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Especial 2010/2019: O crescimento do soft pop e a maneira com que essas músicas se relacionam com a sociedade


“Ouvi dizer… Que existe paraíso na terra”. Esses versos foram como um chiclete no final da década de 2010. A faixa é um soft pop interpretado pelo trio Melim, com uma sonoridade bem leve, gostosinha de ouvir, letra agradável e fácil de cantar. Lembra um dia agradável de sol, na companhia de pessoas amadas, lembra a paz. Esse tipo de música, por sinal, foi frequente nas paradas de sucesso. O curioso, no entanto, é que a Terra não está esse paraíso todo. Muito menos no Brasil.

A taxa de desemprego é alta. De acordo com o G1, ficou em 11,8% no trimestre encerrado em setembro, atingindo 12,5 milhões de pessoas, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A violência não mostra sinais de melhora. “Um levantamento do Atlas da Violência de 2019, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que em 2017, o Brasil teve 65.602 pessoas assassinadas. Trata-se do maior nível histórico de letalidade violenta intencional no país”, informou o Jornal Estado de Minas. Casos sérios de racismo, intolerância, preconceito e homofobia ainda são frequentes no país.

Pesado, não é mesmo? Nem parece que o tema, aqui, é o soft pop, um tipo de música tão agradável e positivo. O ponto, no entanto, é encontrar nisso uma explicação para essa tendência musical. De acordo com diversos estudos, a música melhora o humor. Independente dos problemas e da realidade dura, um play no seu do celular pode te trazer bem-estar.

“A música é capaz de estimular esses circuitos e modular o humor, induzindo a euforia, alegria ou até mesmo o baixo-astral”, informou Fernando Gomes, neurocientista do Hospital das Clínicas de São Paulo, ao site Viva Bem.

Com uma canção agradável, o corpo resgata memórias afetivas, ou seja, aquelas que te lembram bom momentos e te fazem bem. “Isso se deve justamente pelo atrelar de emoções com os padrões musicais ao longo do desenvolvimento psicossocial de uma determinada cultura”, afirma o neurocientista.

É muito fácil, portanto, se identificar com essas músicas leves. As pessoas querem buscar essas sensações quase que diariamente, repetitivamente. Não é de se impressionar que muitas dessas faixas fiquem um longo período de tempo na lista das mais ouvidas. Voltando ao grupo Melim como exemplo, “Meu Abrigo” tem 588 dias entre as mais ouvidas, “Ouvi Dizer” 530. Vendo o ranking atual, é possível perceber que, cada vez mais, as faixas são descartáveis, mas esses casos são exceções. Afinal, se sentir bem é atemporal e é isso que essas canções causam.

Já que falamos sobre o Melim, o POPline bateu um papo com o integrante Rodrigo, um dos três irmãos do grupo que faz tanto sucesso. Para ele, o sucesso das músicas “good vibes” é questão de identificação. “Acho que as pessoas se identificam por ser algo positivo, com leveza, família, amor, canções que fazem parte dos melhores momentos”, reflete.

“Vida boa, brisa e paz
Nossas brincadeiras ao entardecer
Rir à toa é bom demais
O meu melhor lugar sempre é você”

O escape da realidade, com isso, é algo que ele vivencia quase que diariamente. “Sempre recebemos muitas mensagens do tipo ‘a música de vocês me ajudou a sair de uma depressão’ ou ‘me sinto em paz ouvindo vocês’, ‘obrigado por me fazerem tão bem’. Isso mostra o poder que a música tem de conectar direto com o coração e mente das pessoas, e nós ficamos super felizes de estarmos contribuindo pra felicidade das pessoas”, disse Rodrigo.

O artista tocou em um tema importante. “No Brasil, 5,8% da população sofrem de depressão, taxa acima da média global, que é de 4,4%. Isso significa que quase 12 milhões de brasileiros sofrem com a doença, colocando o país no topo do ranking no número de casos de depressão na na América Latina, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS)”, informa o site hoje em dia. Tem também a ansiedade, descrita frequentemente como o “mal do século”. Com tantos casos dessas doenças que afetam o emocional, a busca por métodos alternativos de cura e manutenção são importes, incluindo a Musicoterapia. Com isso, essas pessoas podem fazer uma reconexão com bons sentimentos, superando casos que poderiam ser até fatais.

Mas é só de Melim que esse estilo vive. O cantor Silva é um outro exemplo forte de good vibes. Com parcerias pop e um background de MPB, ele consegue provocar bons sentimentos como em “Um Pôr do Sol na Praia”, com Ludmilla, e “Fica Tudo Bem”, com Anitta. Realmente, só pelos títulos já dá pra sentir uma coisa boa no coração, concordam?

