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O debate em torno da capa do álbum de Dulce María: indígenas opinam

“Origen”, novo álbum da mexicana Dulce María, levantou discussões sobre apropriação cultural.
A reflexão em torno da capa do álbum de Dulce María: indígenas opinam
(Foto: Divulgação)

A capa do álbum novo da Dulce María, “Origen”, levantou o debate sobre apropriação cultural nas redes sociais. Na foto, a cantora mexicana aparece com indumentária indígena, como pintura facial e cocar. Ela quis homenagear os povos originários em seu novo trabalho, mas dividiu opiniões, inclusive entre representantes indígenas procurados pelo POPline. O tema é sensível e não tem consenso.

A reflexão em torno da capa do álbum de Dulce María: indígenas opinam

(Foto: Divulgação)

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O artista visual indígena Abimael Potyguara diz que, primeiro, é necessário questionar: “essas pessoas que estão comentando sobre apropriação são indígenas?” Em sua maioria, não. “Acredito que apropriação seja usar algo a seu favor, não é o caso dela, que tem indígena na família”, opinou. Na verdade, o que se sabe é que Dulce é sobrinha-neta de Frida Kahlo, cujo avô tinha ascendência indígena. A mestiçagem foi uma prática política no México.

Em coletiva de imprensa realizada na quinta (22/10), Dulce María explicou que se sente muito conectada aos povos originários. Sua Fundação Dulce Amanecer, que existe desde 2019, desenvolve trabalhos voltados para mulheres indígenas. “Para mim, era como fazer uma homenagem e retomar nossas raízes. Daí viemos praticamente todos – ao menos eu como mexicana”, disse a cantora. Ela também prometeu doar parte das vendas do álbum físico para comunidades indígenas. O físico, porém, ainda não tem data para sair.

O que é apropriação cultural?

A rapper indígena Kaê Guajarara define apropriação cultural: “quando a branquitude – de cima de um privilégio, com visibilidade, lidando com uma estrutura – usa isso [elementos de outra cultura] para interesses próprios, para ganhar em cima disso, e fazer referências vazias em cima disso”. Em sua música “Essa Rua É Minha”, ela trata do tema em versos como “se tu roubou em 1500, tu roubaste, tu roubaste hoje também” e “várias homenagens, nenhuma que muda minha vida”.

Outros artistas já foram alvo de críticas por apropriação cultural. Claudia Leitte viveu isso em 2016, quando se apresentou como “Negalora” nas redes sociais com uma foto de gosto duvidoso. O próprio axé com cantoras brancas em destaque é uma questão nas discussões acadêmicas. Fora do Brasil, Katy Perry também aprendeu sobre apropriação cultural quando se apresentou vestida de gueixa no American Music Awards em 2013. Anos mais tarde, pediu desculpas: “mesmo que minha intenção fosse apreciar a cultura japonesa, eu errei com a performance”

A reflexão em torno da capa do álbum de Dulce María: indígenas opinam

(Fotos: Divulgação)

Posição de Dulce María

Em mensagem enviada para fãs em canal no Telegram, Dulce María disse que existem pessoas com “más intenções”, mas ela sabe que fez “Origen” com boas intenções. Questionada diretamente sobre o tema em entrevista ao El Nuevo Herald, a artista falou:

“Estou mostrando essas fotos há dois anos. De fato, em 2010, quando lancei ‘Extranjera’, também tinha um cocar. Para mim, é com todo o respeito do mundo para honrar, fazer visível a luta das comunidades e continuar apoiando-as. (…) Meu objetivo é honrá-los, visibilizá-los e não usar ‘porque é bonito’. Realmente tem um significado enorme para a cultura do México”

Depois de três anos, Dulce María lançará "Origen"

(Foto: Divulgação)

Na coletiva de imprensa desta semana, Dulce María falou sobre a importância e o significado de toda a indumentária indígena. Mostrou-se a par da pauta indígena. Citou temazcal, retiros e medicina ancestral. “Eles são nossos guardiões. Eles que cuidaram da terra, da natureza e conservaram nossas tradições como humanidade. Sei que estão em luta constante em todo o mundo, sobretudo na América Latina. Parecia-me importante dar visibilidade para esse tema”, discursou.

