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Sound Carriers – O que carrega a música e pra onde a música te carrega

Alexandre Ktenas - Trabalha com música desde sempre, nos quatro cantos desse negócio, com larga experiência na indústria fonográfica no Brasil, America Latina, Caribe e EUA. Hoje é sócio da agência de conteúdo digital Kontente e de selos de música pop como o Inbraza. Habitante do mundo da música.
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Adoro zapear rádio. É uma mania, quase um TOC. Viajar de carro comigo deve beirar o insuportável, pois, não paro de clicar de FM em FM.

Prefiro não saber que música vem pela frente, gosto do elemento surpresa: de ouvir o sotaque do radialista, a chamada do comércio local, a vinheta no meio da música, de descobrir novos sons, novos sucessos, de saber o que está rolando. As plataformas de streaming, com suas playlists e seus destaques cada vez mais criativos e elaborados, dão uma emoção diferente, nem melhor nem pior.

Mas, se somar as duas, meter no liquidificador e dividir por dois dá um cheiro do que tá rolando no gosto popular. Uma das melhores brincadeiras nestes nossos tempos no mundo da música. 

E foi zapeando na rádio essa semana que de repente me bati com a música que não ouvia há milênios, “Nem Pensar” do Kleiton & Kledir (dá um google aí).

 

 

Uma letra brejeira, ultra simples (“Eu, hein? / Nem pensar / Outra vez, nem pensar / Embolou, foi demais / Pega leve, baby”) e uma melodia tão ‘comfort food’ que me transportou no tempo e no espaço.

Fui parar na casa dos meus pais, ouvindo esse LP no modo ‘repeat’, um disco lindo que tinha até uma versão gaúcha de “Bridge Over Troubled Water” do Simon & Garfunkel. Ali no carro, me senti sentado no sofá de casa ainda criança, quase sentia o cheiro. Para mim esse é o maior poder da música: o de te levar pra longe, te carregar.

 


Música carrega, emociona, alegra, conforta, salva. Salva vidas mesmo. Tem um episódio que gosto de lembrar, quando se fala do poder transformador da música, não importando o estilo ou a forma. Tempos de quando eu ainda trabalhava na icônica Gabriela Discos de Ipanema.

Uma lojinha que ficava na Vinícius de Morais, entre a Visconde e a Prudente, forrada de LPs e K7s nas paredes, sempre um som bom rolando. Dali da porta, esperando pelo próximo cliente, eu acompanhava toda a divertida fauna e flora local, observava as garotas de ipanema desfilando no seu doce balanço a caminho do mar, dividindo espaço com os compositores boêmios, tons e vinícus; frequentadores daquele famoso boteco da esquina e, claro, os malucos beleza de plantão.

Tinha um maluco em especial que era o mascote da rua, amigo de todos. Mistura de pau pra toda obra, com flanelinha do bem, ele vinha sempre com aquele sorriso na cara, pronto pra ajudar todo mundo. Adorava cantar.

E amava ainda mais ouvir os discos que eu colocava bem alto no toca-discos pra rua inteira ouvir – da série ‘também já fui dj... – em especial “Faroeste Caboclo” da Legião. Ele corria pra porta da loja pra cantar junto. Dizia que era a sua música. E que ele era o João do Santo Cristo. Talvez fosse.

Um dia eu chego na loja pro meu turno, e a rua inteira estava tensa. João tinha tido mais um daqueles seus famosos – e violentos – surtos. Ninguém conseguia chegar perto dele. Uma ambulância já estava parada ali, mas nem os enfermeiros davam conta. Só de ver os olhos dos vizinhos e pedestres, fui correndo e meti a música na vitrola da loja. Volume máximo. Foi começar a tocar “Não tinha medo o tal João de Santo Cristo / Era o que todos diziam quando ele se perdeu…” para o João se acalmar, vir me dar um abraço e entrar calmamente na ambulância, com um sorriso gigante no rosto.

Feliz outra vez. Salvo pela sua música, sua trilha sonora. Esse sim é verdadeiro o poder transformador da música. 

 


Uns anos depois, já em gravadora, uma expressão estranha, e presença constante nos contratos, me chamava muito a a atenção: “sound carriers”. Os “carregadores do som”. Parecia nome de banda de rock, mas na verdade era (ou é) um termo contratual bem abrangente no mercado fonográfico que é usado para identificar todas as possíveis superfícies e plataformas onde as músicas, “ora contratadas”, passam a ser de posse de alguém que está ali na última página.

Ou seja, qualquer que fosse o formato que se inventasse para ser vendido música, o cara que assinasse àquele contrato, tava passando pra frente.

Sound carrier é um bicho engraçado. Já foi preto com um buraco no meio. Hoje é nuvem. Já teve um tempo em que escolher a faixa 7 do álbum era fundamental, pois, ela seria a primeira do lado B. Um tempo em que espremer o entre-faixas com menos de 4 segundos era o macete para fazer caber mais música no disco.

Hoje em dia, importante mesmo é que a introdução da musica seja bem curta senão a taxa de skip vai lá pra cima, o algoritmo derruba a performance, e você cai da playlist. Já teve àquele tempo que o suporte musical (outro apelido chique do carrier) tinha que vir com uma caneta, pra desenrolar a fita do seu roadstar.

Já foi cara demais, um pedaço de acrílico que custava vinte vezes o que valia. Já foi viajante, ia e voltava da Amazônia. E hoje, graças aos streams, e suas variações, é mais universal, tem menos atravessadores, mais popular.

Nesse meio tempo vi muito marmanjo chorar em solo de guitarra. Testemunhei ídolo meu, ajoelhar aos pés do ídolo dele, e pedir um autógrafo no braço. Já estive em estúdio onde a magia foi criada ali na minha frente.

Vi ideias impossíveis virarem discos de ouro na parede do sonhador, refrões geniais nascerem numa mesa de boteco ou no fundo de uma van, batucadas bêbadas virarem solos bizarros de bateria, assovios despretensiosos virarem virarem riffs inesquecíveis de guitarra.

E aí reside a graça da música – e do music business – não ser uma ciência exata, e sim algo completamente imprevisível, mesmo em tempos de algoritmos, redes sociais e robôs.

Cada vez mais democráticos, com mais músicas, a preços mais acessíveis, ao alcance dos seus dedos, e com formatos mais justos de remuneração para músicos e compositores, os sound carriers, seguem exatamente assim: carregando as emoções de maneiras cada vez mais imprevisíveis. O próximo lugar por onde a música vai chegar até você pode ser: um spray de som, um nanochip preso num brinco, um QR Code tagueado na sua impressão digital ou apenas uma ideia na cabeça de alguém.

E isso tudo muito pouco importa, pois, no final o que vale não é o formato com que a música chegue até você, mas sim que ela chegue. O que vale é o conteúdo, pois, ele vai ser sempre muito mais que isso tudo: vai ser a emoção que faz rir, chorar, namorar, correr, dançar, pensar. 

Vai salvar vidas, vai te levar no tempo e no espaço, vai te carregar… pra àquela nuvem… ou, para uma sala da sua infância…

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Alexandre Ktenas trabalha com música desde sempre, nos quatro cantos desse negócio, com larga experiência na indústria fonográfica no Brasil, America Latina, Caribe e EUA. Hoje é sócio da agência de conteúdo digital Kontente e de lindos selos de música pop como o Inbraza. Habitante do mundo da música.

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