20 anos se passaram desde que o Brasil ouviu pela primeira vez que “O Amor Não Deixa”. Wanessa Camargo não se arrepende de nada quando olha para trás, com todos os altos e baixos naturais de uma adolescente que se tornou adulta aos olhos do público. Em vez disso, ela quer celebrar todos seu “universos” no 20º aniversário de carreira.
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A comemoração inclui o projeto “Uni/verso”, dividido em 20 fragmentos, dos quais o primeiro foi divulgado neste mês. “Estou tão empolgada e tão feliz de poder trazer essas coisas novas. Estou comemorando toda a versatilidade que sinto que tenho, toda a liberdade de fazer o que sinto no momento”, diz ao POPline, em entrevista por telefone, direto de sua casa, onde ela vive o período de isolamento social com os filhos e o marido.
A discografia de Wanessa Camargo inclui oito álbuns de estúdio e dois ao vivo, passeando por diferentes estilos musicais. Ela sabe que muita gente torce o nariz por essa transição entre gêneros, mas é justamente essa sua característica que ela pretende celebrar em 2020. As músicas dançantes, que os fãs pedem, estarão de volta. Mas Wanessa está compondo muito ultimamente, e o público pode esperar também por seu trabalho mais autoral até hoje.
POPLINE – Você tem composto muito de uns anos para cá. A compositora mudou a cantora?
WANESSA – Descobri uma nova cantora compondo. Vou te dizer o porquê. Quando estou compondo, não fico colocando limites: ‘ai, essa música aqui…’. Compor às vezes nem é para você cantar. Quando estou compondo, descubro novas formas de colocar minha voz e de cantar. Às vezes componho e penso ‘essa música ficaria linda na voz da Pitty, essa aqui ficaria ótima na voz do Luan Santana…’. Estou jogando aqui pro alto, tá? “Já pensou o Melim cantando essa música?”. E às vezes eu penso “já pensou eu?” (risos). Mas é muito interessante compor. É uma das coisas que mais gosto de fazer.
Você já enviou composições suas para alguém?
Falta um pouco desse desprendimento para mostrar as músicas para as colegas. Eu tenho medo das pessoas ficarem sem graça. Vou chegar nessa fase ainda. Calma. É um aprendizado. Vou chegar nesse momento de ter coragem de mandar as músicas para outras pessoas.
Um crítico Mauro Ferreira, do G1, apontou a “ausência de identidade musical” no seu trabalho, ao noticiar o lançamento do “Fragmentos I”. Como você recebe isso?
Eu super respeito a opinião daquela pessoa que escreveu aquilo. É um fragmento, é alguém que pensa daquele jeito. Não é a minha verdade, não é a realidade. É a realidade para aquela pessoa que escreveu. Eu respeito. Se ele pensa assim, se faz verdade para ele. Para mim, não se faz. O mais importante na minha vida é a minha verdade, aquilo que vejo e que eu sinto. É a única que tenho comigo. Dentro de mim, tenho muita coisa para oferecer. Muita verdade.
“Que identidade é essa que as pessoas querem te colocar numa caixinha, numa prateleira? Cada um faz o que quer. Eu não me coloco em prateleira, eu não me coloco em uma categoria de produto. Não me vejo como um produto para ser colocado no mercado. Acho que a gente é muito mais do que isso”.
Você já fez de um tudo, né?
(interrompe) Nãããão! Eu não fiz de um tudo. Falta muito para eu fazer de um tudo. É muito mais discurso que as pessoas compraram e leram do que a realidade. Eu não tenho feito tudo. Eu queria fazer tudo, mas não consegui (risos). De fato, não consegui. Se for falar de estilo musical, eu passei basicamente por três: o romântico, o pop e o sertanejo. Dentro do sertanejo, a gente pode dizer mais dois: o country e o sertanejo romântico. Dentro do pop, tem o latino, que é o reggaeton, e o pop eletrônico. E o romântico é mais questão de letra, que tem outro forte, que são as baladas. São essas três vertentes que eu trabalhei mais na minha vida. Nunca fiz outros estilos fora disso, mesmo estilos que eu gosto e que tenho prazer. A porta não está fechada, não.
Se você mesma fosse definir os artistas relacionados a você em uma plataforma de streaming, quais colocaria relacionados aos “Fragmentos”?
