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Opinião: A musicalidade da Gen Z brasileira

Foto: Unsplash/Chris Ainsworth

Fico imaginando se eu tivesse vivido a adolescência na era do streaming. Meu primeiro disco foi o ‘Help’ dos Beatles e a primeira mídia que chegou a mim, aos 10 anos, foi o vinil, seguido das fitas K7s e logo depois os CDs. Esses três formatos moldaram a formação da minha musicalidade ao longo da  adolescência até a vida adulta. Mesmo a internet chegando cedo, discada em 1995, eu só consumia música fora da internet.  Gravei muita música de programa de rádio, em fita K7, comprei muito CD na Gramophone, do Shopping da Gávea, frequentava semanalmente a Modern Sound, em Copacabana, e ouvia vinis nas feiras e na casa dos meus avós. Os discos fundamentais e importantes da minha vida foram todos consumidos em alguma mídia física e não na internet.

Foto: Unsplash/Maksym Pozniak-Haraburda

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Depois veio o MP3 do Napster, o MySpace, as piratarias do Lime e Frostwire, o 4shared, E-Mule, todos andando em paralelo com os downloads pagos do iTunes. O streaming em si, veio um pouco depois para tentar resolver a pirataria, com os SoundClouds, Pandoras, Rdios, e as DSPs, já estabelecidas e regulamentadas: Spotify, Apple Music, Deezer, YouTube Music,  Amazon Music, Tidal e Resso. Isso sem contar o acervo de áudio dentro do YouTube e, atualmente, o boom dos short format vídeos do TikTok, revelando hits repentinos e virais, que extrapolam a plataforma de engajamento e trazem plays reais nos apps de música, que acabam entrando em charts por causa dos 30 segundos.

Foto: StockSnap/ Pixabay

A evolução veloz da timeline histórica do áudio streaming aconteceu na formação dessa Gen Z, que hoje define e domina o consumo de música mainstream na indústria global. Mas e os artistas? A Gen Z tem produzido artistas com habilidades musicais fantásticas. Mas de onde será que vem uma safra tão musical e rica? A resposta é o segundo parágrafo dessa coluna. A geração Z, nascida entre o fim da década de 1990 e 2010, foi criada no ambiente digital e se alimentou de muita informação, conteúdo infinito e um cardápio de catálogos de músicas produzidas nos últimos 70 anos, mundo a fora.

Numa distância de poucos clicks dos ouvidos, essa geração aprendeu e conheceu música no Youtube e nas plataformas de áudio streaming, vendo e ouvindo as maiores referencias mundiais da história da música. Essa geração também aprendeu a tocar instrumentos, operar softwares de produção musical, criar beats e tantas habilidades musicais, vendo videos online.

Em uma tarde em casa, depois do colégio, um adolescente de 16 anos, assiste o Tiny Desk do Kirk Franklin, a performance do Silk Sonic no BRIT Awards, o disco novo da Beyoncé, Tom Jobim ao vivo em Montreal, o novo álbum da Liniker, 30 vídeos no TikTok, o ‘Transa’ de Caetano Veloso, o novo single da Taylor Swift, vídeos do hits Urbanos, 2 videos do ‘Sunday Service’ do Kanye West, 4 video-aulas de assuntos diversos, o Podcast do Clê e ainda conhece novos artistas e músicos, deslizando a tela do feed do seu Instagram. Eles não tem preconceito, abraçam a diversidade, gostam de pluralidade e descobrem o novo com muita velocidade.

O acesso a música e novos artistas é sem limites. A riqueza desse conteúdo, combinada com o consumo rápido, forma musicalmente o jovem Z, com referencias fundamentais e qualificadas, em um processo de curadoria pessoal que define seu desenvolvimento musical. E bota qualidade nisso!

Foto: Dean Moriarty/ Pixabay

Eu vejo os artistas com quem  trabalho, converso e lido no dia-a-dia na minha gravadora, Little Glass Records, e no Soho Sessions – evento que abraça novos artistas e fortalece a cena independente – eles são muito talentosos. Uma vez um amigo músico me disse: “A música precisa gostar de você!’’, exemplificando que não basta uma pessoa querer ser artista ou músico, a música precisa gostar de você para você ser bom. A música ama Gen Z. E a Gen Z ama aprender.

Foto: Pexels/Pixabay

Começa pelas composições. Eu vejo eles escrevendo em sessões de estúdio. O beat rolando, bloco de notas aberto no iPhone (artista Gen Z não usa Android), eles já estão no terceiro verso em menos de 10 minutos de estúdio. Violão no colo é raro, mas a facilidade das melodias vem como passarinhos que acabaram de despertar e o flow é sempre muito bem ritmado. Em menos de 30 minutos a letra da música está pronta. Tem papo jovem, coloquial, contemporâneo, poesia, rima e muita linguagem urbana. Na hora de gravar a voz – quase sempre, o take que vale é o da demo – são no máximo dois e a afinação da maioria está quase sempre em dia. Eles adoram caquinhos, melismas, ad libs e entendem de terças, quintas, falsetes e dobras como os gringos. Sempre sabem o que querem e geralmente executam com velocidade e precisão, sem perder a seriedade e exigência de quem foi formado no digital, mergulhado no novo, no hype, no antigo, no clássico, tudo ao mesmo tempo.

Foto: Unsplash/Yoel J Gonzalez

A mente aberta dessa geração permitiu que eles explorassem suas musicalidades a níveis elevados de experimentação, sem preconceitos e focados em contar suas histórias reais. Com muito menos medo de errar do que os Millenials, a Gen Z soube usar a tecnologia a seu favor para se alimentar do que há de melhor da arte, filtrando suas escolhas de forma criteriosa e soando naturalmente mais musical do que geração passada. Será que a Geração Alpha vem mais musical ou mais artificial?

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Com 20 anos de carreira musical, Rodrigo Lampreia é cantor, compositor, produtor musical e empreendedor de música e cultura. É co-fundador e CEO do selo independente Little Glass Records e idealizador, fundador e CEO do Soho Sessions, jam session que abraça novos artistas e fortalece a cena independente. Com cinco álbuns lançados, Lampreia já fez shows pelo Brasil e mundo a frente de projetos importantes como Samba de Santa Clara, Benditos, Sambinha, Roda do Lampra e sua carreira solo. Rodrigo também é o editor, produtor e apresentador do Podcast do Lampra, que debate tendências, novidades, informações sobre a indústria global da música.

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