Acho que a maioria das pessoas que leu este título aí deve ter pensado de cara: “Mas ué, já não estava morto há muito tempo?”. Afinal, são tantas matérias e exercícios de futurologia dizendo que o que era sólido se desmanchou no ar e que agora só existe vida inteligente no mundo digital, que falar de qualquer coisa que não seja online soa anacrônico e beira o indecente.
A pandemia tem nos levado muita coisa, certamente não sairemos iguais dela e as cicatrizes e marcas com certeza ficarão aí pra gente se lembrar destes tempos tão difíceis. Tempos que nos levaram (e seguem levando) amigos e parentes, todos os dias aos milhares. Tempos que jogaram muitos, muitos mesmos, de nós e de nossos amigos que vivem da produção diária num nível de dificuldade antes inimagináveis. Cantores, músicos, técnicos, roadies, produtores, seguranças, carregadores, motoristas, cenógrafos, camareiros, e um sem número de profissionais que ficaram sem ter o que fazer do dia pra noite, pra várias noites.
E quando essa poeira terrível dos efeitos do vírus baixar, e tivermos energia, discernimento e distanciamento crítico para olhar pra frente, para os próximos passos, certamente veremos um novo mundo. E como nada será como antes (mais uma vez), precisaremos estar mais preparados do que nunca para uma nova ordem mundial. Queria a fazer um convite a este exercício aqui.
A televisão não matou o cinema, como previram os apocalípticos dos anos 50. Mas a Netflix matou as videolocadoras, como não esperavam as redes blockbusters da vida. Do mesmo jeito o download nocauteou e jogou na lona o mercado fonográfico, pra logo em seguida o streaming o tornar mais rico e eficiente do que nunca. Dando ferramentas para que as mais diversas formas de monetização fossem possíveis, cruzando os algoritmos das redes sociais com as DSPs. O cenário de oportunidades parece não ter fim. E os chineses (sim, eles mesmos) estão aí para nos mostrar todo dia mil maneiras novas para isso.
Olhando por cima desta poeira pós-pandemia e pós-lockdown, que transformou assentos de avião e de ônibus em home-offices, encontros em Zoom’s, abraços em WhatsApp’s, vamos poder afinal enxergar de novo o novo normal do off-line. Um off-line digitalizado até o umbigo, mas absolutamente fundamental para transformar o underground em midstream, e mais fortemente o midstream em mainstream.
Pegue o BBB21 por exemplo, TV aberta, nada mais off-line que isso, né? Sim e não. Pois ele só foi o sucesso astronômico que foi pela sua profunda interação com o digital. Ou seja, o novo normal do off-line é o que a turma das techs chama de O2O – do online pro off-line, ou do off-line pro online. Gil e Juliette se consagraram na tela da TV, mas estão transformando isso em receita na telinha do celular.
Afinal de contas você até pode tentar ser 100% digital e até se vangloriar disso. Mas não dá. Você pode escolher a pizzaria, o sabor da pizza, comprar, pagar, tudo no digital, mas quando ela chega na sua casa pra comer, é bom que seja bem física né. Você pode até pedir o seu carro no aplicativo, escolher o itinerário, a temperatura e como quer pagar, tudo no celular, mas na hora de ir para o seu destino, tem que chegar um carro de verdade na porta da sua casa, senão você não vai para lugar nenhum.
Então, não dá pra ser 100% digital? Dá sim. Você pode produzir sua música, mixar, divulgar, vender e receber, fazer tudo online, sem nenhum tipo de interação física com ninguém. E fazer muito dinheiro com isso. Muito mesmo. E ponto.
Mas, se quiser dar aquele passo a mais, se estabelecer de verdade como artista de mainstream, tem que saber como lidar com o mundo físico. Ainda mais agora. Ainda mais quando a pandemia se for (que seja logo!).
A Lady Gaga lançou seu material novo em todas as redes, mas o que mais a deixou feliz e mais a fez querer mostrar pros amigos foi o gigante painel da Times Square, para divulgar suas DSPs – digital streaming platforms, da sigla em inglês – (O2O). Muitos artistas absolutamente populares e bem sucedidos (inclusive financeiramente) em seus segmentos são absolutamente desconhecidos das bolhas ao lado. (Os fenômenos das mortes do Cristiano Araújo e do MC Kevin, tão amados em suas respectivas bolhas, e pegando de surpresas os habitantes das demais bolhas que os desconheciam, é a prova disso). A TV aberta segue sendo o modo de quebrar essas barreiras.
A rádio talvez tenha sido o meio de comunicação dito tradicional que mais teve que se movimentar para sobreviver a ruas sem carros, e carros sem passageiros. Seu principal ecossistema estava vazio. Sobreviveram as que souberam achar seu público onde ele estava, nas redes, nas redes de mensagens (O2O). E os segmentos que se os artistas querem realmente populares no sentido de atingir a população como um todo, precisam saber como lidar com este meio, que mais que todos está se transformando nestes nossos tempos difíceis.
O digital é a maior e melhor revolução das nossas gerações, e nos faz pensar e criar em ritmos alucinados. As bandas são cada vez mais largas e poderosas, e as calçadas sendo furadas no meu bairro para desfilar novos cabos de fibra ótica de última geração não me deixam mentir. E ao mesmo tempo, se alguém falasse em 1991 que trinta anos depois se venderia mais vinil do que CD seria chamado de lunático. Saibamos, portanto, cada vez mais conviver com inteligência com estes dois lados da mesma moeda. Pois o que vale no final, como sempre digo, é o conteúdo que está ali.
Ou seja, fica evidente que a pandemia não matou o off-line. Muito pelo contrário, o fez se reinventar, acelerou o processo que seria inevitável, e que aí sim talvez matasse se fosse muito lento, de transformação dos meios físicos em meio híbridos, que tiveram que aprender na marra como serem também digitais. O on-line e o off-line se misturaram de vez, bem na nossa frente, durante a pandemia e a gente nem se deu conta.
Quando menos esperamos nossos programas de TV favoritos (que passaram meses repetindo programações velhas e aprenderam a gravar remotamente) ficaram cobertos por QR Codes. A Netflix está patrocinando programas da Rede Globo, e todas as DSPs anunciam na TV e em grandes painéis pelas ruas.
E para dar também a esperança para turma dos shows, os grandes festivais mundo afora abriram vendas nas últimas semanas (Lollapalooza, Bottle Rock, Riot, Ohana…). Vários deles sem sequer anunciarem line-ups, as ticketeiras estão reportando vendas recordes. Vai ser tudo sold out, e rapidinho. Afinal, está todo mundo louco para ir pra rua. Para ver de perto seu artistas preferidos e não mais na live.
Isso tudo para dizer que, as notícias sobre a morte do off-line foram manifestamente exageradas. Ele teve que se reinventar, ficou melhor, mais inteligente, mais digital, mais acessível, mais barato e ainda mais fundamental para quem quer viver de sua música, de sua arte. Experimente e verás!