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Sem Carnaval, Salvador perde mais de R$ 1,8 bilhão de receita e empresários do business carnavalesco revelam os impactos

Prefeitura revela que não há nenhuma ação prevista para minimizar os danos econômicos pela falta da festa

Foto: Valter Pontes/Secom

Em condições normais, o Carnaval de Salvador estaria começando nesta quinta-feira (11). Os trios já estariam estacionados em fila nos Circuitos Dodô e Osmar, as ruas cheias de ambulantes e os camarotes com megas estruturas prontas para receber milhares de pessoas. Os foliões já estariam escolhendo suas roupas e aquecendo as turbinas para aguentar os próximos dias de pura diversão. A capital baiana respira Carnaval e muitas empresas vivem para esperar a próxima Folia de Momo chegar, tal qual os turistas do mundo inteiro.

Com mais de 20 anos de existência, um bom exemplo de empresas que vivem (e vivem bem!) da sazonalidade festiva é a Central do Carnaval. A empresa reúne a venda de 10 camarotes e 21 blocos de Salvador, e, só em 2020, vendeu mais de 120 mil abadás. O POPline.Biz é Mundo da Música bateu um papo com Joaquim Nery, sócio-diretor da Central do Carnaval, e uma das figuras mais conhecidas do business carnavalesco de Salvador.

Nery revelou que o impacto da falta do Carnaval 2021 está sendo gigantesco para empresa. “Trabalhamos fundamentalmente com evento de periodicidade anual e passamos o ciclo com receita zero. Então, isso significa um impacto financeiro muito grande”, revela o empresário.

“O impacto é ainda maior para Salvador, que é uma cidade que não tem muitas alternativas econômicas a não ser o serviço – já que não tem alternativa de agropecuária e a industrial ainda é muito pequena. Fundamentalmente a cidade vive de serviço, e entretenimento é o serviço mais importante da cidade. É uma catástrofe para economia de Salvador”, desabafa.

Foto: Joaquim Nery | Marcelo Brito | Sandro Ferreira/Reprodução

Segundo Nery, a empresa precisou se readequar a essa nova situação, motivada pela pandemia do coronavírus, enxugando o quadro de colaboradores. Além disso, desde novembro, quando tiveram a certeza de que não haveria o Carnaval de 2021, o empresário tomou uma atitude pensando no futuro do negócio. “Resolvemos antecipar as vendas do Carnaval 2022. Essa foi a estratégia que encontramos para manter um fluxo contínuo e esperar chegar o próximo verão”, revelou.

Outro segmento que também é completamente dependente do Carnaval são os camarotes. As empresas que promovem verdadeiras “festas dentro da festa” ficaram sem renda com o cancelamento do Carnaval 2021. Segundo Sandro Ferreira, sócio do Camarote do Nana – um dos mais badalados e concorridos da folia – o impacto é grande pela falta do faturamento e por ter que arcar com as despesas anuais.

“Todo setor de eventos está passando por um momento extremamente delicado. Somos a única indústria que não conseguiu voltar ainda e está há 1 ano sem trabalhar. O problema é que todo mundo só pensa nos grandes artistas como Gusttavo Lima, Marília Mendonça, Bell Marques, Léo Santana… mas esquece que por trás desses grandes artistas existe uma gama de profissionais que está sofrendo muito com isso. É um impacto sem precedentes para a indústria como um todo”, revela Sandro.

Economia em risco

De acordo com Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (SECULT) da Prefeitura de Salvador, a última edição da festa momesca teve público recorde com 16,5 milhões de pessoas desde o pré Carnaval, incluindo palcos temáticos e bairros.

Foto: Valter Pontes/Secom

Com a falta do Carnaval em 2021, a cidade perde cerca de R$ 1,8 bilhão em movimentação econômica turística nesta temporada. Isso porque este é um período em que a economia da cidade fica aquecida, e o folião, residente na Bahia, ou visitante na condição de turista nacional e estrangeiro, é um consumidor ativo que bebe água, cerveja ou refrigerante, faz refeições, utiliza meios de transporte, adquire abadás de blocos e frequenta camarotes.

“O folião movimenta vários segmentos da economia: o comércio varejista e o setor de serviços em especial – (lembrando que esses dados correspondem à estimativa da movimentação econômica turística e não a receita total)”, revela a secretaria por email ao Biz.

Questionados se havia uma expectativa de projeção de números para 2021, a prefeitura declarou que não haviam feito projeções devido a não realização da festa. Além disso, revelaram que não há nenhuma ação pública voltada para minimizar os danos econômicos sofridos pela falta da festa este ano. Segundo a Secult, “todos os recursos e esforços estão concentrados nas ações de combate à covid 19”.

Impacto nos artistas

Se muitas empresas vivem em função da festa naturalmente musical, pode-se imaginar como a situação está impactando também os artistas, principalmente aqueles que costumam viver de agendas cheias durante os dias de folia. De acordo com Marcelo Brito, sócio da Salvador Produções, que possui em seu catálogo artistas como Léo Santana, Parangolé, Lore Improta, Tayrone e Denny (ex-vocalista da Timbalada), a receita do Carnaval significa 30% do total anual da empresa.

“Nós estamos parados há um ano e esse seria o momento de retomada. Havíamos imaginado um aumento de 20% com relação a receita do ano passado, pois conseguiríamos trabalhar melhor a parte de receita dos nossos produtos”, revela Marcelo.

Segundo o empresário, seus artistas já estavam com a agenda fechada para diversos blocos, trios independentes (que são patrocinados pela Prefeitura e pelo Governo do Estado), além de participação nos principais camarotes da folia e nas festas promovidas em outros estados como Belo Horizonte, Recife, São Paulo e São Luís.

Léo Santana durante o Arrastão, no Carnaval de 2020 | Foto: Alfredo Filho/Secom

“A gente tem o costume de dizer na Bahia que o ano só começa depois do Carnaval. É quando programamos toda parte musical, onde conseguimos ter uma visibilidade maior para seguir durante o ano com essa repercussão”, revela.

Segundo o empresário, durante o Carnaval, a Salvador Produções trabalha com mais de 300 contratações diretas entre músicos, roadies, seguranças e produtores – sem contabilizar o efeito Bloco, no qual é contabilizado mais de 1200 trabalhos gerados por dia. “São números extremamente relevantes e a perda não é só econômica, é psicológica também”, desabafa Marcelo, que diz ter ficado com a saúde mental comprometida pela falta da maior festa de rua do mundo.

Números de 2020

Com recorde de público nas ruas, Ambev – através da marca Skol Puro Malte -, Veloe e Hapvida, empresas que patrocinaram o Carnaval de Salvador no passado, festejaram os resultados após terem investido mais de R$ 40 milhões na festa.

Ao lado dos bares e restaurantes, os vendedores ambulantes credenciados pela Prefeitura para trabalhar na folia também celebram o crescimento de 20% nas vendas, em comparação ao mesmo período do ano passado.

Já no trade turístico, a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Secult) estimou a presença de 854 mil visitantes no Carnaval. Entre eles, 435.800 foram do interior da Bahia; 331.500 visitantes de outros estados, com destaque para São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Minas Gerais e Distrito Federal; e 86.200 de estrangeiros oriundos, principalmente, da Argentina, França, Estados Unidos, Alemanha, Espanha e Inglaterra.