DAY acaba de lançar seu primeiro álbum, “Bem-Vindo ao Clube”, junto do clipe “Clube dos Sonhadores Frustrados”. Apesar do título, ela está feliz. O álbum em si – vendido como “pop emo”, incluindo uma participação especial de Lucas Silveira (da Fresno) como um carimbo do segmento – é uma realização para a cantora de 26 anos. É cheia de sorrisos – às vezes debochados, às vezes tímidos, às vezes culposos – que ela para por 20 minutos para conversar com o POPline por videochamada.
Ela começa a entrevista de gorro preto, camisa da mesma cor estampada com um emoji (também de gorro) mandando um dedo do meio, e um casaco cáqui. Ao relembrar seu crush por Kristen Stewart na adolescência, tira o casaco e deixa várias tatuagens à mostra. Já na reta final da entrevista, mais confortável, ela coloca os pés na cadeira e revela também uma calça xadrez vinho. DAY é mesmo o que canta em sua música.
Nem sempre foi assim. DAY teve uma adolescência comum a várias pessoas LGBTQIA+: lutando contra quem era. “O único lugar que eu tinha para sonhar era dentro do meu quarto”, lembra a cantora, enquanto seu gato brinca na escada. Criada dentro da Igreja Evangélica, em Goiânia, ela sentia culpa por ser lésbica.
“Minha mãe já sabia, e eu falava ‘vou vencer isso'”, conta a artista, “era também aquela pessoa que ficava pregando para as pessoas na sala de aula [riso tímido]. Eu não falaria ‘pô, escuta minha música’. Eu chamaria a pessoa para ir para o encontro da Igreja. Eu era essa pessoa”. Não à toa, seu clipe novo é ambientado em um colégio. Todas essas experiências estão retratadas no disco.
Veja o clipe:
“Minha época de escola foi meio conturbada. O lugar que eu tinha para sonhar era meio dentro do meu quarto. Desde sempre, tive que criar fake no Orkut. Só lá eu podia gostar de menina. Eu criava fake com a foto do Edward [personagem de Robert Pattinson em ‘Crepúsculo’] e falava que era um cara… [pausa para risos] para poder ficar com as meninas. Não façam isso, inclusive. Imagina a pessoa descobrir que eu não era um cara. Mas eu só podia ser eu mesma no meu quarto. Na escola, era a crente fervorosa que cantava, mas vivia no seu mundinho gospel”, confidencia.
Hoje seu mundo é maior. São milhares de seguidores nas redes sociais, músicas escritas para Anitta e Luísa Sonza, e milhões de streams acumulados nas plataformas digitais. “Eu brinco com a Luísa: ‘você vai me dar meu apartamento, aparentemente, com ‘penhasco’ no Top 200 global“, ri. Leia abaixo os melhores momentos da entrevista!
Frustrações na carreira
“Eu me lembro de ser muito nova e achar que, com 25 anos, estaria ganhando Grammys e teria meu nome na Calçada da Fama (risos). Era bem isso assim. Me foi colocada bastante expectativa, e eu sempre tive muita fé. Durante toda minha vida, me foi ensinado a ter fé. Eu me achava bem otimista. No meu quarto, fazia altas performances, e acho que todo mundo vai se identificar com isso, quem tem um sonho. Aí o tempo foi passando, me mudei para São Paulo, vi que as coisas não são tão fáceis, que existe um caminho para chegar até lá…”, desabafa.
“Eu achava que ia lançar um single e ser o hit do verão. Foi uma das minhas frustrações. Uma outra, que inclusive motivou bastante o disco, foi que assim que decidi colocar as influências de pop punk e pop rock, vi meus números descerem drasticamente. Estava lançando o que, na minha cabeça, era o melhor (‘A CULPA É DO MEU SIGNO’) – só não ganha do disco – então fiquei sem entender nada. Especialmente depois de ‘Geminiana’, pensei ‘foi super bem, então…’ Sempre aquela coisa de botar a expectativa lá em cima e esquecer de colocar os pés no chão, esquecer que tem um percurso e que a vida se trata dessas quedas, dessas quebras de expectativa, para adquirir bagagem e maturidade. Para você saber lidar com seus sonhos quando realizá-los. Então, o processo do disco foi todo meio que por cima disso, sabe?”, completa.
