2010, quando eu voltava para casa, após uma temporada em Londres, uma das minhas preocupações era se o Spotify iria funcionar no Brasil. Eu tinha descoberto uma plataforma que me servia qualquer música em um click, mas que só estava disponível em poucos países.

Nessa mesma temporada Londrina, um vídeo meu cantando com a Amy Winehouse, num bar de Jazz, já estava em todos os sites brasileiros de fofoca, enquanto eu me assustava com a velocidade que um conteúdo de vídeo, filmado por um estranho, com uma câmera compacta, já tinha chegado ao Brasil.

Amy Winehouse. Foto: Divulgação.

Lembro também, no início de carreira, da teoria dos mil fãs. Diziam que se um artista tivesse essa quantidade de fãs engajados, isso seria suficiente para que sua carreira prosperasse. Nessa mesma época, 13 anos atrás já se falava de aprendizado de máquina e a evolução da inteligência artificial já aparecia na web, em plataformas, sistemas de tecnologia e no algoritmo do Facebook, a rede social mais usada naquele momento.

As constantes mudanças na indústria musical, sobretudo na tecnologia, sempre impactaram e moldaram o mercado, os artistas, consumidores e os grandes players. Nesses quase 25 anos de música, testemunhei de perto o desenvolvimento da indústria e vivi, a maioria, como um artista e criador de música. Agora, como executivo da música, vejo essa mesma evolução com outro olhar, mas com o mesmo entusiasmo.

Minhas previsões para 2024 são otimistas e desafiadoras. Historicamente, acredito que a indústria global da música sempre soube se adequar às muitas mudanças que viveu e o futuro promete ser ainda mais volátil. Aposto sempre no lado bom das mudanças e acho que temos que usufruir do novo com sabedoria, estratégia e informação.

Microfone. Foto: Unsplash.

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Por isso, fiz uma lista do que acho que vai ser tendência em 2024, baseado nos meus estudos, conversas, leituras, análises e, claro, na vivência do dia a dia, tocando meu grupo de música. 

Super aquecimento dos shows e festivais ao vivo

O pós pandemia se mostrou saudável para o setor de shows, eventos e festivais ao vivo. Depois de três anos agonizando, com efeitos e consequências devastadoras para o ecossistema de entretenimento ao vivo, a agenda de experiências ao vivo se solidificou com força e robustez.

Dados recentes da ABRAPE (Associação Brasileira dos Promotores de Eventos), mostram que o setor de eventos se consolidou como o maior gerador de empregos no Brasil em 2023, com crescimento de quase 47%.

Coala Festival 2022. Foto: @juliabandeiraph.

A programação de shows e festivais no Brasil foi intensa e diversa e promete ficar ainda mais forte em 2024. Festivais mainstream como The Town, Lollapalooza, Primavera Sound, João Rock, MITA, Coala, Turá, Rock The Mountain, Sarará e MECA se destacaram no ano com line-ups potentes e shows lotados, enquanto alguns, mais recentes, se consolidaram e certamente ficarão no calendário anual do país: Doce Maravilha, Queremos, C6 Fest, Batekoo Festival, COMA, Rio Montreaux Jazz Festival, Mada, entre outros.

A quantidade de shows internacionais no Brasil também impressionou: Taylor Swift, Paul McCartney, The Weeknd, Maneskin, RBD, Roger Waters, Red Hot Chili Peppers, sem contar os outros que estiveram pelos palcos dos grandes festivais. Artistas também fizeram suas turnês independentes e lotaram estádios e grandes arenas: Titãs, Marisa Monte, Jão, Thiaguinho, Ludmilla, Kamaitachi, mostraram a força dos seus shows ao vivo, com fãs engajados esgotando ingressos. Muitos eventos independentes também cresceram e deram palco para novos artistas, fortalecendo a cena e apresentando novos talentos.

Foto: John Medina/Getty Images (uso autorizado ao POPline)

A demanda reprimida do público potencializou os encontros offline, que acabam proporcionando uma experiência mais orgânica do mundo real. Fãs de música passaram a valorizar mais essa reunião em torno do ídolo, pois podem, juntos, cantar as músicas e viver essa experiência de perto, gerando forte conexão com o artista.

Com as disputas de atenção e tempo de tela se intensificando no mundo digital, o prazer da experiência offline se torna mais desejado e promete dar muitos sold outs em 2024, gerando mais receita e empregos para a indústria de entretenimento ao vivo. 

Foco no super fã e aumento das comunidades fechadas

Com a saturação de conteúdo nas plataformas de engajamento, o grande número de artistas e a quantidade assustadora de músicas e lançamentos nos apps de streaming,  a necessidade de se construir comunidades em 2024 fica ainda mais essencial para artistas querendo desenvolver base de fãs e construir carreiras no longo prazo.

Encontrar seus próprios nichos, desenvolver comunidades e nutrir seus fãs será crucial para artistas independentes e os já estabelecidos. Exemplos globais como Beyoncé e Taylor Swift mostraram como pode ser poderoso empoderar e se relacionar diretamente com seus super fãs.

Beyoncé.
(Foto: Instagram @beyonce)

A sensação de pertencimento, a coletividade, a união pela paixão e outros atributos, gerados pelas comunidades de fãs, vão mover carreiras e garantir desdobramentos monetários para artistas que tiverem essa consciência. Experiências exclusivas e personalizadas como meet & greet, merch, descontos exclusivos, assinaturas pagas, prévias de música, audições privadas, são algumas ações de marketing que os artistas poderão proporcionar para seus super fãs.

