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Opinião: Sobre ser uma mulher preta no mundo business musical e ter carimbos que não te protegem

Artigo de opinião assinado por Ana Paula Paulino, colunista do POPline.Biz é Mundo da Música
Ana Paula Paulino, Sócia e Empresária da Ubuntu Produções
Ana Paula Paulino, Sócia e Empresária da Ubuntu Produções e colunista do POPline.Biz é Mundo da Música. Foto: Divulgação

Talvez esse texto seja o princípio da minha cura… Colocar-se em uma posição vulnerável nem sempre é fácil ou indicado, ainda mais no meio artístico, mas me deu vontade de escrever verdades que guardo apenas pra mim… Tem quase uma semana que estou escrevendo esse texto, mas acho que depois do último caso de racismo em relação ao Vini Jr, isso tudo ficou mais latente em mim.

Tenho 33 anos e muitos me conhecem como uma empresária, empreendedora, produtora, uma referência na área, extremamente inteligente, mas apesar de todas as qualidades que muitos veem em mim – e que no fundo eu sei que possuo – , uma característica física minha se sobressai em relação a todas essas… Uma não, duas: a cor preta da minha pele e o fato de eu ser uma mulher.

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Digo isso porque, apesar de estarmos em 2023 e o mundo artístico ser composto por mulheres maravilhosas, talentosas e potentes, o fato de ser preta me faz passar por coisas que outras mulheres não passam (ou passam em menor grau) exercendo a minha função. 

Ser uma mulher preta em uma posição de poder no mundo artístico é desafiador. E quando digo poder, não estou falando de fama ou dinheiro, mas simplesmente estar em um lugar em que é possível DECIDIR. O verdadeiro poder está na decisão!

Ana Paula Paulino, Sócia e Empresária da Ubuntu Produções-2

Ana Paula Paulino, Sócia e Empresária da Ubuntu Produções. Foto: Divulgação


Até pouco tempo, a maioria das mulheres negras no mercado da música ocupavam apenas posições de cantoras e dançarinas, também como produtoras – porque quem melhor para “cuidar” e fazer tudo acontecer do que mulheres pretas, né?! – , mas sempre em equipes lideradas por homens e, na maioria das vezes, brancos. Mesmo elas estando no palco, com seus nomes estampados em todos os lugares, não era delas a decisão, a palavra final sobre seu próprio trabalho e, muitas vezes, nem o dinheiro.

Apesar desse cenário ter se alterado ao longo dos anos, ainda persiste um senso comum. Pra quem não me conhece, fisicamente sou uma mulher negra, com 1,58m, com uma voz fina e que ama trocar de cabelo de tempos em tempos. Sendo assim, para muitos, eu não pareço ser a pessoa que detém o poder, que DECIDE. 

Mesmo com todas as características e qualidades maravilhosas que eu tenho e citei no início do texto, ser quem eu sou já fez com que contratantes ficassem constrangidos ao me confundir com a dançarina ou cantora ao buscar pelo empresáriO do grupo que eu representava; já fez com que me perguntassem se eu era irmã ou prima das artistas que represento, simplesmente pelo fato delas também serem pretas.

Ser quem eu sou faz com que alguns parceiros só me “reconheçam” e me cumprimentem em eventos quando é benéfico para eles, caso contrário, eles literalmente não me enxergam. Ser quem eu sou já fez com que duvidassem da minha capacidade e inteligência, assustando tubarões da indústria simplesmente pelo fato de ser uma mulher preta que sabe negociar, ter uma boa oratória ou falar outras línguas.

Ano passado, ser quem eu sou, fez com que um chefe de segurança de um evento que eu estava produzindo ignorasse meu papel de produtora artística e quase fui imobilizada por outros seguranças simplesmente por não abaixar a cabeça para defender outros artistas negros que estavam sendo maltratados pela equipe que, supostamente, deveria protegê-los. O mata-leão e o cartão vermelho do Vini Jr me lembrou disso: não importa o quão rico, bem sucedido, seu status ou quantos “carimbos”/”atestados” de competência e profissionalismo você tenha, o “ser preto” vem na frente. E quando se é mulher então, esse desrespeito vem dobrado.

Mesmo sabendo quem eu sou, eu constantemente recebo sinais externos de que eu não deveria ocupar as posições que eu ocupo… E vocês não tem ideia do quão difícil é ignorar todos esses sinais e confiar apenas na minha verdade, na autoestima que até hoje eu estou tentando consolidar. 