Catfish para poder gostar de meninas em segurança
“Quando eu estava ficando mais adolescente e entendendo quem eu era, sempre senti um negocinho estranho pela Kristen Stewart. Quando ela lançou ‘The Runaways’, com a Dakota Fanning, foi o fim da picada pra mim. Ali eu já sabia e lutava contra isso. Minha mãe já sabia, e eu falava ‘vou vencer isso’. Não foi uma cantora, mas eu identificava e me sentia confortável com o estilo da Kristen Stewart. Nem ela era assumida, se não me engano”, diz.
“Mas, quando fui tendo mais conhecimento das coisas e criei uma fan account para Fifth Harmony em 2012 ou 2013, e comecei a adentrar esse mundo do Twitter, aquele ambiente me parecia seguro. Eu, naquela época, falava que era hetero, mas comecei a ver que menina falando que gostava de menina era a coisa mais natural do mundo, e pensei ‘nossa, aqui é seguro ser assim’. Foi no ambiente fandom de Fifth Harmony que me senti confortável para falar de minha sexualidade. Quando Lauren Jauregui se assumiu bissexual, foi bem perto da época que também me assumi lésbica. Acho que ela me deu uma grande ajuda também”, analisa.
Morte do pai para Covid-19
“O disco já estava pronto, mas definitivamente o significado de tudo muda. Por exemplo, ‘A Maldição da Expectativa”, que é uma música que vislumbra por um breve momento uma esperança, ela ainda é pessimista. É meio ‘a vida é isso’. Em vez de achar isso ruim e pensar ‘poderia ter sido assim ou, meu Deus, preciso fazer isso senão aquilo não vai acontecer’, eu aprendi a viver um pouco mais o momento”, aponta.
“A morte do meu pai foi muito simbólica e importante para eu ressignificar as minhas faltas. Uma coisa que acho que nunca falei para ninguém: o horário da morte do meu pai foi 23h59. Meia-noite, ele já tinha morrido ‘ontem’. Meu pai sempre foi de viver muito o presente, a gente nem entendia. Ele vivia, ele não poupava esforços para viver a vida dele e ai de quem falasse alguma coisa. Ele ter morrido 23h59 teve um significado muito grande para mim. Carpe diem mesmo. A vida é só uma mesmo. Um minuto atrás era ontem. Meu pai, na sua morte, me ensinando como viver”, explica.
“A Maldição da Expectativa”
“A última música, ‘A Maldição da Expectativa’, é a música mais honesta. Realmente é timtim por timtim o que eu estava sentindo. Não poupei nenhuma palavra. Não tem exagerada nenhuma. É aquilo mesmo. É a música mais crua do disco, foi um momento muito triste. Eu comecei a fazer o disco no maior gás, pá pá pá, e no processo, vendo algumas coisas, me frustrando com algumas outras, pandemia, sem show, só eu e eu mesma, foi bem conflituoso e difícil”, diz.
“Foi um momento muito dark o processo desse disco, por isso que eu falo que estou aliviada. Eu nem sabia que ia sair viva. Mas saí, tô aqui e vou lançar. Tô muito feliz com o resultado. Não tem nada nessas músicas – nenhuma frase, nenhum timbre, nada – que eu mudaria. Tenho muito orgulho”, afirma.
Feat. Lucas Silveira
“Fingi costume na hora, mas ver ele cantando no estúdio, aquela coisa emo, eu fiquei tipo 1gente! Tenho o Lucas Silveira no meu disco!. É muito significativo. Confesso que não era para ser o únio feat. Aconteceram imprevistos. ‘Não Gosto De Mim’ era pra ter sido com o Pedro Calais (da Lagum). Ele participou da composição da música, mas aconteceu a tragédia que aconteceu [morte do baterista Tio Wilson]. Foi bem naquela época e a gente não conseguiu consumar o feat. Mas acredito que tudo acontece como tem que acontecer”, comenta.
O álbum não acaba no álbum
[Ela faz uma expressão levada] “Olha… Ainda vou manter isso meio que em off. O álbum é uma história, né? [misteriosa] Tem um início, tem um meio e um fim. E… é isso (risos)”, conclui.