“Você não anda bem
Precisa relaxar
Precisa de uma praia
Um pôr do sol na praia
Um pôr do sol à beira-mar”

“Esse tipo de composição sempre vai ter seu lugar. Claro que têm todas as reviravoltas do mercado, mudanças de geração, mas ah, uma melodia boa, que todo mundo quer cantar junto, vai sempre dar certo”, comentou Silva. Questionado sobre a questão do escape da realidade, ele concorda. “Acho que a música tem várias funções e uma delas é a de acalmar, de te fazer sair de uma realidade dura. A gente vive num mundo estressante demais, super barulhento e hoje tá todo mundo buscando formas de tratar a ansiedade. Ainda bem que a arte sempre arruma um jeito de suprir algo que tá faltando na gente”, disse.

Di Ferrero, que saiu da banda de Rock NX Zero e encontrou em sua carreira solo uma sonoridade mais leve. Em “Seus Sinais”, ele troca a guitarra por violão. “É um som com uma linguagem mais leve, acústico geralmente, melodias bem cantadas com letras de situações de amor cotidianas em forma de poesia simples. Valoriza a canção”, comentou o cantor ao POPline, refletindo também sobre o papel social. “Acredito que a música tem vários papeis em diferentes épocas. Às vezes, bater de frente é uma terapia, tem a religião e a crença e por aí vai. Falar de amor desse jeito simples e singelo é soltar algo que sentimos por dentro. É um desafio e, ao mesmo tempo, é o que faz gente sem muita firula com franqueza, com um som mais orgânico, fazendo o estilo crescer. É uma verdade de um sentimento exposto da qual eu me identifico e na real todas as músicas que fiz até hoje vieram desse conceito. Esse estilo me faz sentir em casa, é como eu faço desde que comecei a compor”, completa.

“Andamos sem perceber
E numa esquina qualquer
Envolta da gente o céu
E a lua como um farol”

Como não citar o Vitor Kley? Em pouco tempo, ele virou dono do “sol”, uma das músicas mais escutadas e repetidas por todas as idades. Seu visual praiano e seu jeito tranquilo de falar já adiantam o seu estilo musical, sempre bem positivo. Para não dizer que ele parou em “O Sol”, também se destacam “Morena”, “A Tal Canção pra Lua” e “Pupila”, com AnaVitória.

Na reflexão sobre o estouro do Soft Pop, Vitor Kley não acha que exista uma fórmula para o sucesso. “Eu acho que todo mundo que faz as coisas de verdade, e transcendem essa verdade para o público, as coisas acontecem. Então, sempre que eu tento fazer meus trabalhos, eu tento ser muito verdadeiro, me conectando com o público, minhas histórias com as deles. É compartilhar nossos cotidianos”, afirmou o cantor.

Kley acredita na força da música para melhorar o mundo. “A gente está fazendo nosso papel, falando coisas boas, tentando fazer com que as pessoas pensem coisas boas. No show eu tento valorizar o abraço, o amor, o respeito ao próximo. Isso é uma forma de botar adiante as coisas boas, fazer com que a galera se sinta bem e veja a vida por um lado bom”, completa.

“E quanto você vem
Tudo fica bem mais tranquilo
Ô tranquilo
Que assim seja, amém
O seu brilho é o meu abrigo, meu abrigo”

A banda mineira Lagum também entra nessa turma do soft pop. Em “Deixa”, parceria com Ana Gabriela”, eles já mobilizaram 100 milhões de reproduções no Spotify. Questionados sobre o assunto, eles ficaram reflexivos, lembrando que esse já é um fenômeno antigo na música internacional, mas também no Brasil com o MPB, como na Bossa Nova. No entanto, é uma tendência que está voltando.

“Acho que a gente está vivendo um momento cíclico em que o pop voltou muito em uma sonoridade mais orgânica e temáticas mais leves. Acho que essa junção fez esse mercado de soft ascender novamente”, explicou um dos integrantes. “Deu saudade da MPB”, disse outro.

“Acorda, mas pode ser sem pressa
Lá fora o dia começa cedo
E nós não temos nada a perder
E aqui dentro, o tempo passa lento”

Outros nomes que somam forças ao Soft Pop são Tiago Iorc (quem não foi impactado por “Amei Te Ver?”, AnaVitória (“Trevo” virou tema de muitos romances), Kell Smith (que fez todo mundo refletir com “Era Uma Vez”) e Ana Vilela (que fez uma poesia com “Trem-Bala”). Todas as músicas citadas tiveram muito impacto nos últimos anos.

É saber se sentir infinito
Num universo tão vasto e bonito, é saber sonhar
Então fazer valer a pena
Cada verso daquele poema sobre acreditar

Em conclusão, o soft pop não parece ser um fenômeno passageiro. Aqui, não se trata só de música, mas também de um sentimento, de uma necessidade que o ser humano tem que se sentir bem. A música tem como função fazer parte disso e o soft pop está cumprindo da maneira mais leve e orgânica.

Que venham mais “sóis”, “abrigos” e “trevos” na próxima década!