Confira as opiniões de representantes indígenas:

Abimael Potyguara (artista visual e videomaker):

“Então, olhando as fotos assim dá um bug na cabeça, mas primeiro temos que ter um questionamento: essas pessoas que estão comentando sobre apropriação são indígenas? Acredito que apropriação seja usar algo a seu favor, não é o caso dela, que tem indígena na família. Acho que o pessoal do Brasil não deveria se preocupar com essa questão de outro país. Aqui os povos indígenas estão sendo ameaçados todos os dias em perder seus territórios pelo projeto de Lei intitulado PL490 e ninguém liga. A obsessão em julgar é a dona doença do nosso século. Quando vestimos nossos trajes sagrados (como Dulce está usando) não estamos falando somente daquela pessoa em si, e sim de todos aqueles que vieram antes dela. É ela, o traje e a cultura dela, os ancestrais dela, a história dela”.

Itaokyîara Kariri (estudante e conselheiro da saúde indígena da etnia Kariri):

“Como ela trabalha com as mulheres indígenas, por que ela não colocou uma das mulheres da fundação? Uma mulher representando, sem ser a imagem dela. Querendo ou não, é uma ofensa uma branca estar se apropriando da nossa cultura indígena. Não concordo e acredito que outras pessoas também não. Uma pintura e um cocar são bastante sagrados para um bom entendedor. (…) É um assunto muito crítico”.

Thiago Rodrigues, Potyguara Guarany (professor indígena e fundador do coletivo CABOCLAS):

“Bom, por uma parte vemos a questão da visibilidade e apoio às causas indígenas. Tenho certeza que, se ela está vestida a caráter, deve ter uma história e foi permitida pelos povos que ela apoia. Na outra, se é uma pessoa constante na luta não vejo nada de mais, mas quando se apropriam de nossas vestimentas para com deboche, desvalorizar ou só porque acha bonito já é outra história, pois ela veste com respeito e é apoiadora. Está levantando a bandeira dos povos originários dela em forma de respeito!”

Kaê Guajarara (rapper, arte educadora e atriz)

“O grande problema desses países é que foram colonizados. Em todo país que foi colonizado, as escolas não contam a verdadeira história dos povos indígenas. Botam a criança pintada, diz que é uma homenagem e, na maioria das vezes, diz que nós estamos mortos e que agora só existe a cidade. Muitas das vezes, quando querem ressaltar nossa vivência, fazem isso reproduzindo esse racismo colocado nas escolas. Esse ensino foi dado pelo branco, né? É a única referência que eles têm, porque o país foi colonizado e quem está dando o ensino é o branco. Então eles não entendem que aquilo é um racismo. A gente já está há muito tempo resistindo, vivendo essa colonização. Todos os povos originários estão vivendo, em algum nível, essa colonização. A gente continua vendo as pessoas reproduzindo isso que é ensinado nas escolas, que não é certo. A gente vem desconstruindo isso: que não é uma fantasia, que não é uma homenagem, que se querem ajudar e aprender que se informem sobre a verdadeira história dos povos indígenas. Cada um é um povo e tem uma cultura. Ficam reproduzindo estereótipo e falando que é uma homenagem, quando na real não é. A gente já teve o exemplo do que aconteceu com o povo preto. Tinha várias fantasias racistas, de ‘Nega Maluca’, umas coisas assim. Por que isso ainda não foi revisto para nós indígenas? Que essa fantasia também é racismo? Justamente porque, para sociedade, nós nem existimos. Ainda estão pensando se nós existimos enquanto ser humanos e se sofremos mesmo genocídio“.

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