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Linn da Quebrada, Banda Uó e Leona Vingativa entram em livro de revisão histórica LGBTQIAP+ no Brasil

“Eu queria muito que a gente tivesse personagens mais pop e pessoas que não eram tão conhecidas”, diz autor do livro.

(Fotos: Divulgação)

Aproveitando o mês do Orgulho LGBTQIA+, a editora Paralela lança o livro “Fabulosas: Histórias de um Brasil LGBTQIAP+”, do autor Patrick Cassimiro. Resultado de uma pesquisa de um ano, a obra – com páginas coloridas formando o arco-íris – repassa a trajetória do movimento LGBTQIAP+ no Brasil a partir da história de nomes celebres e também menos conhecidos.

“Eu queria muito que a gente tivesse personagens mais pop e pessoas que não eram tão conhecidas. Eu acredito que você pode pegar o livro para saber a história da Linn da Quebrada, um nome que está super falado neste ano, e aí você conhece a história da Luana Muniz, da Lota de Macedo, do Luiz Delgado. Você compra por uma pessoa e acaba descobrindo a história de várias outras. Isso para mim era bem importante”, o autor conta ao POPline.

(Foto: Renato Parada)

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Na parte contemporânea, há nomes como Banda Uó e até Leona Vingativa, que se unem a nomes célebres como Ney Matogrosso, Caio Fernando Abreu, Roberta Close e Leci Brandão, entre outros. Cada um com um capítulo inteiro para chamar de seu, acompanhado de uma ilustração feita pelo próprio escritor.

“Ontem, te juro que arrepiei quando vi a página inteira falando o nome da Leona Vingativa. Estou arrepiando te falando isso. Foi a hora que me emocionei. Cara, consegui colocar Leona Vingativa. A gente a conheceu criança, a viu crescer através de memes, a gente acompanhou a vida dela inteira no YouTube. Consegui trazer essa piada que ela faz do nome dela para uma página inteira de um livro publicado pela Cia. das Letras. Se eu fiz alguma coisa pela nossa história, acho que esse foi um dos grandes pontos. Acho que seriam coisas que não apareceriam em outros livros. A gente não costuma ver isso. É uma atualização mesmo”, explica Patrick Cassimiro.

“Fabulosas” também põe luz em destaques no cinema, na TV e na música de temática LGBTQIAP+. Canções de Gloria Groove, Johnny Hooker e Gabeu se juntam a outras de Legiao Urbana, Noel Rosa e Chico Buarque em uma revisão histórica. Abaixo, voce confere a entrevista completa com o autor.

(Foto: Divulgação)

POPline – Como surgiu a ideia para o livro?

PATRICK CASSIMIRO – Quando comecei a fazer voluntariado na Casa 1, bem depois da eleição de 2018, aquela época catastrófica pra gente. Eu queria muito arregaçar as mangas, procurar uma forma de ajudar nossa comunidade e achar os meus iguais. Nesse voluntariado na Casa 1, num dos primeiros dias, escutei muitos nomes que eu não sabia quem eram. O Iran [Giusti], criador da Casa 1, chegava lá e falava “a Luana Muniz fez isso”, “Fulana de Tal fez aquilo”, e eu me sentia uma ameba: “eu não conheço ninguém dessas pessoas que ele está falando”. Isso me deu um senso de urgência muito grande para querer pesquisar mais. Fui anotando no celular o nome de todo mundo que eu ia vendo, para pesquisar depois.

Esse bloco de notas ficou guardadinho, e eu pensei “isso aqui tem cara de um projetinho, hein”. Mas ficou guardado. Em 2020, com a pandemia, eu fiquei aquela pessoa de procurar todos os cursos para manter minha mente ativa. Numa dessas, comecei a testar ilustração. Em junho, decidi ilustrar para um Instagram que eu tinha criado. A ideia veio primeiro da ilustração. Eu fazia um post super pequenininho sobre a vida daquelas pessoas. Fiz um post por dia e cheguei aos 30 nomes que eu queria. Desde o início, tinha essa coisa das pessoas que eu conhecia, mas também das pessoas que eu não conhecia e queria conhecer. E das pessoas que tinham me marcado de alguma forma – a Vera Verão, algumas personalidades que fizeram parte da minha trajetória e eu queria entender mais daquela pessoa. Foi um trabalho de bastante pesquisa.

