O tema da coluna deste domingo seria outro, mas fiquei impressionado com a vontade de Justin Bieber em ser nº1 nas paradas com o single “Yummy”. Ele entrou em “lives” no Instagram diversas vezes, conversou diretamente com os fãs e pediu POR FAVOR para que todos comprem e ouçam a música. “Estou páreo a páreo pelo 1º lugar e todo download conta neste momento”, disse. “Se esse single não for nº1, não vou voltar com a turnê”, brincou. Ele também postou – e se arrependeu, porque apagou – uma imagem explicando como fãs de fora dos Estados Unidos poderiam fraudar os serviços de streaming e contabilizar reproduções como se estivessem no país – pontuando para a Billboard Hot 100. Muitos disseram que ele está “desesperado”. Eu prefiro dizer que ele está equivocado.
A fortuna estimada de Justin Bieber é de US$ 285 milhões, segundo a Forbes. Com 25 anos de idade, ele vive em uma mansão de US$ 8,5 milhões em Beverly Hills. Profissionalmente, é um sucesso inquestionável: são quatro álbuns nº1 nas paradas, cinco singles nº1 na Billboard Hot 100, e um Grammy que deve matar de inveja outros ícones pop de sua geração. Justin Bieber não tem motivo para se desesperar. Ele só é vítima de um mecanismo que o engoliu. Seu comportamento atual demonstra que ele está menos preocupado se as pessoas gostaram de sua música e mais preocupado em alcançar um posto – ainda que de maneira fraudulenta, não representando absolutamente nada.
O cantor canadense é parte da geração Z, nascida e crescida com a Internet, que é associada à velocidade, instantaneidade, efemeridade e descartabilidade. Sou só um pouco mais velho, mas “no meu tempo” o mecanismo das paradas era diferente. Pontuavam vendas e reproduções nas rádios, e elas importavam mais à indústria do que ao público. Realmente significavam que músicas e álbuns estavam alcançando mais gente. Esse era o verdadeiro interesse de qualquer artista. Para o fã, não importava se o ídolo estava no 1º ou 100º lugar: a gente só amava as músicas. Hoje, os fãs querem seus ídolos no topo. Atualmente, a música é lançada e, em minutos, você já tem sua posição nos rankings dos serviços digitais (e a consequente definição se é sucesso ou fracasso). Em tese, as paradas ainda representam o consumo, mas sabemos que não é assim na prática. Em muitos casos, as posições mais altas podem ser alcançadas por músicas de artistas com menos ouvintes, porém mais engajados. Fandoms se organizam para inflar números de vendas e streams, com IPs falsos, para simular um consumo coletivo inexistente. Matematicamente, é mais interessante ter um público de cinco pessoas que ouvem sua música dez vezes ao dia no mudo (50 streams) do que um público de dez pessoas que ouve sua música só uma vez ao dia (10 streams), compreende? Justin Bieber sabe disso. As paradas não são mais reflexos do que realmente está tocando e sendo consumido: tornaram-se uma batalha de fã-clubes. Que vençam os mais dedicados. Claro que um single nº1 na Billboard ainda tem um peso, mas acredito que ele é maior para artistas iniciantes, que precisam se provar. Não é o caso de Justin Bieber mais.
Parece que tudo que importa é chegar ao topo da Hot 100, mesmo ciente de que sua obra é imemorável. Justin Bieber não é o único refém do topo das paradas. Nicki Minaj, por exemplo, também dá muita importância para isso – ainda que goste de dizer que não. Por pelo menos duas vezes, ela confrontou o sistema de contagem da Billboard, sentindo-se injustiçada. Quando lançou seu último álbum, “Queen”, e ficou em 2º lugar na parada americana, ela questionou os métodos usados por Travis Scott para chegar à liderança – vendendo seu álbum junto com outros produtos, como roupas e acessórios. Ela estava certa no questionamento – tanto que a Billboard anunciou mudanças para a consideração das vendas casadas em 2020 – mas, cá entre nós, Nicki, que diferença faz? O importante é aparecer no 1º lugar ou realmente ter seu álbum escutado?
Outro que ficou cego no topo das paradas foi DJ Khaled no ano passado. Ele estudou até entrar com um processo contra a Billboard, porque se sentiu lesado quando a empresa não considerou 100 mil downloads do disco “Father of Ashad”, que foram vendidos juntos com um energético. A Billboard entende que os consumidores compraram o energético e ganharam o álbum de presente, e não o contrário. Alguém discorda? Vamos supor que DJ Khaled atrelou o álbum ao energético pensando apenas em disseminar suas músicas mais amplamente, alcançando um público diferente: ele não deveria, então, estar contente? Deu certo, não deu? Mas, sem o 1º lugar da parada, ele se frustrou. Dizem que ele entrou aos berros no escritório da gravadora. Cara, vá comemorar! Seu álbum ficou em 2º e milhares de pessoas o adquiriram, de uma maneira ou de outra.
Todo mundo quer ser um sucesso em sua área de atuação. Na música, é tratado como sinônimo o sucesso e o topo das paradas. Esse pode até ser um indicador, mas sucesso definitivamente não se limita a tal. Se sua canção muda a vida de alguém, é um sucesso. Se você esgota ingressos para seus shows, é um sucesso. Se você sobrevive de sua música, é um sucesso. Se você ganha prêmios, é um sucesso. Se cantarolam suas composições, é um sucesso. Se você vive em uma mansão de US$ 8 milhões adquirida com sua carreira musical, é um sucesso. Há vários medidores e as paradas não detêm a verdade absoluta – apenas a matemática.
A batalha para ser nº1 na Billboard ou em qualquer outro lugar não é saudável. Justin Bieber está, sim, fazendo um papelão e não precisa disso. Nicki Minaj se estressa à toa, sim, porque já fez história e está riquíssima. DJ Khaled perdeu a chance de comemorar uma conquista, sim, se sentindo um fracassado sem motivo. Na boa, de que vale um nº1 adquirido com IPs falsos e fãs focados em mutirões em playlists repetitivas com caixas de som no mudo? Francamente.
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