O futuro vai trazer comunidades mais fechadas e exclusivas, que migrarão dos grupos sociais mais abertos e vulneráveis que sofrem com hates, fake news e diferenças. O threataverse (‘ameaçaverso’, numa tradução literal), como vem sendo chamado, é uma tendência que tem ganhado escala nas redes sociais, com ambientes tóxicos onde a divergência de opiniões vira ódio, bullying e ameaças.

As comunidades reservadas vão garantir que pessoas com os mesmos gostos e interesses possam se relacionar, longe de possíveis ameaças e ódio, focando apenas nas suas paixões e gostos compartilhados. Assim, artistas poderão se comunicar com seus fãs de forma mais direta, protegidos de fatores externos que possam trazer dissabor para as discussões, fortalecendo então suas relações com super fãs e gerando novos modelos de receita.

Crescimento e evolução do streaming

O volume de produtos distribuídos no streaming tem crescido de forma substancial. O número diário já ultrapassa cem mil músicas e deve dobrar em 2024. Com o avanço das tecnologias, principalmente a Inteligência Artificial, a democratização da produção musical cresce aceleradamente, permitindo que novos artistas e músicos amadores ou não produzam e distribuam suas músicas. Com a expansão dessas novas ferramentas tecnológicas, a tendência é que consumidores também sejam criadores, aumentando a oferta de produtos e a disputa por atenção.

Foto: Unsplash.

As distribuidoras DIY (do it yourself) ou self service, também facilitaram o processo, permitindo que qualquer pessoa faça o seu upload e disponibilize um arquivo musical nas lojas. Os ajustes nos algoritmos do streaming também estão focados nos usuários. As DSPs precisam e querem entregar as melhores experiências aos ouvintes num modelo centralizado neles, com o intuito de mantê-los conectados, consumindo música, de forma passiva nas suas playlists.

Outra mudança significante é o modelo de remuneração. Recentemente, o Spotify anunciou mudanças no seu sistema de pagamento, alegando que vai priorizar artistas menores e independentes. Outra questão é a guerra para eliminar fake streams, bots e fraudes, garantindo que os detentores de direitos sejam remunerados corretamente.  E por fim, devemos ter ajustes nos preços de assinaturas premium em 2024, acompanhando a inflação global, aumento de preços e pressão das grandes gravadoras por um modelo econômico de streaming mais justo.

Inovação e mistura de gêneros musicais

Muitos usuários e amantes de música estão em busca de novos gêneros e novidades. Com a ampliação de novas playlists de moods e estilos musicais nas DSPs, e o desejo por super nichos, principalmente pela Geração Z, alguns micro gêneros como Amapiano, Drift Phonk, Eurodance, estão ganhando força.

No Brasil, a riqueza da multidiversidade cultural já misturou ritmos e gêneros resultando em novos experimentos como o Pagonejo, Pagofunk, Revoada, entre outros, que misturam Pagode, Funk, Sertanejo, Trap e Piseiro. Esses novos micro gêneros tem atraído amantes de novidades e devem moldar segmentos antigos e criar novidades e mais possibilidades para o âmbito musical, sobretudo de criação.

Foto: Unsplash.

Dominação da Inteligência Artificial

A inteligência artificial (IA) vai continuar acelerando o mercado musical neste ano. Não só como ferramenta e assistente na criação de música, mas como forte aliada nas frentes que compõem o desenvolvimento e gerenciamento de carreiras artísticas: backoffice, design, foto, video, textos e etc. A tecnologia chegou pra ficar e deve extrapolar a criação, impactando diretamente no consumo.

Mesmo com uma regulamentação ainda não definida e incomodando grandes players, a tecnologia chegou para ficar e  se tornou protagonista no ano passado com clonagem de voz, beats personalizados, artistas fantasmas e praticidade para novos criadores.

Inteligência Artificial. Foto: Divulgação

As Big Techs já tem seus sistemas e assistentes de IA funcionando a todo vapor, produzindo conteúdo diariamente. Comandos prompts estão fabricando arquivos de áudio em segundos, assim como processos de mixagem e masterização automatizados, o que vai inundar as plataformas de streaming com novos conteúdos e músicas robotizadas. Isso também vai encorajar que fãs e usuários produzam seus próprios conteúdos, colaborando para a evolução do streaming.

O lado positivo da dominação da inteligência artificial é que conteúdos orgânicos, curadoria, autenticidade e originalidade devem ganhar mais valor e desejo. Assim, garantindo que a inteligência humana seja ainda mais valorizada e que o conteúdo humanizado e real é muito mais legal.

Com tantas novidades, mudanças e incertezas, temos ainda a esperança de que as canções e, a emoção que eles geram, continuarão sendo soberanas e insubstituíveis.  Numa indústria que está sempre em movimento e já enfrentou crises e transformações radicais, o que nos resta é acreditar que a arte é o que nos move e que a música existe para emocionar, curar e transformar. Feliz 2024!

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Com 20 anos de carreira musical, Rodrigo Lampreia é cantor, compositor, produtor musical e empreendedor de música e cultura. Fundador e CEO do Soho Music Group (Soho Sessions, Soho Music Records e Soho Management), tem cinco álbuns lançados e já fez shows pelo Brasil e mundo a frente de projetos importantes como Samba de Santa Clara, Benditos, Sambinha, Roda do Lampra e sua carreira solo. Rodrigo também é o editor, produtor e apresentador do Podcast do Lampra, que debate tendências, novidades, informações sobre a indústria global da música.