“Deus escreve certo por linhas tortas. A minha foi escrita por pernas tortas”, resume Elza Soares a sua história poucos meses antes de morrer. Este e outros depoimentos exclusivos da cantora, conhecida por uma voz e um estilo incomparáveis, roupas coloridas e penteados extravagantes estão em “Elza & Mané – Amor Em Linhas Tortas”, original Globoplay produzido pelo núcleo de documentários do Esporte da Globo, que estreia nesta sexta-feira, dia 4 de março.
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O lançamento acontece 60 anos depois do início do romance e também da conquista do bicampeonato mundial da seleção brasileira, que teve Garrincha como protagonista e Elza, a fonte de inspiração. Com direção de Caroline Zilberman, que também assina o roteiro ao lado de Rafael Pirrho, a produção traz a história de dois ídolos que, apesar do talento, resistiram e enfrentaram julgamentos e preconceitos.
Elza Soares foi ao Chile para uma temporada de shows na mesma época em que a Copa do Mundo seria disputada no país. O casal se conheceu meses antes. Dois gênios de duas paixões nacionais: a música e o futebol. Jovens negros, de origem pobre, nascidos no início da década de 1930. A ela foi imputada a culpa pelo fim do casamento de Garrincha, que já administrava uma vida poligâmica, e a responsabilidade pela decadência do craque nos anos seguintes.
A crônica de amor e drama vivida pelos dois também trafega pelo alcoolismo, machismo, preconceito, conservadorismo, violência doméstica, ditadura e grandes perdas. Uma união tão forte que o destino se preocupou em dar o mesmo dia 20 de janeiro para ambos saírem de cena definitivamente. Ele em 1983. Ela, 39 anos mais tarde, em 2022.
“Imagine como o Brasil reagiria hoje se o melhor jogador de uma Copa vencida pela Seleção começasse a namorar fora do casamento uma estrela de primeira grandeza da música brasileira. Foi isso que aconteceu em 1962 com Elza e Mané. E aquele Brasil conservador, que estava prestes a entrar em uma ditadura militar, reagiu mal a esta união” resume Gustavo Gomes, gerente de formatos do Esporte da Globo.
A equipe viajou ao Chile e à Itália para entrevistar personagens que foram testemunhas desta história que já nasceu discriminada pela sociedade. Além da própria Elza, o documentário conta com depoimentos exclusivos de músicos como Chico Buarque, Caetano Veloso, Sandra de Sá e Lobão; do filho primogênito da cantora, João Carlos Soares, da neta, Vanessa Soares, e de Maria Cecília, filha de Mané; dos biógrafos Ruy Castro (Garrincha) e Zeca Camargo (Elza Soares); dos ex-jogadores Gerson, Rivelino, Jairzinho e Pepe; e dos jornalistas José Trajano, Juca Kfouri e Paulo César Vasconcellos.
“Além desses depoimentos, outro ponto forte deste material são nossos arquivos, uma verdadeira riqueza. Eles atravessam um período que vai dos anos 1960 até meados da década de 1980. O documentário traz uma estética narrativa em preto e branco até chegar no colorido, com imagens telecinadas de latas de película 16 milímetros que pertencem ao acervo da TV Globo”, explica a diretora Caroline Zilberman.
Com cerca de 50 minutos, os quatro episódios mostram o início da paixão, a forte reação da opinião pública àquela união, a vida de exílio em Roma, a amizade com o casal Chico Buarque e Marieta Severo, a decadência da carreira de Garrincha, a relação cada vez mais abusiva com o álcool, as agressões dentro de casa até a separação do casal, e as mortes de Mané e do único filho do casal, com apenas nove anos.
Muitas provações que quase deram fim a uma das carreiras mais longevas e bonitas da música popular brasileira. Um convite de Caetano Veloso para gravar a canção “Língua”, em 1984, representou a retomada de Elza Soares, que foi eleita pela BBC, anos mais tarde, como a cantora do milênio.
“Este documentário é uma história de amor que fala muito sobre o Brasil. O Brasil de antes e o Brasil de hoje. Assim como ‘Doutor Castor’, ‘Elza & Mané’ nos ajuda a entender um pouco mais sobre nós mesmos – e como viemos parar aqui. Essas são sempre histórias que queremos contar”, encera Gustavo Poli, diretor de programas e conteúdo digital do Esporte da Globo.