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“Será que o Brasil tem que pagar tanto carma assim para chegar a dizer o que ele realmente tem a dizer?”, questiona Caetano Veloso em entrevista


Ele é leonino – como gosta de salientar – e dispensa apresentações. Onipresente na música e na cultura nacional contemporânea, Caetano Veloso ousadamente foi atravessando barreiras que o tempo mal conseguiu lhe impor e segue atento e forte; e crítico. É isso que mostra ao falar sobre a ditadura, por exemplo, no Essenciais, podcast da Deezer que homenageia músicos brasileiros por meio de conversas que usam a discografia do artista como fio condutor.

“Se onde queres revólver sou coqueiro”, como diz na letra de “O Quereres”, de 1984, ano de Diretas Já, Caetano foi e é publicamente contra um querer político que violente seus princípios, o que lhe fez preso, exilado e ter capas de discos censuradas. No podcast, ele avalia o peso da ditadura não só na sua obra, mas como um “carma” que ameaça a grandeza do país.

“Será que o Brasil tem que pagar tanto carma assim para chegar a dizer o que ele realmente tem a dizer? Se as reações são tão profundas às possibilidades do Brasil é por causa da inevitável grandeza que o país tem que representar no mundo. O Brasil tem originalidade, é um país de dimensões imensas. A gente fala português nas Américas. Tem uma população altamente miscigenada. É muita coisa. Sabem por que fazem tudo para não dar certo? Porque se der certo é muito! Então a reação é muita. E a reação tem sido muita, mas a gente aguenta. Eu vou em frente”, afirma o artista.

O contexto político e social tão presente em Caetano, no entanto, não é o resumo de sua obra. A ousadia pode ser notada durante o Essenciais nos passeios pelos álbuns que se tornaram clássicos e fundamentais. Da criação do Tropicalismo ao sucesso de “Ofertório”; do massacre ao disco “Muito” – cuja sua reação à crítica se tornou meme – à oposição a Bush Pai e a Nova Ordem Mundial com “Fora da Ordem”, em “Circuladô”.

O disco Muito, de 1978, foi o menos vendido e recebeu uma chuva de críticas negativas. Uma delas, do jornalista Geraldo Mayrink, da revista Veja, muitos anos depois se tornou um meme. É aquele em que aparece Caetano dizendo: ” Você é burro cara, que loucura como você é burro.”

O contexto, segundo Caetano, foi o seguinte: “Ele tinha feito um negócio dizendo que a minha capacidade de escrever os versos das letras das canções tinha caído muito. E dava exemplos de como estava escrevendo mal com trechos das canções. E todos não eram meus, eram citações! E aí pensei o cara tá por fora, o cara é crítico de música e não sabe das coisas”, explica. “Muito” é o disco que traz algumas de suas canções mais populares como “Terra” e “Sampa”.

E pensar que poderíamos ter ficado com uma história musical abreviada de Caetano. No período do Tropicalismo ele considerou deixar a música. Quando criança pensava em ser filósofo, depois professor e artista plástico, porque gostava de pintar.

“A música apareceu, foi uma causalidade. No período do Tropicalismo decidi que ia deixar de fazer música. Tinha uns amigos místicos que diziam que era uma missão, que seria uma coisa grande. Eu não me guio por isso. Eu me reencontro com isso. Quando eu falei do Brasil ter uma vocação, uma possibilidade de grandeza, eu sinto isso.”