POPline – Quando virou livro?

PATRICK CASSIMIRO – No fim do ano, decidi criar o financiamento coletivo para tentar colocar isso em livro. Nisso, lancei meu primeiro livro por financiamento coletivo, chamado “Bichas Brasileiras”. Esse livro focava só nos personagens. Eram 30 personalidades. Algumas ficaram só no primeiro livro, e algumas vieram para o segundo livro. Mas foquei bastante na história dessas pessoas. Deu certo no Catarse: em menos de 48 horas, bati a meta para lançar o livro, algo sensacional. Em janeiro, quando já estava lançando o livro, a [editora] Paralela ficou sabendo do “Bichas”, através do Samuel Gomes, que já tinha lançado um livro por eles, e eles falaram: “a gente está com uma ideia de projeto parecida e tem tudo a ver com você. O que você acha da gente relançar seu livro pela Paralela, para chegar a mais pessoas e a gente conseguir dar luz a quem não necessariamente tem essa luz?”. A gente começou essa conversa, em janeiro do ano passado, e desde então estou mergulhado em “Fabulosas”. Ele deixa de ser só a história dos personagens. Virou outra coisa. A ideia era contar a história do Brasil, focando na nossa história LGBTQIAP+ e também com algumas curiosidades. Queria que o livro fosse leve, porque tem a parte histórica, tem a parte dos personagens, e tem a parte da minha vida. Eu também me faço de personagem. A ideia do “Fabulosas” foi trazer uma outra roupagem, que não era mais a do “Bichas”. Não era mais a lógica de um livro independente. Era um livro que a gente queria contar mais coisas sobre o Brasil, a gente queria contar mais coisas sobre essas pessoas, outras curiosidades- de cultura mesmo. Sou muito fruto da cultura pop. O livro é todo colorido, cheio de ilustração, referencias pop o tempo todo e alguns memes. É o que eu sou.

(Foto: Renato Parada)

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POPline – Qual foi o maior desafio nas pesquisas para o livro?

PATRICK CASSIMIRO – A gente não tem muitos documentos históricos. A gente tem Joao Silvério Trevisan e Luiz Mott, que foram pessoas que mergulharam bastante nos documentos que a gente tem, sobre Inquisição e coisas nesse sentido. Acabei bebendo muito na fonte deles, pegando muito do trabalho deles para trazer para minha linguagem mais pop. A dificuldade estava em achar outras fontes. Um ponto difícil também é que a gente não tem muita coisa sobre muitos dos personagens. Por exemplo, a Gisberta Sauce, a travesti que foi assassinada pelos adolescentes em Portugal. A gente tem alguns livros que falam sobre ela, algumas matérias e pesquisas sobre ela. É uma história horrível – acho que a mais pesada no livro – e é uma história difícil de você achar as coisas. Foi falado sobre, mas achar nesse nível de profundidade, que eu queria contar a vida da pessoa de uma forma um pouco mais literária, não era muito possível. Ficava mais difícil. Esse desafio acabou se tornando um dos trunfos, que é ser um dos autores a dar luz para essas pessoas que estão com pouca luz. Pessoas de quem a gente fala pouco.

POPline- Falando sobre os personagens, quais critérios você usou para essa seleção?

PATRICK CASSIMIRO – Confesso que o critério tinha um caráter pessoal. Queria que fizessem sentido para minha história. Eu conto da Banda Uó, que fazia sentido eu sendo goiano. Queria contar a história da minha perspectiva. A Lacraia, a Leona Vingativa, alguns personagens que acabam sendo mais populares. Queria que tivesse essa pegada. Mas foram vários fatores na verdade. Queria que tivesse representantes de todas as letras da sigla. A gente queria ter um pouco de cada letra, para aproveitar que ia falar de determinada pessoa e explicar algumas coisas específicas daquela luta em questão. A gente queria também que mesclasse personagens negros, indígenas, pessoas de diferentes vivencias mesmo.

