Se você acha que sua vida está sendo difícil nessa quarentena, imagina: viver, namorar, estudar, trabalhar em um lugar sem Instagram, sem Tiktok, sem Tinder, sem Zoom, sem Spotify, sem Netflix, sem YouTube, sem Redes Sociais, sem Wi-Fi, sem celular… Inimaginável né?! Mas esse lugar existe, ou melhor existiu, e se chama Anos 80.
Incríveis em vários sentidos, os 80’s foram dez anos que, com certeza, produziram os looks e fotos mais bregas do que todas as décadas anteriores e posteriores. Era um festival colorido de mullets, ombreiras, laquês e polainas. Então, sorte nossa que não tinha Instagram. Por outro lado, na música, poucas décadas foram tão fodas. Tudo brotou lindamente naqueles dez anos. Principalmente o Rock’n’Roll.
E eu tive a sorte de ter sido adolescente naquela época. E é na adolescência que os astros e a neurolinguística decidem o que você vai gostar pro resto da vida. Saiba disso. Pois, você vai na sua primeira baladinha atrás daquele crush e pra se enturmar precisa curtir o que a tribo curte. E aí já era, quando vê já tá usando bandana e camisa com a foto do seu ídolo.
No meu caso, rolou um Fast Forward: eu pulei direto da primeira fila dos shows de rock, pra no ano seguinte ir trabalhar numa loja de discos vendendo os LPs e K7s destes mesmos caras; e uns poucos anos depois, estar trabalhando diretamente com eles, numa coisa doida chamada gravadora. Tudo em um curto período de tempo conhecido como Anos 80.
Já tentei várias vezes identificar qual foi “o dia zero” que a música mudou minha vida de um modo definitivo. Não sei se foi quando caiu na minha mão o “Unforgettable Fire” do U2, que mudou minha percepção pra algumas coisas; se foi quando assisti a um show com a Rita Lee leeteralmente voando num ginásio lotado; se foi numa dessas festinhas dançando “Rock Lobster” dos B’52’s; ou vendo Raul Seixas no Fantástico; ou ouvindo sem parar o “Almanaque” do Chico Buarque, primeiro LP que comprei; furando os primeiros discos da Legião Urbana (o branco ainda com Negrette no baixo) e dos Titãs (o cinza ainda com André na bateria); ou se foi nas brigas Progressivo x Metal e New Wave x Punk no recreio do colégio.
Acho que tudo isso misturado.
Mas, teve um dia que sacudiu de vez minha cabeça. Dia 11 de Janeiro de 1985. Eu vim pro Rio sozinho sacolejando no busão por 1.600km. Passei muito mal atravessando a serra. Já azul esverdeado, peguei outro ônibus na rodoviária, sem escapar de ser assaltado bem ali no ponto. Mais um outro ônibus no tal alvorada, e consegui chegar numa longínqua Jacarepaguá, para finalmente colocar meus pés no – até então seco – gramado do Rock in Rio. Primeiros acordes rolando…
Aquilo mudou minha vida. Foi uma experiência extrassensorial bizarra, pois, cheguei lá completamente sozinho sem ter nem onde ficar direito e fui ficando, na casa de uns amigos de amigos e assim foi.
Não tenho nenhuma foto, nenhum registro, nenhuma rede social pra me ajudar a lembrar daqueles dias. Mas nem preciso. Tá tudo devidamente registrado aqui, salvo incólume neste meu HD velhinho de guerra, tão encharcado de álcool. Lembro com clareza de detalhes dos shows, das luzes, da lama, de não saber cantar direito Love Of My Life, quando literalmente todo mundo tava cantando ao meu redor, de me arrepiar com o Cazuza, o Herbert, a Fernandinha (!!!), o Rod Stewart, o Angus Young, o Chris Squire, o Bruce & o Eddie, o Ozzy, a Kate Pierson, o James Taylor, o Evandro, a Paulinha, o Ozzy, a Nina…
Lembro muito de ouvir o dia inteiro na Rádio Cidade tocando “Still Loving You” dos Scorpions, talvez o grande sucesso radiofônico daquele festival, com vinheta cidaaaade encaixada no meio do refrão e tudo. Muito mais do que muitas músicas que hoje as pessoas relembram como emblemáticas do evento. Vai entender né, rádio sempre foi um pouco mais “primo brega” do que as memórias dos jornalistas.
Não sei se sim ou não, mas talvez, dentro daquela van na Lagoa Rodrigo de Freitas, uns anos depois, sentado ali entre o Klaus Meine e o Rudolf Schenker eu estivesse pensando naquele dia de Janeiro debaixo de chuva ouvindo os caras na rádio e vendo no show.
Tava indo para o Teatro Fênix gravar o Faustão com eles. Todos os fanzines, críticos e fã-clubes de metal do Brasil e do mundo detonando a gente, porque eu tava “cometendo a heresia de levar uma banda do sacrossanto metal pra gravar um programa brega de tv aberta”. Mas fazer o quê?! Era meu trabalho.
Foto: Alexandre Ktenas e os músicos da banda Scorpions no Faustão. Créditos: Acervo Pessoal, Alexandre Ktenas
E os caras ali, na van, alheios a essa guerra, filmando o Corcovado com uma câmera que eu nunca tinha visto até então, com um visor gigante que nos meados dos anos 90, eram coisa de outro mundo (tipo só na Alemanha, terra deles).
De perto, todo mundo é meio estranho né?! De tudo que fizemos àqueles dias com os caras, a saída da gravação do Faustão me impressionou muito. Eles, com seus cabelos pintados de preto – muito preto – pingando suor preto, mal terminaram de cantar a última estrofe do Still Loving You e do palco do programa,entraram direto em roupões também pretos, daqueles que o vovô usa pra pegar o jornal na porta de casa, só que pretos.
Pularam de volta pra dentro van dessa forma, e pediram para ir direto conhecer a fauna e a flora de Copacabana, cantando “My Name is Lola”.Segundos depois, cada um daqueles alemães já estava perdido em algum “inferninho” diferente ali, gritando por alguma tradução simultânea minha com as habitantes locais. Mandei o leão da montanha, joguei a fumacinha ninja numa saída rápida pela esquerda, sempre. No dia seguinte, eu tinha que encarar reunião de Marketing cedo. Eles não.
Naquele tempo eu nem sabia, mas Klaus, Rudolf & cia foram só os primeiros daquele Rock in Rio de 85 com quem acabaria esbarrando pela vida na música. Mas, tive ainda muito mais sorte!
Pois, me juntei à maravilhosa Rita Lee no disco dos Beatles de 2002; ao queridíssimo Tremendão Erasmo já lá na Abril num disco lindo com a Marisa Monte; com a Elba na Polygram; o Alceu bem depois; e ainda o Ney num disco histórico cantando Chico; e o Ivan em vários; teve também Evandro; Lulu; Moraes; e teve até o Yes!
Aliás, com o Yes tem uma história ótima…
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Alexandre Ktenas trabalha com música desde sempre, nos quatro cantos desse negócio, com larga experiência na indústria fonográfica no Brasil, America Latina, Caribe e EUA. Hoje é sócio da agência de conteúdo digital Kontente e de lindos selos de música pop como o Inbraza. Habitante do mundo da música.
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