No começo do meu trabalho como empresária de artistas de rap e funk eu me sentia só, mas além da minha irmã e sócia Isaura, eu encontrei mulheres como Isis Vergilio, Juliana DeJesus e Samantha Almeida, que, lá atrás, me fizeram entender que eu não estava sozinha e que nós éramos muitas. Hoje eu já poderia citar mais uns vários nomes que fazem parte desse seleto grupo de mulheres negras que vem mudando o cenário da música no Brasil nos bastidores, de forma quase que silenciosa e anônima. 

Isaura Paulino e Ana Paula Paulino, irmãs, Sócias e Empresárias na Ubuntu Produções

Isaura Paulino e Ana Paula Paulino, irmãs, Sócias e Empresárias na Ubuntu Produções. Foto: Divulgação



A tática que eu sempre usei para que ser mulher e ser preta não me definissem por completo perante os outros era ser A MELHOR… Não apenas a melhor, mas DUAS VEZES MELHOR. Acho que toda pessoa preta já ouviu isso em algum lugar e eu pensava que isso me protegeria de alguma forma. Mas, isso é extremamente cruel porque a sensação é de que você nunca será suficiente e a qualquer erro – algo normal para todos seres humanos – o fracasso irá te definir. E no final, ser a melhor, não vai te proteger em nada!

Creio que esse fantasma do “duas vezes melhor” assombra direta e indiretamente a todos nós (pessoas negras) e isso ao meu ver é o que muitas vezes motiva a “excelência preta”… Poderia falar de Vini Jr, Usain Bolt, mas trazendo pra música e pro campo feminino são pessoas como Beyoncé, Rihanna e Ludmilla que mesmo sem os privilégios, mesmo com o racismo e com o machismo, quebram recordes atrás de recordes. Imagina, então, o que elas fariam se não tivessem que lutar contra a mentalidade atrasada de uma sociedade inteira?

Beyoncé, Rihanna e Ludmilla

Beyoncé, Rihanna e Ludmilla. Foto: Getty Images (Uso Autorizado POPline)



A excelência das mulheres pretas surge da criatividade e inovação que quase nunca pode ser mostrada, mas também da sensação de não poder errar, de só ter uma chance de sobressair. Porquê, sem os privilégios, a oportunidade pode surgir uma única vez e essa vai ser a única possibilidade que nós temos de transformar a realidade e fazer o inimaginável.

Só agora, mais velha, parei de lutar com o “inelutável”: ser uma mulher preta me define, não como os outros me veem, mas como eu me vejo, como eu me empodero, com a história que faz parte de quem eu sou e me dá a perspectiva que outras pessoas não tem.

Ser mulher preta me faz enxergar o mercado musical e os artistas de uma forma que poucos conseguem. É o que me dá visão, o diferencial, a vivência, a sagacidade, o frescor… E que delícia é ser eu no mercado musical hoje porque, aos poucos, o mundo está entendendo que essa roda não dá mais pra girar sem mulheres como eu nessa engrenagem!

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A arte sempre esteve no caminho da mineira Ana Paula Paulino. Dançarina desde os 3 anos, a atual empresária e produtora se envolveu com o meio cultural de Belo Horizonte bem cedo, mas foi apenas após sua ida definitiva para o Rio de Janeiro em 2014, que ela descobriu sua verdadeira vocação para o gerenciamento artístico e planejamento de carreira musical.
Bacharel em Relações Públicas pela UFMG e indicada à categoria “Profissional do Ano” do WME Awards 2022, Ana Paula é uma das sócias da Ubuntu Produções, juntamente com a irmã Isaura Paulino.
Criada em 2015, a Ubuntu objetiva ser força motriz, alavancando iniciativas, carreiras, talentos e gerindo sonhos, além de pensar estrategicamente em projetos e ações que agregam valor e possibilitam a visibilidade de segmentos, pessoas e anseios, que merecem mais palco.
Além das áreas de produção e gestão cultural, planejamento e gestão de carreiras artísticas, a Ubuntu Produções é também uma editora/ gravadora, responsável pelos lançamentos e gerenciamento das produções musicais e audiovisuais de seus próprios artistas.
Além de desenvolver grande parte das estratégias relacionadas aos artistas ligados à empresa – como a funkeira @mccarol -, Ana Paula Paulino também atua como curadora, tendo participado de projetos como Red Bull Music Pulso; os festivais Rider #DáPraFrazer, Conexidade, entre outros; além de ter integrado a curadoria do Edital Natura Musical 2021. Já atuou na direção e/ou concepção de clipes de artistas como Heavy Baile, MC Carol e Abronca.
É também ativista, palestrante e foi speaker do TEDx São Paulo, sob o tema #ideiassnegrasimportam, em novembro de 2020.

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