Enquanto a TV Globo reprisava um “Altas Horas” de 2015 na noite de sábado (11/4), 1,6 milhão espectadores assistiam ao Gusttavo Lima no Youtube. No domingo (12/4) de Páscoa, o mesmo canal reprisou a final da Copa do Mundo de 2002 – e vendeu isso como um presente para os telespectadores. Na Internet, Michel Teló, Avine Vinny, Turma do Pagode e Parangolé comandaram “lives” ao mesmo tempo, sem contar o Festival Fome de Música, que trouxe Ludmilla, Giulia Be e Pedro Sampaio, entre outros, apresentando-se remotamente.
Quando entrei para a faculdade de Jornalismo, e lá se vão 12 anos (caramba! Isso tudo?), muito se falava sobre “o fim do impresso” e como a televisão precisava se reinventar para não ser engolida pela Internet. Ouso dizer que, durante o isolamento social provocado pela pandemia de coronavírus, a web engoliu mesmo. A cobertura jornalística 24 horas na TV está arrasando – e lembrando para a população a importância de informações seguras – mas o entretenimento televisivo é uma vergonha. Não é possível que um monte de reprises seja o máximo que a maior emissora de TV do país (e uma das maiores do mundo!) possa oferecer. Eu tenho brincado com amigos que a Globo virou uma junção dos canais Globo News e Viva.
No primeiro momento, aplaudi a suspensão das produções das novelas, programas de auditório e de variedades – pelo bem estar e segurança dos profissionais. Mas, nos Estados Unidos, temos Jimmy Fallon e Andy Cohen apresentando seus programas de casa – com direito a entrevistas inéditas e até performances musicais (Dua Lipa no sofá da casa dela foi ímpar). Por aqui, Copa de 2002 e “Fina Estampa” (2011). Parece o apocalipse. Na Internet, a história é outra. Gusttavo Lima surpreendeu o país com sua primeira “live” bem produzida, seguida de Jorge & Mateus e Marília Mendonça, todos quebrando recorde de audiência. Eu olho o que eles fazem, com pouca equipe e infraestrutura, e me pergunto: isso tudo poderia estar na TV. As reprises foram uma solução imediata, mas é preciso pensar no segundo estágio. Não sabemos quanto tempo vamos ficar presos em casa, e as previsões não são animadoras. Talvez eu e você tenhamos condições de pagar serviços de streaming e acessar outros conteúdos, mas essa não é a realidade da maior parte da população. TV aberta ainda é sim muito importante no Brasil. É o veículo de maior alcance no país.
No dia 8 de abril, a “live” de Marília Mendonça chegou a ter 3,2 milhões espectadores simultâneos no Youtube. Se fosse na TV, equivaleria a 12,2 pontos na audiência. É mais do que a média de audiência da Record e do SBT no mesmo dia. O show da cantora, transmitido apenas na Internet e replicado clandestinamente em diversos outros canais no Youtube (o que significa que o alcance simultâneo foi muito maior), afetou inclusive a audiência do “Jornal Nacional” – que perdeu 1,9 ponto de audiência com relação às semanas anteriores. Não lembro de outra vez em que a Internet afetou a audiência televisiva tão diretamente. Na prática, o que Marília fez? Simplesmente cantou, com base pré-gravada (sem banda), e três câmeras (se eu percebi bem). Iniciativa simples, mas criativa nas atuais circunstâncias.
É a hora da TV correr atrás. O mundo da música brasileira foi o primeiro a reagir e a encontrar caminhos possíveis. Tem dado aula. Se artistas conseguem entregar uma grande programação quase todos os dias na Internet, produções de TV também são capazes. Cantores estão ditando tendências neste atual cenário, mas o Fábio Porchat, por exemplo, realiza entrevistas diárias em “lives” no Instagram. Aqui no POPline, o quadro “Então Tá, Vamos Falar de Música Pop” também fez isso. Uma iniciativa teste partiu do canal pago Multishow no fim de semana, ao se apropriar do Festival Fome de Música e transmiti-lo ao vivo na TV. Ótimo. Ouvi dizer que a Globo também está organizando seu próprio festival, inspirando em tudo que vem rolando no Instagram e no Youtube nas últimas semanas. Legal também. O povo precisa de conteúdo. Novela e partidas de futebol velhos, já vimos.
A Rede Record anunciou que transmitirá ao vivo a “live” da dupla Fernando e Sorocaba, no sábado (18/4). A MTV Brasil, na mesma noite, transmitirá o festival internacional “One World: Togethet At Home”, promovido por Lady Gaga, com grandes nomes da música. A Globo será a responsável por exibir o evento na TV aberta, no dia seguinte. Parece que o “segundo estágio” do entretenimento televisivo será a apropriação do que já é feito para a Internet. A TV recuou mesmo. Para não ser injusto, a Globo anunciou que vai esticar o “BBB” por quatro dias (o que não faz tanta diferença) e voltar com o “Encontro com Fátima Bernardes” na semana que vem (não sei em que condições, mas é disso que estou falando!).
Produtores de TV precisam sair da caixinha e tentar antecipar tendências, não apenas ficar na esteira. O “BBB”, goste você ou não do reality show, conseguiu escalar vários artistas para shows remotos nas festas que acontecem na casa – uma pena que só passem no pay per view. Imagine um show da Ivete Sangalo na TV para todo Brasil, direto da casa dela. Ou da Anitta, sei lá. Gil, Caetano, Milton… Diversos espetáculos teatrais estão disponibilizando suas filmagens gratuitamente na Internet. Tenho certeza que muitos artistas de teatro dariam tudo para que essas montagens fossem exibidas na TV, alcançando um público incomparável. São muitas as opções do que fazer. Galera da TV, vocês serão melhores do que para pensar em soluções e maneiras de viabilizá-las sem colocar ninguém em risco nem desrespeitar as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Só queria dar um puxão de orelha mesmo. A gente, a sociedade, não quer só informação. A gente quer informação, diversão e arte. Reprise deixa pro “Vale a Pena Ver de Novo”.
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