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ENTREVISTA: Jup do Bairro fala de novo EP e show no Primavera Sound

Cantora se apresenta no dia 3 de novembro no Cine Jóia
Foto: @jupdobairro (Instagram)

Jup do Bairro ficou mais conhecida na cena nacional em meados de 2020, ano em que o EP “Corpo Sem Juízo” ocupou altas colocações nos rankings de melhores projetos musicais. Traçando paralelos entre a relação dos corpos com o ciclo da vida e a sociedade, a multi-artista agora prepara uma continuação para o trabalho que a consagrou como uma voz poderosa do underground.

Foto: @jupdobairro (Instagram)

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O EP “Incorporação” está em fase de pré-produção e deve ganhar o seu primeiro single muito em breve. A música contará com participações de três produtores(as) e outros(as) dois(duas) vocalistas – os nomes ainda não foram revelados, mas a artista brinca: “é o ‘We are the world‘”. Em entrevista ao POPline, ela explica as diretrizes deste projeto e conta como tem sido subir ao palco com um show de rock – surpreendendo até mesmo os fãs, que talvez esperassem uma apresentação baseada em sucessos como o funk-sexy “All You Need Is Love“, parceria com Rico Dalassam e Linn da Quebrada.

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Em novembro, Jup será uma das atrações do Primavera na Cidade – palcos paralelos do Primavera Sound, espalhados pela cidade de São Paulo. No dia 3, ela divide o line-up do Cine Jóia com Carolina Durante, Boogarins, Föllakzoid e Valentina Luz. Leia, abaixo, uma conversa sobre a relação da artista do Valo Velho, na zona sul, com a cidade de São Paulo e as suas percepções de como pautas identitárias estão sendo abordadas (ou silenciadas) na arena pública, além de spoilers conceituais do seu próximo EP.

Foto: @jupdobairro (Instagram)

POPline: A gente tá aqui pra falar do Primavera Sound e você se apresenta no dia 3 de novembro, no Cine Joia, junto com outras bandas e artistas incríveis, mas que não necessariamente dialogam com seu público. Qual é a melhor parte desse tipo de evento, em que você se apresenta para pessoas que não necessariamente estão acostumadas com o seu trabalho?

Jup: Olha, eu acho muito massa, eu tenho – desde que eu lancei meu EP 2020 – participado de muitos festivais e alguns deles também não sendo necessariamente com o meu público, né? O que eu imaginei que pudesse ser meu público. E isso acaba sendo muito interessante porque eu –  além de eu me deparar nos bastidores com outros artistas, para poder ter uma troca genuína com outros estilos de de música também – acabo me deparando também com com outro público que, às vezes, pode ter me conhecido de uma forma rasa e, por isso, imaginar que eu faço algum tipo de música. E eles acabam se surpreendendo quando eu chego também com a minha banda e tudo mais. E um dos disparates mais interessantes que tem acontecido é justamente o fato de eu propor um baile punk de quebrada, que eu gosto de de nomear esse encontro assim – porque eu fiquei durante muito tempo, esses dois anos, sem poder programar a minha turnê de fato, a turnê de Corpo Sem Juízo. Então, todas a as minhas apresentações ou eram por lives ou eram através dos videoclipes, audiovisual que eu entreguei. Quando eu chego com uma banda – que tem um apelo mais voltado ao hardcore, ao rock – uma galera fica meia impactada e fala: ‘nossa, como assim? Eu sou o quê?’. E, na verdade, o que eu quis fazer com a minha turnê é justamente pegar toda a minha bagagem de referências, inspirações e também o que eu consumia na minha adolescência, né? Eu acabei consumindo muito eh hardcore, heavy metal principalmente, por conta do meu pai. Ele foi punk anarquista na fase adolescência dele. Ele me apresentou muitos subgêneros do rock e isso sempre foi uma uma bagagem muito grande pra mim. E, na minha fase adolescente, eu tive a minha fase emo também, né? Não tem não tinha muito como fugir assim. Eu acho que isso acabou ficando um pouco mais explícito quando eu divulguei com muita excitação a minha parceria com a Fresno, minha parceria com a Pitty e e aí veio bastante a tona. Mas eu acredito que tem sido uma uma surpresa muito boa, tanto para o meu público – quem acompanha o meu trabalho desde de quando eu ainda fazia da do projeto da Linn da Quebrada – e principalmente pra esse público que que vem me conhecendo assim, conhecendo o meu trabalho e de todo mundo que tem feito esse encontro tão fervoroso comigo.

