Eram 2h30 da madrugada e Emicida, no palco há mais de três horas, não dava indícios de que pretendia finalizar o segundo show esgotado da Turnê AmarElo no Espaço Unimed, em São Paulo, nesta sexta-feira (10). O rapper manteve, durante toda a apresentação, a energia dos anos do Triunfo, mas agora revestida pela ternura de um pai de família. “As 7h da manhã a criança vai acordar e pedir pra eu fazer o café“, disse ele ao negar o pedido do público para que a setlist durasse até o horário de abertura do metrô (4h40 da manhã).
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O show durou mais meia-hora e os fãs que permaneceram até o final seguiram em direção à rua Tagipuru, na Barra Funda, com a sensação de que estavam mais íntimos de um ídolo do rap. Se antes essas pessoas haviam se conectado com a música de Leandro Roque de Oliveira por meio dos discos e de shows limitantes de festivais, agora, elas também estavam conectadas com a energia dele, como se estivessem na sala de casa. Essa intimidade parecia ser o objetivo daquele encontro. Emicida entrou no Espaço Unimed por onde todos os pagantes entraram. Ele surgiu aos fundos do salão e caminhou pelo público cantando “É Tudo Pra Ontem” até chegar ao palco.
Desse momento em diante, o paulistano mostrou que não é apenas um rapper ou artista de aprimorada musicalidade. Sua habilidade de promover momentos catárticos, semirreligiosos, quase transcende o seu imbatível talento nas rimas. A reação do público era acompanhá-lo em faixas sinestésicas, como “A Ordem Natural Das Coisas” e “Quem Tem Um Amigo Tem Tudo” – dedicada à jornalista Glória Maria, que faleceu no dia 2 de fevereiro.
Logo no início do repertório, o veterano Rappin Hood foi chamado ao palco para cantar “Suburbano“. Ele seria o primeiro de vários convidados do anfitrião daquela noite. Com o seu time de parceiros à disposição, Emicida não apenas revisitou a sua história com sabedoria, mas também aproveitou a chegada de uma geração do Hip-Hop à uma das casas mais importantes da cidade, diante de mais de 8 mil pessoas, para celebrar a cultura.
Com a profundidade e a tristeza do samba, em “Chapa“, as vidas perdidas para a pandemia de Covid-19 foram lembradas pelo rapper. Da mesma forma, ele enviou suas condolências ao Povo Yanomami e lembrou o recente massacre durante “Paisagem“. Como um bom showman, Emicida não permitia que ninguém fosse para longe dele. Todos foram acolhidos naquele espaço de intimidade musical. O dono da noite cantou “Pequenas Alegrias da Vida Adulta” fazendo das palmas do público um instrumento. “É o amor que transforma uma casa em um lar e eu estou me sentindo muito em um lar aqui“, reforçou Leandro.
As lovesongs “Baiana“, “Madagascar“, “9nha” e “Eu Gosto Dela” ganharam espaço no repertório com a participação de Drik Barbosa nas duas últimas. O público cantou a plenos pulmões os versos cortantes dos hits “Hoje Cedo” e “AmarElo“, colocados estrategicamente em sequência na setlist. “Hoje Cedo não era um hit, é um pedido de socorro“.
As músicas mais conhecidas do rapper paulistano costuraram o repertório do espetáculo apresentado em São Paulo, dando espaço às faixas “labo B” (mas não menos populares entre os fãs presentes). Com uma banda perspicaz e estrelada, Emicida investiu em arranjos poderosos, guiados por metais e percussões impressionantes.
As participações especiais deram sentido à narrativa de uma apresentação tão longa e ajudaram no aspecto retrospectivo do show – nenhum álbum do rapper de fora do repertório, apesar do destaque dado ao “AmarElo“. Além de Rappin Hood, Leandro recebeu outros “professores“, como Kamau e o grupo Doctors MCs, para momentos nostálgicos de celebração do rap nacional.
A antológica “Mandume“, gravada com Drik, Amiri, Rico Dalasam, Muzzike e Raphão Alaafin, ganhou uma nova performance com o time completo no palco. Karol Conká foi ovacionada pelo público, com gritos de “mamacita”, depois de cantar “Todos os Olhos em Nóiz” com Emicida.
Mamacita está na casa! @emicida e @Karolconka em uma performance de “Todos os Olhos em Noiz” no Espaço Unimed, em São Paulo. Aclamada, sim pic.twitter.com/YIlyhxxHtO
— POPline (@POPline) February 11, 2023
Entre vários momentos apoteóticos, um deles emocionou quem acompanha a carreira e o movimento promovido por Emicida no rap. O encontro dele com os outros dois tenores, Rashid e Projota, deve fincar um espaço na memória de quem presenciou – uma demonstração de que o idealizador da Laboratório Fantasma segue alinhado com as ideias, fundamentos e parcerias que o levaram até um público daquele tamanho e fidelidade.
A empolgação não se esvaiu mesmo após 3 horas e meia de show. Pelo contrário. No último bloco de músicas do repertório, o rapper estava determinado a aumentar a frequência cardíaca de seus fãs, os colocando para dançar e pular ao som de canções mais agitadas, como “Gueto“, “A Chapa é Quente”, “Libre” e “Casa” – que ganhou versos de “Another Brick in The Wall“, do Pink Floyd, interpretados com diversão por Emicida, que fazia sinais de rock ‘n’ roll durante a performance. Não se iluda! Em quinze anos de sucesso, ele não deixou de ser rap nem por um instante e é essa a graça promovida pela intimidade.