Uma coisa que eu gosto bastante é que, a cada capítulo, vou dando dicas. Você gostou da história da Rogéria? Sabia que tem um documentário sobre ela? Sabia que tem uma biografia da vida dela? Indicando isso para a pessoa. O livro não se encerra de forma alguma nele mesmo. Queria que essa conversa continuasse. Que quem conhecesse fosse relacionando as próprias experiências com o que estava lendo ali, e buscasse novas fontes também.

POPline – Teve algum personagem que foi doído deixar de fora?

PATRICK CASSIMIRO – O critério que me deixou doído foi uma parte burocrática, para ser sincero. A gente esbarrou em algumas coisas. Alguns textos escritos não conseguiram entrar no livro. Isso me dói, mas a gente entrou em contato com todas as pessoas. Enquanto você estava lendo, deve ter lembrado de alguns nomes grandes e pensado “como Fulano de Tal não está aqui?”. A gente esbarrou em questões de contrato. A gente escreveu o livro, chegou a falar com a assessoria da pessoa, e falaram “olha, a pessoa vai lançar um livro daqui a pouco, então a gente prefere que não conte a história dela nesse momento…”. Ou contrato com emissora, que não deixa publicar. A gente esbarrou nisso, e foi o que mais me doeu de deixar de fora.

POPline – Qual história mais te surpreendeu, quando você começou a fazer o livro?

PATRICK CASSIMIRO – Vou ter que falar duas. A primeira pessoa é a Xica Manicongo, que eu conto no comecinho do livro. Ela é considerada a primeira travesti da história brasileira. A Xica fala muito sobre as vestes dela, sobre como a pessoa se vestia, se portava. E ela foi super criticada na Inquisição, tinha que pagar seus pecados, por se vestir de uma forma feminina sendo que o nome de batismo dela era masculino. É uma discussão que a gente tem até hoje de forma muito latente. A Xica, a gente está falando de 1500 e pouco. Obviamente, não tinha a discussão dessa forma, mas era um corpo que incomodava. Ela teve que batalhar muito para conseguir ser ela.

Outro, que é bem pouco óbvio, é o Edy Star. Fui procurar as músicas dele no Spotify e é muito legal. O Edy Star, olhando para a história dele, é muito a celebridade que estava do lado das celebridades muito famosas. Ele virou amigo do Caetano [Veloso], do Raul Seixas… Foi trabalhando com essas pessoas, mas não é um nome que a gente ouve muito. Quando você vai pesquisar a obra, ela conversa muito com a história do Raul Seixas e desses grandes nomes. Ele ajudou a escrever a música “Anunciação” do Gilberto Gil, que é uma música super famosa. Nunca ter ouvido falar sobre ele me surpreendeu muito. É incrível como ele se apresentava – as referencias ele de “Rocky Horror Picture Show”, a forma como se vestia. Foi um personagem que eu queria ter conhecido antes.

(Foto: Renato Parada)

POPline – Como você disse, o livro tem essa linguagem pop, e também muitas figuras pop ali, como Banda Uó, Liniker, Gloria, Pabllo, Johnny Hooker… Você acredita que fez uma atualização dos estudos e da bibliografia LGBTQIAP+? Alguns nomes ali, apesar de muito famosos, não apareciam em outros livros que traçavam esse tipo de revisão histórica.

Com certeza. O mais legal de lançar com a Paralela é que eles me deram muita liberdade. Eles falaram: “a gente quer que você conte do seu jeito”. Nao foi uma coisa encomendada. Foi uma conversa muito coletiva. Para mim, era muito importante que o livro trouxesse esses nomes da minha geração. Criança viada dos anos 1990. Queria trazer isso pelo meu olhar, pela minha vivência. É uma atualização mesmo. A gente tem YouTube, memes. A nossa comunidade conversa muito através disso.

 

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