POPline: Aliás, eu ainda não tive a oportunidade, infelizmente, de ir ao seu show ao vivo, mas a última vez que eu te vi foi no show da Badsista, na Mamba Negra. E considerando que essa proposta do festival de espalhar vários palcos pela cidade, eu queria falar um pouco sobre isso. Como a cidade de São Paulo e essa urbanidade influencia a sua arte hoje em dia?

Jup: Eu confesso que sou muito fã de São Paulo. Eu vivo com muita intensidade São Paulo, mas não foi sempre assim. Até porque eu moro no Capão Redondo, no extremo sul de de São Paulo, e antes de eu começar a ter esse meu envolvimento, ainda mais profundo, com a arte, eu era bem caipira de quebrada. Então, eu moro no Valo Velho, que é justamente na divisa entre São Paulo e Itapecerica da Serra, mas tem uma pegada mais rural assim. Desde quando eu começo a sair daqui e procurar outros lugares – começo a a cantar, a expandir essa minha arte para outros lugares, principalmente pro centro de São Paulo -, eu acabo reconhecendo a importância mesmo de ter essa essa ligação. Eu venho em um momento, assim, de expansão da minha arte, quando a gente estava começando a falar, no Brasil, sobre teoria Queer, sobre a falta de pessoas pretas no âmbitos, nos recortes totais da arte – como teatro e performance e até na música. Eu acredito que o meu trabalho foi muito bem recebido, justamente, pela falta, naquele momento, de pessoas como eu ocupando aqueles espaços. Então, quando eu comecei a performar enquanto Jup do Bairro, eu comecei a ser muito contratada para festas de techno, festas clubbers – principalmente as que aconteciam nos antigos puteiros da região de São Paulo, onde teve um momento em que tinha uma imersão muito grande de festas assim, nesses inferninhos antigos. E daí eu ficava me perguntando: ‘nossa, mas eu estou trazendo uma outra linguagem, um outro recorte, né?’. Eu sentia que estava acabando com a festa, por conta das coisas que eu estava falando e a galera querendo ouvir um instrumental. Foi justamente o momento em que eu fui entendendo a necessidade de expansão que São Paulo, por mais diversa que fosse, precisava desses corpos, principalmente, em lugares assim. Então, acredito que é uma semiótica muito maravilhosa. Você citou a mamba negra. Eu acho que a ver também com isso. Como que a Mamba começa, né? Teoricamente, como uma festa techno. E hoje é inevitável você não se deparar com sets de funk, com uma performance de rap ou algum subgênero do Hip Hop. Eu acho que acabou ficando insustentável. E também acho que esse movimento do Primavera na Cidade é extremamente interessante, porque eu sinto um frescor de retomada. Não sei se você lembra, mas 2017, assim, pra trás, a gente tinha muitas festas em vários lugares assim, principalmente festas na rua. Com a Festa Mel, a Selvagem, muitas festas aconteceram na rua e isso foi se dissipando por motivos óbvios – do governo, a crise, a guerra que já estava sendo estabelecida e isso foi se dissipando. Eu acredito que, esse movimento, ele é de retomada. A gente está voltando a ocupar a cidade, fazendo com que o Primavera Na Cidade também movimente outros lugares, outros polos a não ser o principal palco. O Festival acaba servindo de referência também para outros movimentos e festivais independentes. Eu acho que uma uma sementinha está sendo plantada para que possa germinar e essa primavera ser cada vez mais plural e diversa.

POPline: Para um show como esse, você prepara alguma surpresa, alguma participação, algo especial que você possa adiantar?

