A chuva prometida para o último dia de Lollapalooza Brasil até que chegou ao Autódromo de Interlagos. Mas parece que os deuses da música resolveram esperar a despedida de Kendrick Lamar, último headliner do Palco Budweiser, para enfim dar os acordes finais de uma edição que vai ficar marcada pelos problemas climáticos que causaram a interrupção do festival no sábado (6) e pelo brilho dos artistas nacionais que, decididamente, brilharam em condições de igualdade a um line up não tão interessante dos gringos. Neste domingo (7), o público presente foi de 76 mil pessoas.
O Brasil tem agora, de fato, uma diva pop pra chamar de sua. IZA foi recebida com entusiasmo pelo público do Palco Adidas que cantou e dançou do início ao fim com seus sucessos. “Ginga”, “Esse Brilho é Meu” e “Te Pegar” apareceram ao lado de covers que mostraram todo domínio e potência vocal da cantora. “Bad Romance”, da Lady Gaga, apareceu em versão mais lenta. Já “What’s My Name”, parceria da Rihanna e do Drake, foi uma escolha dos fãs na internet. Mesmo sem saber da letra, IZA topou o desafio e foi acompanhada pelo grande coral. Mas as escolhas da cantora não se restringem ao pop: também houve versões de Ray Charles e Natiruts, prova de que IZA passeia por diversos estilos.
Uma das cenas mais fortes (e lindas) de todo o festival foi o momento em que parte do famoso discurso de Martin Luther King, um dos mais importantes líderes do movimento dos direitos civis dos negros, é exibido para a plateia, que aos poucos ergue os punhos cerrados em sinal de luta e resistência. A participação de Marcelo Falcão em “Pesadão” e a belíssima “Dona de Mim” deram os toques finais à uma apresentação consagradora de IZA. “Estou me sentindo muito amada agora, de verdade. Amei cantar para vocês. 2019 vai ser o melhor ano da sua vida”, profetizou ao público antes de deixar o palco sob fortes aplausos dignos de uma rainha. (veja a entrevista do POPline com a IZA em nosso Instagram)
O Years And Years promoveu uma balada mística em sua primeira apresentação no país. Se não contou com uma plateia lotada, os fãs que lá estiveram se mostraram bastante devotados ao vocalista Olly Alexander, que eventualmente era saudado com gritos de ‘Olly eu te amo’. Apesar de ainda não contar com um repertório de peso, o trio honrou as tradições do bom electropop britânico ao mostrar as canções do mais recente álbum Palo Santo (2018) e Communion (2015). Os hits “Desire”, “Shine”, “Hallelujah”, “Worship” e “King” foram acompanhados por um público que, à aquela altura, já curtia pisando na lama e exibia orgulhosamente suas bandeiras coloridas do movimento LGBTI.
Assumidamente homossexual, o perfomático Olly abraçou muitas dessas bandeiras, mostrou canções mais diretas sobre sua sexualidade e elogiou bastante a beleza dos homens brasileiros. Mas a apresentação não se limita a este tema e vai além ao exibir nos telões projeções com uma vibe bem mística, uma vez que o último trabalho aborda questões religiosas. “Essa é a nossa primeira vez no Brasil e está sendo incrível pra c! Que show louco. Amamos muito vocês também”, devolvia Olly. Certamente é uma das bandas que não tardará para voltar ao país depois de tamanha sinergia. (a entrevista do POPline com o Years And Years irá ao ar em breve)
Por justiça, temos de mencionar que as apresentações do rapper Kendrick Lamar e dos roqueiros do Greta Van Fleet superaram as expectativas e figuram entre as melhores performances do festival. Mas talvez nada tenha sido maior do que o surpreendente retorno do Twenty One Pilots ao festival. O baterista Josh Dun sobe ao palco com uma tocha e o vocalista e multi-instrumentista Tyler Joseph surge em cima de uma carcaça de um carro que termina literalmente incendiada em cima do palco para delírio dos fãs. Até a atriz Bruna Marquezine foi vista enlouquecida na plateia. Somente esta ousadia cenográfica já seria digna de uma menção honrosa, uma vez que a grande maioria dos artistas apostam em efeitos de telão. Mas eles vão além: Tyler subiu numa torre da cabine de transmissão enquanto Josh literalmente tocou bateria sendo equilibrado pela plateia.
Ao misturar hard rock, pop, eletrônico, rap e até country, o duo faz questão de não se ater a um gênero e tem o desejo de ser grande. “Jumpsuit”, “Levitate”, “Heathens”, “Ride” e “Stressed Out” são bons exemplos de hits diferentes entre si e que, de alguma forma, dialogam bem entre si. “Será que vocês conseguem gritar mais alto que o público da Argentina?”, indaga o vocalista. Nem precisava. A caótica apresentação (um caos organizado, temos de dizer) terminou com jovens e adultos batendo cabeça sob chuva de papel picado e com muitos deles garantindo terem visto o melhor show desta oitava edição do festival.
De um modo geral, a estrutura do Lollapalooza Brasil mais uma vez funcionou muito bem. Não houve lotação máxima em nenhum dos três dias, o que facilitou muito o deslocamento do público de um palco para outro (e as distâncias não são tão amigáveis assim). Uma novidade foi uma espécie de “open bar” de água, com a distribuição gratuita de squeezes para quem não tinha uma garrafa plástica própria. A saída do público também merece elogios: mesmo com o volume de pessoas deixando o Autódromo praticamente ao mesmo tempo, não houve longas demoras tanto na estação de trem Autódromo (da CPTM), como nas linhas especiais de ônibus para o terminal Santo Amaro e na grande quantidade de táxis. A cada ano, a organização tem ajustado pequenos detalhes e feito do Lollapalooza um evento praticamente sem defeitos e, claro, imperdível.