A música sempre foi a paixão de Dani Ribas, mesmo sem músicos na sua família. Ela sempre soube o papel que ela tinha na sua vida, no entanto, não passava pela cabeça trabalhar no mercado musical da forma em que atua hoje em dia.
Na universidade, Dani cursou História na Universidade Estadual Paulista (Unesp). Nessa época, ela tocou na noite, teve bandas, fez música autoral, shows em festivais universitários. Mas eram anos 90, não existia o digital e o caminho fonográfico era quase impossível. Essa carreira só era possível na música ao vivo. Contudo, Ribas se formou em 1998. E, depois de formada, a vida a levou novamente para as salas de aula, só que como professora.
A curiosidade científica pela indústria fonográfica a levou para o Mestrado em Sociologia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 2001.
Desde então, Dani nunca mais parou de estudar e viver da indústria musical. A sua dissertação foi sobre gravadoras e o mercado independente.
Em 2005, Dani entrou no Doutorado, também na Unicamp, para estudar processos de legitimação simbólica — ou de consagração de artistas. A defesa da tese foi feita em 2011 e, desde então, ela é professora e consultora em planejamento e gestão de carreira na música, com base em análise de dados e tendências de comportamento do público.
No ano de 2013, Dani começou a trabalhar no SESC (no Centro de Pesquisa e Formação), na equipe de coordenação de um dos primeiros cursos de Gestão Cultural do Brasil.
A Sonar Cultural Consultoria foi criada em 2015 e, desde então, Dani Ribas prestou consultorias no âmbito nacional e internacional.
Em entrevista para o POPline.Biz é Mundo da Música, Dani Ribas, fundadora da Sonar Cultural Consultoria, Doutora em Sociologia pela UNICAMP, criadora do método ID Musique, vencedora do prêmio WME na categoria Profissional do Ano 2022, professora de Music Business e consultora de planejamento e gestão de carreira na música, com base em análise de dados e tendências de comportamento de público, compartilha as experiências dos seus 25 anos de sala de aula e da sua trajetória no mercado musical.
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POPline.Biz: Quais são os principais serviços que você presta com a Sonar Cultural? Inclusive, você desenvolveu uma metodologia. O que é o ID Musique? Para o que ele serve? E para quem se destina?
Dani Ribas: A Sonar Cultural tem algumas frentes de trabalho. Eu comecei fazendo consultorias em gestão cultural para governos estaduais, municipais e até federal, também internacional. Já fiz consultorias para o Mercosul Cultural e para o governo da Holanda.
Então, essa parte de pesquisa e consultoria para governos é uma das frentes. E dentro dela, também tem a de pesquisa para festivais, feiras e eventos.
A segunda frente é de palestras e workshops, mesas, minicursos, cursos, palestras. Eu dou aula em faculdade e em cursos. Mas também posso dar aula sob demanda. Quando, por exemplo, festivais me contratam para mesas de debate e palestras.
Já a terceira frente é na consultoria para artistas com o método ID Musique e, também, de planejamento. Então, eu tenho essas consultorias que funcionam bastante para artistas, selos, agregadores digitais, editoras e, enfim, para órgãos e entidades da gestão coletiva.
Os dois principais tipos de consultoria são: planejamento de carreira, em que a gente começa falando sobre o mercado, e as possibilidades de atuação dentro do mercado até modelos de negócio.
O ID Musique, que foi fruto do meu doutorado e que ajuda a estruturar a carreira e organiza a parte criativa e estratégica de uma maneira inovadora, com base em ciências humanas, especialmente, a sociologia. Com esse método, o artista passa por um processo de entender a sua própria identidade artística de maneira aprofundada e utilizando de forma estratégica a pesquisa de público. Então, a gente entende a tendência do comportamento do público. Fui a pioneira nessa área no nosso mercado musical, porque pouca gente se dedica a esse tipo de pesquisa qualitativa e de entender motivações e interesses da audiência.
O método ID Musique tem a pesquisa de nicho. Então, para entender o diálogo criativo existente no nicho e o reposicionamento com base nesses aprendizados, conta com três áreas diferentes: identidade, público e nicho. Assim, o ID Musique ajuda a reposicionar o seu projeto musical, de acordo com os aprendizados trazidos pela exploração dessas três frentes.
POPline.Biz: Quais são os principais desafios em trabalhar no setor de consultoria e pesquisa no mercado musical? E, recentemente, você fez uma postagem na sua conta do Instagram em forma de desabafo sobre o que podemos chamar em bom português como falta de profissionalismo das pessoas as quais pedem pelos seus serviços e não entendem que ele é um trabalho e, sobretudo, um trabalho ao qual você dedicou anos se qualificando. Como você enxerga essa postura do mercado?
DR: Eu trabalho com conhecimento e qualificação, mas, basicamente, com conhecimento e conhecimento. A gente sabe que o conhecimento transforma, mas não é de uma hora para outra. Qualificar o mercado é uma tarefa de longo prazo, que deveria ser uma política para o setor. E, às vezes, fazer isso de forma autônoma é um pouco ingrato, porque se cobram resultados de uma pessoa com o seu trabalho, resultados que deveriam ser os resultados de uma política de longa duração de longo prazo, com avaliações e medições.
Então, o fato de não haver políticas voltadas para a qualificação do setor cultural é um problema que eu preciso enfrentar todos os dias e que, na verdade, não é tão difícil solução assim. Basta haver políticas específicas para isso. E acreditando na economia criativa e não no poder da cultura, não só pelo valor dela em si como pelo valor econômico dela.