Olha, eu tenho visto assim, como é literalmente um um show de rock, tudo pode acontecer assim. Então eu tenho preparado essa turnê para que cada show seja diferente um do outro e pensando em repertório. Eu tenho feito repertório entendendo em que lugar eu executo, em que música eu executo. E, por coincidência ou não, eu estou fazendo a pré-produção do meu próximo disco. Ele se chama “Incorporação” e já estou caminhando com o single que vai anteceder esse próximo disco. Então eu acho que vai vir coisa aí.

POPline: Eu ouvi dizer que seu próximo single tem cinco participações, é isso? 

Jup: São cinco participações, seis comigo. O que eu posso adiantar é que são três pessoas cantando e três produtores. Então vai ser o “We Are the World” da cena. Muito legal. Estou muito empolgada.

POPline: Então, talvez, a gente tenha a primeira performance desse single no primavera..

Jup: Vamos ver, vamos ver. Mas com certeza vai ter novidade no repertório. Então, talvez eu performe essa música antes ou depois, mas com certeza vai ter exclusividade pro Primavera.

Foto: @jupdobairro (Instagram)

POPline: Eu sou muito fã do ‘Corpo Sem Juízo’. Foi um dos meus EPs preferidos de 2020, mas já tem dois anos. E eu sei o quanto é difícil para artistas independente produzir um disco novo, um EP. Você disse que está na fase de produção do seu novo EP que dá continuidade ao ‘Corpo Sem Juízo’. Você tem previsão de lançamento desse EP e que tipo de sonoridade a gente pode esperar desse projeto?

Olha esse EP ele ele consiste numa continuação de ‘Corpo sem juízo’. Em ‘CSJ’ eu acabei falando sobre as três etapas básicas de um corpo – que são: o nascimento, vida, e morte. E entre isso a fase da da paixão (“All You Need Is Love”), e tem o nascimento (“Transgressão”) e até chegar a morte (“Luta por mim”), que não necessariamente significa é uma morte física, mas muitas vezes uma morte em vida também. E agora eu quero entender como esse corpo pode reagir para além da matéria física. Em “Incorporação” eu vou fazer uma imersão ainda mais profunda em mim mesma, no que poderia o meu corpo, das dores e delícias e, principalmente, nas contradições de um corpo. E eu quero experimentar muita coisa, partindo de um lugar mais festivo. Então, podem esperar funk, que eu vou voltar com funk também, mas quero me aprofundar ainda mais nas guitarradas, como uma boa emocore. Quero fazer essas experimentações do que eu trouxe em “Corpo Sem Juízo”, mas com uma linguagem que eu ainda não experimentei. Acho que isso é o mais interessante que eu estou propondo para “Incorporação”, que eu possa mais uma vez experimentar. E o mais legal é que eu me sinto pronta, sabe? Eu tenho analisado o mercado – principalmente esse mercado que não se preparou para o ingresso do meu corpo -, então acho que seria injusto eu fazer algo para um destino em que eu acabaria sendo a minha própria disputa acirrada. Eu não queria lançar nada que antecipasse, para preencher as lacunas das plataformas de streaming ou uma música que não faria sentido pra mim. Então, agora, voltando a viver, eu tenho um maior vocabulário para dizer. Eu acho que passei esses dois anos em casa, como a maioria das pessoas, sem ter uma vida exterior e acabei guardando muita coisa. E, agora, que estamos voltando a caminhar, estamos tendo essa possibilidade do reencontro, isso tem me trazido bastante sede e coisas a serem ditas…Eu tenho me preocupado em não ser repetitiva na minha arte, mas que eu possa sempre trazer novidade e frescor – tanto do que eu acredito hoje e principalmente para quem vai ouvir.

POPline: o Primavera buscou um equilíbrio de gênero nas contratações de artistas para o line-up. Como você avalia esse movimento de festivais como o Primavera? E qual seria o movimento ideal nesse sentido, de buscar uma equidade? 