Nossa, muita gente! Eu colocaria o trabalho da Kacey Musgraves, que foi uma referência muito grande dentro do “Nem Ela, Nem Eu”. (pensa) A Jewel, porque “Incapaz” tem uma pegada folk. Vou colocar internacionais e brasileiros, tá? Colocaria (pensa)… Deixa eu pensar. No Brasil, as pessoas que acho que tem a ver são… Talvez “Inquebrável” possa ter conexão com o Melim. É difícil eu te dizer isso.
Percebi que você está com dificuldade.
É difícil, porque não conheço o mundo de artistas que existem. Posso estar sendo muito limitadora.
Vamos pensar diferente, então. Vamos adicionar o primeiro single do “Fragmentos” em uma playlist. Qual seria?
Músicas para curar!
Planos para o DVD dos 20 anos
Haverá participações nos “Fragmentos”?
Ahhh, não sei! (risinho) Está muito em aberto. Muita coisa será resolvida durante esse tempo da comemoração em si. Obviamente a gente tinha o plano de fazer o DVD, que teria sim as participações, então dependendo de como for o andar da carruagem, de quarentena, de volta de show, tudo vai ser repensado. A gente faz a caminhada fazendo a caminhada, tá? O que posso dizer é isso: serão vários fragmentos e vai ser muito divertido acompanhar isso. É uma celebração de todos os universos dentro da minha carreira musical. Vai ter tudo que posso entregar hoje, sem limites.
Pensando no cenário mais otimista possível, então esse show vira um DVD?
Sim, sim, sim! Esse é o grande final disso tudo: vai virar um DVD. A gente só vai esperar quando isso poderá ser feito, de forma responsável e segura para todo mundo. Se não puder fazer com público, a gente vai reinventar essa roda de novo.
Vontade de fazer shows em teatros
Hoje em dia, como seria o show ideal para você? Casa noturna, teatro, casa de espetáculos, arena, estádio, festa de peão?
Eu adoro teatro. Eu amo teatro. Primeiro, pela qualidade acústica que tem o teatro. Você não sabe o que é fazer um show e não se ouvir. Às vezes você está com um baita de um show, com produção gigante, e está uma porcaria o som. Você fica tensa com aquele show lindo, maravilhoso, sem se ouvir direito. No teatro, tem um controle maior disso. O próprio teatro já te dá essa acústica natural. Segundo, eu comecei no teatro, com 12 anos, então me sinto muito em casa. E ali eu consigo olhar nos olhos das pessoas. Eu acho isso muito mágico: olhar no olhinho de cada um.
“Tenho muito prazer no teatro, o que não quer dizer que não tenho nos outros”.
Cada lugar tem seu ponto negativo e seu ponto positivo. O ponto negativo do teatro é a limitação de público. Você tem que fazer muitos shows para alcançar mais gente. Em termos de renda, é menor. É diferente. E tem o lado incrível de ter uma multidão na sua frente, quando você está em uma arena. No caso da “live”, você tem esse lado negativo, de não ter público ali, mas tem o lado positivíssimo de fazer um show para um Maracanã: gente do mundo inteiro, que não poderia estar no seu show ao vivo. Você é vista por muita gente ao mesmo tempo. Tudo tem seu lado positivo. Mas eu sou muito de teatrinho. Adooooro! Fazer uma cena, contar uma história, o teatro te dá essa possibilidade.
Não pretende voltar para balada então?
Posso fazer. Só não é uma regra, uma limitação. Posso fazer, só não quer dizer que vou fazer só isso ou fazer isso o tempo inteiro. Tem projetos que a gente pode reinventar e fazer de novo. Ia amar fazer uma Flex, uma The Week. Morro de saudade. Nossa! Morro de saudade, mas não quero fazer disso uma coisa única. Posso andar por todos esses palcos. Consigo me ver em todos esses palcos, e está tudo certo.
Wanessa Camargo sente falta da TV
Você sente saudade de alguma fase particular de sua carreira?
(pensa) Sabe do que eu tenho saudade? De apresentar televisão. “Jovens Tardes” foi uma experiência muito legal. Era um trabalho mas a gente se divertia tanto! Eu adora apresentar – naquele formato. Parecia que era feito para mim: eu cantava, eu dançava, eu entrevistava… E era feito por amigos. Não estava sozinha, como uma carreira solo. Eu não sentia tanto peso, porque dividia com os meninos. Fiz amigos para uma vida inteira. A Luiza Possi virou uma amiga da vida, por conta dos “Jovens Tardes”. Trabalhar com a Marlene Matos [diretora], que é um ícone, foi tudo tão mágico.