Um outro desafio que veio após a pandemia é que o mercado musical, sem alternativas de shows, naquela época mais dura das restrições, foi todo mundo pra internet. E todo mundo começou a dar aula de alguma coisa, ensinando a fazer alguma coisa. Tem muita gente que não tem preparação para ser professor e que está apenas compartilhando experiências e fórmulas de sucesso. Isso não ajuda a qualificar o mercado, inclusive, causa muita ilusão.
A gente que passa por uma faculdade e que têm matérias específicas para você ser didática, para você pensar em rotinas de pensamento, em formas diferentes de explicar uma mesma informação, o mesmo conteúdo é todo um treinamento. Ser professor não é simplesmente sair falando. Então, a gente que é professor por profissão, tem um longo treinamento, um processo de aprendizado, a pesquisa é constante e toma bastante tempo.
Eu adoro aprender. Então, dedico boa parte do meu tempo a me atualizar, aprender coisas novas. Mas, ser professora exige que haja uma formação e, infelizmente, nem todas as pessoas têm essa formação, então talvez esses sejam os principais desafios. Mas dá para colocar na cesta também o fato de que o próprio mercado musical às vezes não está interessado em um processo de qualificação de formação e, por isso, querem dicas e truques para ascender na carreira muito rapidamente.
Um pouco iludidos pelas possibilidades de alcance da internet, alcance é uma coisa bem diferente de relevância. Então, eu acho que essas são as dificuldades de trabalhar com conhecimento. É uma dificuldade também que não é dessa área e de de quem trabalha com o mercado musical de maneira geral e a baixa remuneração, a baixa valorização de todas as áreas que trabalham com conhecimento, com subjetividades.
Recentemente, eu fiz um post demonstrando quantos anos uma profissional demora para se capacitar e claro, conseguir transformar o produto e serviço que oferece por conta dessa qualificação. Então esse produto se torna muito mais curto, com muito mais valor agregado e que faz diferença na vida das pessoas. E isso tem um custo e um custo em formação, né? Nesse post, eu falava por um lado que demorei anos para me formar e, por outro lado, eu estava cansada.
Era um desabafo que eu estava cansada de ter que explicar que o que eu faço é um trabalho e tem um valor e que esse valor é compatível justamente com essa qualificação. Essa postura do mercado em não querer pagar pelo trabalho, ela tem muitas dimensões diferentes do ponto de vista individual das pessoas. Tem gente que não quer pagar porque por desconhecimento mesmo, ela sabe tão pouco sobre o assunto e sobre aquele universo que ela não enxerga. O quanto isso atrapalha ela ter uma visão sobre aquele trabalho, aquele serviço. Então, um primeiro motivo por desconhecimento e por pouca informação sobre o assunto. Mas tem, claro, os oportunistas que jogam verde para ver se realmente é necessário pagar e tem esse mau-caráter e que que jogam com isso e que não querem realmente pagar. Agora, a gente não pode analisar isso só pelo ponto de vista individual.
Eu acho que a gente tem que analisar também do ponto de vista de como o mercado cultural, de maneira geral, é visto de forma pouco profissional e que os seus profissionais não têm qualificação e porque vivem das artes, podem se dar ao luxo de viver a vida brincando. Não é nada disso. A gente sabe que os profissionais de economia criativa têm uma média de estudo maior do que outras categorias profissionais no Brasil, portanto, isso não corresponde de forma alguma à realidade.
Mas então, do ponto de vista coletivo, é difícil a gente dar valor à atividade cultural. O que me deixava mais triste é que está relatado ali naquele post, porque às vezes o próprio meio cultural não enxerga esse valor. Eu já disse em uma pergunta anterior em que eu trabalho com conhecimento, com qualificação e formação. Só vai perceber o valor desse tipo de serviço quem passa por ele, porque até você não passar por um processo de qualificação e vê o seu universo ser ampliado, o seu pensamento atingir lugares que você não tinha atingido. Isso refletindo se o trabalho artístico que você faz, que você realiza nos projetos que você realiza, até a pessoa não passar por essa qualificação, ela não vê o valor.
É muito triste que colegas do meio musical, eventos grandes e patrocinados do meio cultural do meio musical, especificamente, achem que só fazer um convite para você participar do evento é mais do que suficiente, porque, afinal de contas, ele está te dando a oportunidade de participar do evento.
É muito triste quando os eventos não valorizam. É muito triste quando artistas querem marcar um café com você para obter informações e acham que eu só tomo café com as pessoas e que isso não é um trabalho, que isso não é consultoria.
Aquele post foi um desabafo. Eu acho que acontece por causas individuais, seja porque não tem conhecimento, seja por oportunismo, seja por mau-caratismo. Mas o fato é que também isso tem uma dimensão coletiva de contracultura e ainda é uma área marginal que não consegue demonstrar o seu valor.
POPline.Biz: Depois da postagem alguma coisa mudou na hora de contactar os seus serviços?
DR: Nada mudou após o post. Para mudar precisa ter política de qualificação do setor, e então nós, profissionais da área, seremos mais valorizados. Além disso, o próprio meio musical precisa enxergar o valor da qualificação.
A postagem pode ser conferida abaixo:
POPline.Biz: No ano passado, a sua trajetória profissional teve o reconhecimento no prêmio de Profissional do Ano do WME. Como foi receber essa premiação? E como você analisa iniciativas como essa no mercado musical?
DR: Um prêmio como o WME — e a categoria profissional do ano — certamente ajuda a valorizar a profissão. Eu falei na entrega do prêmio (logo após as eleições de Lula): esse é o Brasil que a gente quer, um país que premia professores.
Esse tipo de iniciativa é fundamental para a valorização das mulheres da música, para a visibilidade do trabalho dessas mulheres, para a representatividade, e para colocar em pauta o fato de que equidade é assunto de todos, não só de mulheres, pois um mercado mais justo e igualitário é mais acolhedor para todes.