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Fotografia 3×4: Conheça a trajetória e o legado musical de Belchior

Em entrevista para o POPline.Biz é Mundo da Música, a jornalista, pesquisadora musical e autora do livro ‘Viver é melhor que sonhar – Os últimos caminhos de Belchior’, junto a Marcelo Bortoloti, Chris Fuscaldo, destrincha a vida e obra do cantor

Belchior. Foto: Divulgação

Belchior completaria 76 anos nesta quarta-feira (26). O artista, que faleceu em 2017, deixou um vasto catálogo musical que ainda é reverberado na voz de intérpretes da atualidade. Para destrinchar a vida e obra do cantor, o POPline.Biz é Mundo da Música conversou com a jornalista, pesquisadora musical e autora do livroViver é melhor que sonhar – Os últimos caminhos de Belchior’, junto a Marcelo Bortoloti, Chris Fuscaldo.

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Segundo Chris Fuscaldo,  a obra musical de Belchior é atemporal e traz o retrato de um nordeste que o Brasil até aquele momento não conhecia. Para contextualizar, a pesquisadora musical lembra que, quando o cantor cearense e outros nomes da região nordeste do país chegam no eixo Rio-São Paulo, que eram as duas cidades de disseminação e divulgação da cultura brasileira na época, o público passa a conhecer um outro lado, para além do forró, com uma música influenciada por referências internacionais e escritores. 

“Até esse momento, o eixo Rio-São Paulo conhecia Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Marinês, Anastácia, aí chega Fagner, Belchior, Zé Ramalho, Alceu Valença e Geraldo Azevedo, e esses artistas passam a serem conhecidos pelo resto do Brasil como um nordeste culto e inteligente, influenciado por Bob Dylan e Beatles, que era a febre que o Brasil tinha vivido nos anos 60. Belchior contribuiu muito para isso, inclusive, trazendo em suas músicas muitas referências a escritores, como Edgar Allan Poe e João Cabral de Mello Neto para falar sobre os brasileiros, para a juventude daquela época e, também, para a de hoje.”

Chris Fuscaldo. (Foto: Rafael Catarcione)

De acordo com Chris, outro ponto importante da obra de Belchior é a forma que ele conseguiu se expressar nas canções durante a ditadura militar.

Belchior lançou ‘Alucinação’, em 1976, em um dos períodos mais pesados da ditadura militar. A música representa a resistência que aquela juventude tentava impor dentro do que era possível, porque a gente sabe de muitos artistas que foram presos, torturados por falarem coisas que o regime não queria ouvir e disseminar. No entanto, o cantor consegue falar de uma forma até que não tão metafórica, recurso muito usado por Chico Buarque, por exemplo, e tantos artistas.”

Fuscaldo ainda comenta que não acredita que suas composições são um prenúncio do que o cantor faria no futuro: o autoexílio. 

Belchior foi seminarista, ficou recluso em um seminário quando jovem, além disso teve vários episódios de autoexílio. Então, acho que existia um sentimento de isolamento que aparece nessas músicas”.

A pesquisadora musical conta que por ser um artista com uma obra atemporal, as canções de Belchior ainda conseguem ser atuais.

“A gente está vivendo um período em que há a dificuldade de expressar a arte e a cultura. Estamos sendo atacados por fake news, mentiras, ódio, armas… Eu tenho certeza de que as músicas de Belchior estão atuais ainda, porque se ele estivesse vivo certamente estaria absolutamente contra a esse governo e ao que estamos vivendo.”

Belchior. Foto: Divulgação

A autora do livro ‘Viver é melhor que sonhar: Os últimos caminhos de Belchior’ revela que o cantor se envolvia com a política e  tinha opiniões coerentes. 

“A gente sabe que já tivemos governos de direita coerência e ele deu esse apoio muitas vezes. A gente apurou e está no livro  ‘Viver é melhor que sonhar: Os últimos caminhos de Belchior’, que ele ficou revoltado com o impeachment de Dilma Rousseff, segundo fontes, a partir deste episódio o cantor entendeu que aquele era o início de um era muito difícil que a gente ia encarar. Infelizmente, ele foi embora antes da superação desse momento da história do Brasil.”

‘Como Nossos Pais’: O resgate de Belchior

Artistas como Los Hermanos, Emicida, Ana Cañas, Tim Bernardes, entre outros, fizeram versões de músicas de Belchior, assim, possibilitando com que outras gerações entrassem em contato com a sua obra. Chris Fuscaldo diz ser uma admiradora dos intérpretes que chegam no mercado respeitando aqueles que vieram antes e abriram caminhos para eles. 

“Tudo que a gente tem na música só está aí por causa de outros nomes e movimentos que aconteceram anteriormente. Então, se Ana Cañas grava um disco cantando Belchior, é porque de alguma forma ele permeou a formação musical dela. Eu lembro que quando Los Hermanos gravaram ‘A Palo Seco’, eu trabalhava em redação de jornal e tive a oportunidade de entrevistar tanto os integrantes da banda quanto o homenageado, além de poder assistir a um show que o grupo trouxe o cantor no palco. Naquela época, Belchior já andava sumido da mídia, das rádios e, principalmente, dos palcos cariocas. Com a apresentação, os fãs dos Los Hermanos tiveram a oportunidade de conhecer o cantor”, conta Chris.

A pesquisadora musical ainda lembra que descobriu Belchior na adolescência ouvindo Elis Regina, uma vez que à época, o cantor não estava tão em voga.

“Mesmo sendo uma pesquisadora musical, de 42 anos, tive pouquíssimo contato com a obra de Belchior quando ela estava em destaque, que foi bem no início dos anos 80, porque eu era bem criança. Acabei dependendo das minhas pesquisas, remexer baús de memórias, histórias e com essa ajuda que novos artistas continuaram dando. Vamos falar da importância que Emicida deu ao cantor em outras comunidades de ouvintes, outro público completamente diferente do que o público do Los Hermanos e da Ana Cañas, claro, alguns em comum, há intersecções, mas não todos. Então, eu acho importantíssimo esse resgate. Todo meu respeito a artistas que sabem de onde vieram e pra onde acabam tendo que ir.”