Você faria de novo um programa?
Cara, faria na hora! Claro que teria que ser um formato bem ligado com a música. Mas não precisa ser igual. Eu achava tão legal. Eu entrevistei tanta gente que sou fã, que veio antes, que trilhou caminho pra gente andar – a Celly Campello, a Martinha… Minha entrevista com a Celly Campello foi uma das últimas dela, porque logo depois ela faleceu. Sabe quando você tem um orgulho danado de ter conhecido aquela pessoa? A história dela é muito louca. Ela fez muito sucesso, mas não quis mais ter carreira artística. No auge do sucesso, ela largou a carreira para ser dona de casa. Eu aprendi tanto com aquela entrevista. Ela fica ressoando em mim até hoje. A felicidade não está no sucesso, não está no externo, sabe? Ela me ensinou muito. “Jovens Tardes” é uma experiência que, se eu pudesse trazer de volta… Foi muito legal!
Arrepende-se de alguma coisa?
Não. Não quer dizer que eu não olhe e pense “poderia ter feito diferente”. Podia, mas não fiz. Vou ficar me remoendo no passado? Eu hein! Quem fica no passado não fica no agora. Se tem uma coisa que estou trabalhando na minha existência é viver no agora, porque não existe outra coisa. Tudo é ilusão. A gente tem como aprendizado. Mas ficar lá, na nostalgia, parece que o presente nunca satisfaz, a gente fica presa… Arrependimentos não podem existir. Ensinamentos sim. Aprendizados para você agir no hoje. Não tem como ser diferente, senão você fica no sofrimento.
Avaliação da cena pop atual
Você começou a carreira adolescente e a música pop brasileira evoluiu e mudou muito nesses 20 anos. Qual é sua avaliação sobre a música pop brasileira atualmente?
Maravilhoso! Cheio de gente talentosa, cheio de gente linda. Mulheres mais em evidência. Muita coisa legal. Eu sou encantada pela cena drag, que veio para ficar e já se provou, graças a Deus. Não foi uma modinha. Há espaço, houve identificação e conexão com o trabalho da Pabllo, da Gloria, da Aretuza, da Lia… A tendência é só crescer. Tem as meninas do funk pop. Tem a IZA, que é minha paixão. Incrível. Tem outro lado pop com Melim, Anavitória, Tiago Iorc, até o trabalho solo da Sandy. Tem gente nova – Johnny Hooker, Duda Beat… Tanta coisa pra gente curtir, pra gente abraçar! É tão legal. Tem a velha guarda aqui… (risos) Temos ainda nossos ídolos nacionais e internacionais, que continuam em cena e se reinventando.
A indústria mudou muito desde que você começou. Hoje em dia é mais fácil ou mais difícil emplacar um sucesso?
Eu acho que é mais… (se interrompe). Será? Deixa eu pensar. Nunca pensei se é mais fácil ou mais difícil. Eu acho que, para um artista sair do zero, é mais fácil. Você hoje não está mais limitado ao domínio de três frentes para te aprovarem, que são imprensa, TV e rádio. Você tem o viral a seu favor. Antes você não tinha. A Internet pode transformar alguém do nada, por exemplo “Caneta Azul”. Se não me engano, a Pabllo se beneficiou muito da Internet, né?
“Para um artista novo surgir, a coisa hoje está mais democrática. Não vou dizer fácil”.
Ao mesmo tempo, para você se manter no mainstream, é mais difícil. Por que? Porque tem um dinheiro grande rolando no mainstream para tocar na rádio, para impulsionar postagens… Tem um dinheiro muito grande rolando no mercado. Você tem que contar muito com a divulgação orgânica e, neste ponto, se tornou mais difícil se colocar de igual para igual. Talvez seja mais difícil tocar na rádio hoje. Mas nada que um bom conteúdo não quebre a regra. Quando uma música é para acontecer e toca as pessoas, tudo que estou falando para você cai por água abaixo. São os fenômenos que acontecem com alguns artistas. É na boca do povo. Vou te dizer que tudo mudou e nada mudou, entendeu? (risos) Só mudou a forma, mas a roda continua sendo igual de alguma maneira.