Após 41 anos da partida de Elis Regina, Maria Rita reencontra a mãe em dueto musical inédito para a campanha em celebração aos 70 anos da Volkswagen no Brasil.
Com ‘Como Nossos Pais’, canção de Belchior eternizada na voz de Elis, de trilha sonora, a campanha publicitária usa a inteligência artificial para a campanha institucional, que destaca a evolução da marca e de seu portfólio de produtos.
No entanto, a repercussão e os comentários da campanha, no meio dos profissionais do mercado do entretenimento, ficaram divididos entre a emoção do reencontro entre mãe e filha, e quais possíveis desdobramentos e regulamentações estão envolvidas no processo do uso de imagem e música, por meio da inteligência artificial.
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O filme traz esse momento fictício e inicia com Maria Rita ao volante do ID. Buzz, que é a versão 100% elétrica da Kombi. Na mesma estrada, a mãe, Elis Regina, segue dirigindo a Kombi clássica. Juntas, elas cantam ‘Como nossos pais’, com o objetivo de mostrar que ‘o novo sempre vem’. A peça publicitária é assinada pela AlmapBBDO e foi produzida pela Boiler Filmes.
Segundo o vice-presidente de Vendas & Marketing da Volkswagen do Brasil, Roger Corassa, a Volkswagen Brasil tem o compromisso de ser uma empresa cada vez mais humana e próxima das pessoas. Para ele, não há nada mais emocionante do que promover um encontro inédito entre a mãe Elis Regina e a filha Maria Rita, dois ícones da música que estão nos corações dos brasileiros.
“A Volkswagen do Brasil, que neste ano celebra seus 70 anos de história e sucesso no País. Com a campanha, a Volkswagen destaca a evolução da marca e a renovação do seu portfólio de produtos, mostrando que ‘o novo sempre vem’. Ao unir a Kombi, um ícone do passado, com o ID. Buzz, a versão 100% elétrica do modelo, que chega ao Brasil em lote limitado de 70 unidades, fortalece a presença do País na estratégia global de eletrificação da marca”, diz o vice-presidente de Vendas & Marketing da Volkswagen do Brasil, Roger Corassa.
O encontro criado por Inteligência Artificial
O filme contou com tecnologia de inteligência artificial treinada especificamente para reconhecimento facial de Elis Regina, diferentemente do que são feitos em projetos de IA que utilizam tecnologia pré-treinadas a partir de dados genéricos.
Criado pela AlmapBBDO e produzido pela Boiler Filmes, com direção de cena de Dulcidio Caldeira, a pós-produção foi feita por uma produtora americana especializada e com repertório de projetos realizados para a indústria cinematográfica de Hollywood. Durante dias, a IA recebeu extensivos treinamentos com diferentes tecnologias, combinando a atuação da dublê com os movimentos e imagens de Elis, chegando ao inédito resultado do rosto da cantora.
“Esse trabalho representa muito para todas as partes envolvidas. Nele, está a história da Volkswagen com os brasileiros, a história interrompida de Elis Regina e Maria Rita e, para nós da AlmapBBDO, está a nossa história de mais de 60 anos juntos com a marca no Brasil. A campanha usa uma tecnologia sofisticada para um propósito muito humano: emocionar. Estamos promovendo um dueto inédito que só era possível na imaginação e que agora se torna absolutamente real durante os dois minutos do filme”, comenta Marco Giannelli (Pernil), CCO da AlmapBBDO.
Além de estreia na TV aberta, a estratégia de comunicação conta com materiais Out of Home, mídias digitais e ativações no The Town, festival de música que conta com o patrocínio da Volkswagen do Brasil e será realizado em setembro de 2023, no Autódromo de Interlagos, em São Paulo (SP), e que contará com Maria Rita entre as atrações.
O debate em torno da Inteligência Artificial no encontro entre mãe e filha
A música ‘Como Nossos Pais’, eternizada na voz de Elis Regina, é de autoria de Belchior, que faleceu em 2017. O fonograma da canção, interpretada pela cantora, é controlado pela Universal Music Brasil.
“A campanha ‘O Novo Veio de Novo’ que emocionou o Brasil esta semana, trouxe também uma grande oportunidade de apresentar o clássico atemporal gravado por Elis Regina em 1976 às novas gerações, fomentando conversas e promovendo um novo ciclo de consumo de ‘Como Nossos Pais’ neste dueto inédito com a Maria Rita”, declara Cláudio Vargas, VP Comercial da Universal Music Brasil.
