Austin, Texas, Festival South by Southwest de música, cinema e inovações tecnológicas, entre outras coisas. Dia 13 de março. Era cedo, por volta de 1h15 da tarde, quando chegamos ao prestigioso Zach Theatre, lugar selecionado para a première mundial do filme “Música”, que só seria exibido mesmo duas horas depois e que chega ao Prime Video no dia 4 de abril. Chegamos cedo porque ganhamos uma vaga no concorrido tapete vermelho antecedendo a exibição do filme, e assim tivemos a chance de conversar um pouco com alguns dos responsáveis pela coisa toda.
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Aos 32 anos, Rudy Mancuso, estreando como diretor no longa-metragem (do qual também é roteirista, produtor, astro principal e responsável pela música de “Música”), não é exatamente um desconhecido completo do grande público brasileiro. Ele vem de uma carreira de alguns anos de bastante sucesso com vídeos no Youtube e no Vine, além de algumas apresentações musicais importantes, como a abertura dos shows da perna brasileira da turnê de Justin Bieber em 2017 e apresentações no Festival Villa Mix em Goiânia e em São Paulo no mesmo ano.
No tapete vermelho de “Música”, perguntamos a ele sobre essa transição para a direção de um longa-metragem e ele nos disse que foram precisamente os vídeos curtos do início da sua carreria que realmente o ensinaram a ser um cineasta valendo-se de poucos recursos.
Estivemos na première mundial do filme “Música”, filme repleto de elementos da vida real de Rudy Mancuso!
E a gente conversou com ele! Como foi essa transição de vídeos curtos para um cineasta de longa-metragem? Ele responde! pic.twitter.com/laFofyLoR2
— POPline (@POPline) March 27, 2024
Mancuso colocou tudo e mais um pouco da sua própria vida neste, que é, sem dúvida, seu projeto mais ambicioso até agora. Para começo de conversa, o Rudy da vida real e o personagem compartilham algo chamado sinestesia, uma condição neurológica que promove uma associação entre dois ou mais sentidos no cérebro de quem a possui, produzindo momentos involuntários de uma percepção única do mundo ao redor da pessoa. No caso de Rudy, segundo ele mesmo, desde que se lembra, seu cérebro transforma sons cotidianos em algum tipo de construção musical. O filme tem o mérito de retratar essa peculiaridade na forma dele de perceber o mundo de uma maneira muito dinâmica e criativa.
Você sabia que Rudy, segundo sua próprias palavras, transforma sons cotidianos em algum tipo de construção musical? O filme “Música” retrata essa peculiaridade de maneira criativa. pic.twitter.com/H6xM5yj6fk
— POPline (@POPline) March 27, 2024
Além da sinestesia, outra coisa para a qual Mancuso (nascido nos Estados Unidos, filho de pai italiano e mãe brasileira) queria dar mais evidência era a própria cultura brasileiro-americana na qual cresceu. Para isso, escalou justamente a própria mãe, Maria Mancuso, como a Maria ficcional, mãe do seu Rudy ficcional e gravou grande parte da história em locações reais da vizinhança de Ironbound, na cidade de Newark, incluindo a própria casa de seus pais, para desespero de Maria, que não ficou nada feliz com os arranhões deixados pela equipe de gravação no chão da sala.
Mas além da sinestesia, outro aspecto da vida de Rudy Mancuso norteia o filme “Música”: ele é nascido nos Estados Unidos, filho de pai italiano e mãe brasileira!
Parte das gravações aconteceu na casa da mãe! E ela não ficou 100% feliz com as gravações não! pic.twitter.com/qhN4tylkDr
— POPline (@POPline) March 27, 2024
Outro aspecto que acabou por tornar o filme ainda mais pessoal para o realizador foi o fato de que a atriz Camila Mendes, também nascida nos Estados Unidos e filha de pais brasileiros, conhecida dos fãs da série Riverdale, interpreta na história o interesse romântico do protagonista e acabou por se tornar sua namorada na vida real. Camila, que também é produtora do filme, falou justamente da pouca representatividade de brasileiros-americanos no cinema e de como interpretar um papel no qual ela teve a chance de ser ela mesma foi revigorante.
Camila Mendes é a co-protagonista de “Música” ao lado de Rudy Mancuso. Também conversamos com ela sobre essa dualidade de culturas (americana-brasileira) e representatividade em Hollywood. pic.twitter.com/WvDObcwzNw
— POPline (@POPline) March 27, 2024
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Uma festa brasileira em Austin
Exibição encerrada, bate papo com diretor e elenco finalizado, saímos então do Zach Theatre, apenas para sermos surpreendidos na grande tenda adjacente ao prédio, na área externa, por uma legítima festa brasileira, completamente preparada enquanto assistíamos ao filme lá dentro. Decoração nas cores da bandeira do Brasil, batucada ao vivo, caipirinhas, e nas bandejas dos garçons, coxinhas, pastéis e açaí com frutas. Estava tudo incrível? Sinceramente, incrível seria exagero, mas compensação, Rudy Mancuso, muito empolgado, apresentou ao teclado um dos belos temas compostos por ele para o filme.
Em uma possivelmente pretensiosa reflexão final, talvez também seja injusto exigir um nível tal de autenticidade na representação da cultura brasileira, tanto na festa quanto no filme em si, quando o pano de fundo da história é uma outra coisa: a cultura brasileiro-americana. Quem nasceu e cresceu nos Estados Unidos, filho de pais brasileiros, tem uma criatura diferente. Eles misturam o inglês com o português diariamente e apesar de terem ouvido muitas histórias sobre o Brasil, contadas por seus pais e avós, cresceram em outro país, inseridos em outra realidade.
No final da festa, conversamos mais um pouco com Rudy Mancuso e quando ele quis saber nossa opinião sobre “Música”, contei que ficara preocupado no início do filme com a representação dos brasileiros na história. Sem entrar em grandes spoilers aqui, há uma cena logo no começo onde a mãe de Rudy tenta resolver sua vida amorosa trazendo uma moça brasileira (interpretada por Camila Senna) para apresentar ao filho e a moça em questão não perde muito tempo conversando e “parte logo pra cima” de Rudy.
Questionei Rudy sobre uma possível impressão estereotipada negativa a respeito das mulheres brasileiras, ao que ele me respondeu que a cena foi 100% inspirada em fatos reais e que, na verdade, até foi algo que aconteceu duas vezes com ele. Difícil de contestar algo quando é “inspirado em fatos reais”, mas de qualquer forma, a história se desenvolve com um tom leve, engraçado e dinâmico e fica claro que tudo o que vemos é através da perspectiva de Rudy, logo, até mesmo a cena da moça brasileira mais “avançadinha” tem mais a ver com a maneira como Rudy percebe a situação do que com qualquer representação negativa dos brasileiros de forma geral.
Em uma última nota, tipo “easter egg”, preste atenção na atriz Bianca Comparato, bem conhecida pelos trabalhos na TV brasileira, no papel de uma garçonete que atende Rudy em uma das cenas mais engraçadas do filme, e na participação do diretor Andy Muschietti como um músico de rua que faz algumas pequenas aparições na história. Rudy Mancuso atuou em “The Flash” de Muschietti no ano passado e agora parece que foi a vez dos papéis se inverterem.
O filme “Música” estreia no Amazon Prime Video no dia 4 de abril.
Texto por Gui Beck (@guibeck13) – correspondente convidado do POPline no SXSW 2024