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Opinião: O problema do dinheiro público

Igor Bonatto | Foto: Acervo Pessoal

“Mas esse dinheiro tem que voltar?” Era uma das coisas que mais ouvia assim que minha empresa, noodle, começou a oferecer crédito para artistas e empresas musicais. A pergunta vinha acompanhada de um tom como se estivéssemos fazendo algo de errado.

Hoje, tendo originado milhões em crédito — inclusive para aqueles que não entendiam o que era crédito em um primeiro momento — minha conclusão é de que dúvidas como as que eu ouvia tem como origem um vício que acredito prejudicar o mercado: dinheiro público.

Veja bem, o problema não é o dinheiro público, mas a dependência excessiva dele.

À medida que as políticas públicas evoluíram e os instrumentos de financiamento cresceram — em número e volume de recursos — quem vive da cultura passou a enxergar esses instrumentos como a única fonte.

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Para alguém em início de carreira sem acesso a alternativas de viabilizar sua trajetória, incluindo de formação, dinheiro governamental é fundamental para gerar mais oportunidades, viabilizar novos talentos e estimular um ambiente mais democrático. Mas, no momento em que uma carreira cresce e passa a gerar receitas, esse mesmo dinheiro se torna ineficiente.

Os processos de captação desses recursos são incertos, demorados e burocráticos. Totalmente inadequados para o ritmo que o mercado demanda. Enquanto o artista aguarda meses debruçado sobre planilhas e formulários torcendo para um parecerista lhe conceder, como que em um ato divino, algum dinheiro, seu público já encontrou outra novidade para acompanhar.

Quem passa o ano caçando editais e incentivos ficais é condicionado a pensar por projetos com começo meio e fim, e não como uma empresa que precisa parar de pé ou na carreira como um todo. O resultado é uma intermitência no fluxo de caixa que inviabiliza um planejamento adequado e consistência nos lançamentos. Entre o término de um projeto e viabilização do próximo existe um hiato que pode ser fatal.

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Ainda existe um tabu sobre investimentos que precisam voltar, remetendo à pergunta que abre este texto, justamente porque nosso mercado cresceu num modelo cuja não-obrigatoriedade de devolução de investimentos públicos cria uma falsa percepção de que qualquer financiamento diferente disso é exploratório.

Se, para uns, dinheiro público é o único caminho para dar o primeiro passo, para tantos outros é uma grande comodidade sem exposição à risco. Sobretudo para os que menos precisam desse tipo de incentivo.

O Programa Nacional de Apoio à Cultura está prestes a completar 30 anos nos próximos meses, tendo criado as diretrizes para proteger e promover a cultura nacional. O objetivo era simples: criar as regras e trazer os recursos para estimular um segmento da economia que não apenas pode ser rentável, como também ajuda a preservar e fortalecer a identidade de nosso país.

Mesmo com suas deficiências, ineficiências, escândalos e usos ideológicos, os recursos públicos relacionados ao programa foram fundamentais para se construir uma indústria bilionária, empregar milhões de brasileiros e valorizar o que é nosso.

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Em meio a críticas e polêmicas, fortalecer o programa através do aprimoramento de seus mecanismos de fomento é muito mais saudável para o país do que implodir sua estrutura por motivações como as que temos presenciado.

Porém, pouco importa se o programa é bom ou ruim se o mercado como um todo não se estruturar para não depender dele. Mais perigoso do que sujeitar-se ao ímpeto de políticos que, independente de ideologia, podem usar a cultura para defender seus interesses próprios e promover sua agenda, está na fragilidade de se apoiar em uma casa de papel.

O dinheiro que está aí hoje pode não existir mais amanhã. E aí?

Existe um mundo fora dos editais e leis de incentivo. Ele é abundante, dinâmico e funciona para todos. Basta uma mudança de mentalidade. Para quem já vive da música, dinheiro público precisa ser visto como um aliado, não como modelo de negócios.

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Igor Bonatto (@igorbonatto) é fundador da noodle (noodle.cx), o primeiro banco digital para artistas e empresas musicais. Antes, Igor fundou a produtora audiovisual Claraluz Filmes, a agência de inovação criativa THT, dirigiu e produziu filmes publicitários, videoclipes, curtas e longas.

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