O advogado Gustavo Fortunato, especialista em propriedade intelectual, explica que assim como é preciso ter a liberação do fonograma da performance da cantora, é necessário também a da obra de Belchior.
“Não é possível fazer uma nova gravação e sincronização em peça publicitária, sem que seja obtida a autorização dos titulares dos direitos dessa obra. Então, em que pese todo o debate sobre o verdadeiro significado da música e sua desconformidade com o tema da campanha, esse uso foi sim aprovado por aqueles que fazem a gestão do catálogo do Belchior”, pontua Gustavo Fortunato, advogado especializado em propriedade intelectual.
Já em relação à imagem de Elis, o advogado explica que é um ponto delicado, uma vez que o direito de imagem é um direito de personalidade, que não é transmissível aos herdeiros
“Eu não participei e nem tive acesso às negociações do caso, mas pelo que eu tenho visto a autorização foi obtida com a família da Elis Regina. A meu ver, esse tipo de autorização é equivocado. Isso porque, o direito de imagem é um direito de personalidade e uma característica muito forte desse direito é o fato de que ele não é transmissível aos herdeiros. O que significa que, em tese, eles não são legitimados para autorizar processos de ressurreição digital”, explica Gustavo Fortunato, advogado especializado em propriedade intelectual.
“Quando um herdeiro questiona o uso da imagem de um ente falecido, ele o faz pois entende que esse uso o ofende enquanto familiar, não pode agir em nome da pessoa morta. A família, portanto, atua como um guardião do legado que aquela pessoa construiu em vida, de forma alguma ela está legitimada a criar material novo em nome do falecido. Dessa forma, se entendermos que os familiares são legitimados para autorizar a criação de material novo, eles são alçados de guardiões a titulares da imagem do falecido, algo que vai totalmente de encontro com o instituto dos direitos de personalidade”, completa.
No entanto, Fortunato aponta que até o momento, não se tem o conhecimento de nenhuma jurisprudência sobre o tema, justamente por ser algo muito novo. Mas, ele pontua que acredita que seja uma questão de tempo até que isso mude.
Para Luiz Cavalheiros e Marcos Lamb, professores do curso de Comunicação e Publicidade da ESPM, a realização técnica do comercial da Volkswagen, usando Inteligência Artificial, aumenta a responsabilidade do criativo na geração de grandes ideias e aprofunda o debate ético a autoral sobre usos da nova tecnologia.
“O principal fundamento da publicidade, que é a ideia, agora pode contar com a vantagem do apoio tecnológico para viabilizá-la. Hoje qualquer ideia perfeita vai funcionar”, diz Luiz Cavalheiros, publicitário e professor do curso de Comunicação e Publicidade da ESPM Rio.
Marcos Lamb, professor do curso de Comunicação e Publicidade da ESPM Porto Alegre, destaca dois pontos: o da emoção, como pode ser visto no filme da VW, e o racional, em que o uso da IA ajuda, por exemplo, na análise de dados e no relacionamento direto com o consumidor.
“O uso da IA expande as possibilidades criativas e também tem sido fundamental para a gestão da publicidade online”, diz Marcos Lamb, professor do curso de Comunicação e Publicidade da ESPM Porto Alegre.
No entanto, os professores ainda afirmam que nem tudo é positivo em relação às questões sobre Inteligência Artificial, mesmo na propaganda. Cavalheiros lembra que com o aperfeiçoamento das ferramentas ficará mais difícil identificar o que é real e o debate sobre regulação na indústria da comunicação será mais exigido.
“Em uma publicidade sem limites, pode-se usar um deepfake para o bem ou para o mal. E surge outra questão que é sobre direitos autorais, uma vez que a IA pode evoluir a ponto de fazer parte do processo criativo”, pontua Luiz Cavalheiros.
Quanto ao enriquecimento do debate em torno da nova tecnologia na sociedade, promovido pela peça publicitária, Gustavo Fortunato acredita que a campanha abriu os olhos das pessoas para a importância de se discutir as implicações da recriação póstuma.
“Apesar de boa parte da discussão ainda ser muito focada na parte ética, se é certo ou não recriar alguém ou se ela estaria de acordo com aquele uso, me parece que a classe artística percebeu que não adianta fechar os olhos para a tecnologia e que é preciso entender o que está acontecendo e como estabelecer regras para o uso da imagem após a morte”, finaliza.