O anúncio do cancelamento das turnês comemorativas de Ivete Sangalo e Ludmilla, realizado ontem (15), tem gerado uma série de especulações do mercado do entretenimento acerca de uma possível crise que o setor de eventos enfrenta.
No entanto, olhares mais atentos em relação aos rumos da indústria, principalmente após o período da pandemia da Covid-19, não encaram essa realidade como uma grande surpresa.
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Enquanto o entretenimento vivia um cenário difícil com a pandemia, o período pós-pandêmico foi muito aguardado pelo setor que esperava o “boom” do mercado. Em uma análise rápida, a demanda reprimida do público pela ausência de shows, traria um aumento no consumo desses ingressos. E, de fato, esse fenômeno ocorreu.
Tal característica pode ser visualizada através de um “gráfico de onda”. Com um pico característico, mas, na sequência, uma queda vertiginosa. Alguns pontos são importantes para a construção desse cenário:
- Quando o mercado foi surpreendido pela pandemia, uma série de shows já estavam agendados;
- Esses shows foram cancelados ou remanejados;
- Algumas agendas, como uma forma de uma nova logística estabelecida, foram aglutinadas em Festivais;
- Esses Festivais, uniam: públicos e artistas diversos, atrelados com uma experiência presencial e um valor “médio” de ticket.
Mas, segundo uma pesquisa de 2015 do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), as despesas com lazer são as que mais afetam a renda dos consumidores. Em média, os brasileiros gastam R$ 389 por mês com entretenimento tipo: cinema, shows, e idas ao barzinho. O maior gasto nesse quesito é com viagens curtas de fim de semana.
Esse estudo também investiga a motivação da compra. Para os entrevistados, a despesa com lazer é a que mais traz realização, felicidade e segurança. Ou seja, está ligada a sentimentos positivos, o que nem sempre é verdade para gastos com roupas, por exemplo, que aparecem com frequência vinculados à culpa.
O Brasil é um país bastante desigual, e é importante ter uma visão do recorte de renda quando se fala nessas despesas. A mesma pesquisa do SPC revela que os gastos com lazer consomem, em média, 43% da renda das classes A e B. Já nas classes C, D e E, não passa dos 30%, já que os custos com alimentação e outras despesas essenciais acabam pesando bem mais na renda dessas camadas sociais.
Mas, como isso impacta nas turnês e shows em geral?
Logo após o período da pandemia, o que era visto como uma solução pontual, foi tratado como modelo de negócio. A plataforma Mapa dos Festivais, que mapeia shows pelo Brasil, divulgou pesquisa sobre os festivais recebidos pelo país ao longo de 2023. O estudo revela que “71 festivais tiveram sua primeira edição no ano passado, sendo que 16 deles já estão com edição confirmada para 2024″.
Para a pesquisa, foram mapeados 298 eventos de todas as regiões do país, de diferentes gêneros e portes, durante o período compreendido entre janeiro e dezembro de 2023.
Diante do resultado dessa pesquisa, o mercado do entretenimento passou a encarar uma nova realidade:
- Grande número de Festivais e Shows, logo, aumento considerável na concorrência;
- Aumento no valor dos cachês dos artistas, da estrutura e logística dos shows em si, como uma característica pós-pandêmica em escala global;
- Diante da grande oferta de eventos, as marcas patrocinadoras pulverizaram seus investimentos, com isso, iniciativas mainstream e independentes passaram a concorrer de forma direta pelos recursos;
- Se houve um aumento nos preços de uma forma geral na sociedade, esse fato também atinge o consumidor, que diante da grande oferta, passa a fazer escolhas mais pontuais;
- Após a pandemia, o perfil de consumo mudou. Se o entretenimento está disponível de forma digital, quais elementos fazem com que um fã compre um ingresso e invista nessa experiência ao vivo?
Especulações do mercado e a 30e
Com investimento de aproximadamente R$400 milhões, a 30e, empresa que seria responsável pelas turnês comemorativas de Ivete Sangalo e Ludmilla, chegou ao mercado de shows em novembro de 2021.
De olho em um mercado ascendente no período da retomada dos eventos, a empresa de Pepeu Correa, se associou à Bonus Track Entretenimento, de Luiz Oscar Niemeyer. Para o início das operações, a empresa contou com um aporte milionário de grandes investidores, entre eles o Fundo Flowinvest.
Na ocasião, a empresa afirmou que a sua chegada no mercado tinha o objetivo de focar “nova geração de entretenimento ao vivo” e prometeu “operar com grandes heads e contratos de partnership exclusivos com as principais companhias do mercado de entretenimento mundial”.
Ainda em 2021, Luis Henrique Wolf Fundador do Fundo Flowinvest, disse: “Este é o momento propício para este tipo de operação, pois estamos saindo de uma demanda reprimida pela pandemia. Vamos viver quatro anos em dois e precisamos fortalecer o entretenimento, levar novas experiências para shows e festivais ao vivo. Estamos investindo nas pessoas certas e numa estrutura forte para inovar nesse mercado.”
A operação da 30e atua em duas principais frentes: grandes Turnês e Festivais nacionais e internacionais. De acordo com a companhia, essa curadoria é baseada na demanda cultural da população e ancorada num data “Driven Happy”, banco de dados com cruzamento de informações de compra de ingresso ao consumo.
30e: polêmica sobre turnês e eventos
Com a repercussão dos cancelamentos das turnês de Ivete Sangalo e Ludmilla, o mercado passou a especular quais os elementos poderiam estar atrelados ao cancelamento, entre eles:
- Possível crise com a 30e;
- Possível crise com produtoras de eventos, de uma forma geral, inclusive sobre multas trabalhistas em curso na justiça;
- Há, realmente, pouca demanda na venda de ingressos, diante da grande oferta que o mercado de entretenimento proporciona atualmente?
- Será que a estrutura dos eventos, como as esperadas em grandes turnês, são muito onerosas e fazem esse modelo ser insustentável, em alguns casos?
- Qual o cenário atual e os números reais do mercado do entretenimento brasileiro em 2024?
Por outro lado, a 30e possui em seu histórico turnês bem sucedidas e com ingressos esgotados, a exemplo de Titãs e Jão. No entanto, a dinâmica desses fenômenos necessita de uma análise apurada e em recorte. Tais exemplos, deixam claro, que o equilíbrio entre expectativa e realidade deve ser baseado de uma forma ainda mais criteriosa, logo, não é possível fazer desses casos uma regra.
Em fevereiro, por exemplo, a empresária Nicole Balestro ressaltou a sua preocupação, como contratante, diante dos valores altos para os cachês artísticos. O empresário Anderson Foca, também trouxe a sua visão sobre a relação entre artistas, cachês, contratantes e venda de ingressos em prol de alternativas para além do eixo do Sudeste.
Com isso, as discussões sobre o futuro do mercado de eventos no Brasil, permanecerão como um dos principais temas em 2024. Em um período de transição e de entendimento real sobre o consumo da música ao vivo, o ecossistema já está vivenciando – mesmo que de forma difícil – quais elementos, dos bastidores aos palcos, deverão ser reavaliados para a sustentabilidade da indústria.