Jup: É, eu acredito que, mais do que nunca, seja urgente assim, né? E a gente precisa pensar em estratégias – e não só estratégias afetivas – mas em estratégias efetivas de fato. É muito comum a gente ver artistas falando sobre a falta de mulheres, de corpos LGBTs e toda essas minorias representativas, mas como a gente pode executar isso na prática e de fato? Quantas pessoas que que denunciam tem esses corpos em suas equipes também? Isso é um lugar que precisa ser pensado e foi justamente o que eu pensei quando eu queria formar minha banda, porque a minha banda é formada por por uma maioria de de pessoas trans e transfemininas. E daí essa é uma é uma ação que eu preciso pensar enquanto necessidade mesmo. Eu acho que passou o tempo da gente falar, ‘ai, mas é que eu não conheço músicos e musicistas trans’, ‘não conheço musicistas femininas e tudo mais’ e, tipo, porra tem vários bancos aí que levantam essas pessoas, que evidenciam essas pessoas. Então, acredito que é um papel de responsabilidade mesmo – tanto dos festivais, quanto dos artistas – de repensarem essas pessoas para que não fiquem fadadas, unicamente, a ao protagonismo, mas também às suas bandas, às suas produções. Onde estão essas pessoas para além do microfone, sabe? A gente precisa fazer um movimento que ele seja realmente linear e plural. E isso pra ontem, né? Eu acho que a gente já está batendo na mesma tecla há um tempo, mas precisamos realmente colocar isso como uma responsabilidade e não só em marketing de divulgação ou coisa parecida, sabe?

POPline: Eu estava lendo o seu twitter e você citou o Don L em uma reflexão que ele fez sobre a suavização dos discursos no rap para vender para as massas. E você observava um sentido contrário dessa dinâmica. Qual é esse caminho inverso que está sendo colocado? 

Eu, na verdade, acredito que seja também, mas também endossando o que Don L disse. É que eu vejo, muitas vezes, uma narrativa que seja de impacto falando sobre racialidade, identidade de gênero ou coisa parecida e sempre com muito fervor, com muito calor. Mas eu fico realmente confusa quando acontece algum grande caso, que vem a público e que seja explicitado, inclusive, por quem passou por alguma situação – seja uma situação de racismo, transfobia, homofobia e tudo mais – e acaba gerando um silêncio de pessoas que estão no ciclo profissional dessas pessoas que são acusadas. Isso me causa uma angustia muito grande porque evidencia uma falha enquanto sociedade e seres humanos, porque é um caminho que acaba parecendo seletivo. Então, tal pessoa pode ser racista? Tal pessoa pode ser transfóbica? É porque ela é minha amiga, ela não quis dizer muito bem isso? E, daí, geram esses conflitos na minha cabeça.

E é muito ruim quando a gente tenta explicitar as nossas revoltas – e eu digo com muita raiva, eu não digo com ódio. Porque eu não odeio o racista. Eu odeio racismo,. Então essa raiva acaba sendo um motor de transformação para que eu possa falar e possa evidenciar a minha dor. Eu acho que é sempre importante a gente trazer isso, mas muitas vezes a gente se sente desacolhidos, desacolhidas porque pode não ter o endosso gerado para gente, para nós que estamos falando sobre essa situações, que já ficaram insustentáveis. O silêncio acaba sendo um endosso para o outro lado, né? Então, a gente tem que entender também qual é o lugar do ‘não podemos mais tolerar isso’ com a separação do que é hate. Porque muitas vezes colocam essas cobranças de posicionamento, de resposta, de desculpas simplesmente como hate e, na verdade, não. Estamos buscando uma evolução enquanto sociedade de uma forma horizontal, para todo mundo. Nós precisamos evidenciar essas discussões, principalmente quando essa pessoa já evidencia, antes mesmo. Não é simplesmente falar que eu jamais teria uma uma atitude dessa
porque eu sou uma pessoa evoluída, eu sou uma pessoa desconstruída, não sei o quê. Até porque se não faz parte do teu recorte, da tua vivência, é aí que cabe exatamente o local de escuta. O local de fala não é simplesmente um lugar de ‘eu falo, você escuta’, mas precisa também ter esse local de escuta para que o seu local de fala fale sobre o teu pertencimento, sobre os teus recortes a tua classe social e a tua raça. A gente precisa entender também que todas as pessoas são racializadas, não são só pessoas indígenas e pretas que são racializadas, todas as pessoas são racializadas, até porque branco também é raça. E a gente precisa entender a responsabilidade de materializar as nossas palavras e o quanto as nossas palavras tem o poder – tanto para ferir, quanto pra curar.

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