in

Saúde Mental e Música: como falar e cantar sobre o problema pode quebrar estereótipos e auxiliar busca por tratamento


Pelo menos 73% dos músicos sofrem de transtornos mentais. É o que indica o estudo da Record Union, uma plataforma de distribuição digital da Suécia. A pesquisa que foi feita em maio deste ano com 1.500 músicos participantes e ainda ressalta que dentro da faixa etária de 18 a 25 anos o percentual sobre para assustadores 80%. Depressão e ansiedade lideram a lista das doenças predominantes mencionadas, assim como a Síndrome do Pânico. Dentre os músicos participantes na pesquisa, menos de 40% confirmam que buscaram ajuda profissional; mais de 50% afirmam que se automedicaram e fizeram uso abusivo de álcool e drogas. A pesquisa da Record Union também aponta que os músicos são particularmente mais vulneráveis e têm três vezes mais chances de sofrer de depressão.

Os números não mentem e o problema não é dos tempos modernos. Há muitos anos assistimos às batalhas e à queda de uma série de artistas da música que em inúmeros casos chegaram à morte. Entretanto, eles nem sempre foram tratados com o devido respeito às suas condições. Os transtornos mentais, seus sintomas e prognósticos já foram (e ainda são, em alguns casos) vistos como frescura, rebeldia, transgressão exagerada e é exatamente nesta falha de percepção e ou empatia que vidas se vão.

Durante muito tempo o problema parecia ser isolado em alguns grupos e gêneros musicais. Dentro do rock e do rap, por exemplo, podemos elencar uma série de personalidades que nos deixaram de maneira precoce. Os geniais componentes do famigerado “Clube dos 27” – Kurt Cobain, Jim Morrison, Brian Jones – assim como Ian Curtis, Chester Bennington, Chris Cornell, Lil Peep, XXXTentacion e os brasileiros Chorão e Champignon. Já as estrelas do pop eram protegidas por uma camada quase translúcida de perfeição que lhes mantiveram – junto com seus problemas – falaciosamente alheios a estas condições. Mas é quando um caso como o de Britney Spears vem a tona que a bomba explode bem em frente aos nossos olhos.

Até 2006, Britney era vista como uma das principais representantes do “Sonho Americano”, que ela mesma chegou a cantar em versos na música “Piece Of Me”. Era a garota perfeita, sulista, loira, bem sucedida, rica, a namoradinha da América, mas em fevereiro de 2007 ela sofre um surto mental e aparece raspando a cabeça em público e agredindo fotógrafos com um guarda chuva. Não foi um dia, nem um episódio isolado. Britney já vinha apresentando um comportamento diferenciado, mas foi tratada principalmente pela mídia como “arroz de festa”, além de ter sido ofendida e envergonhada centenas de vezes nas capas de jornais e revistas de todo o mundo.

Britney Spears não foi e não é a única artista do pop a sofrer de transtornos mentais. Dentre todos que já falaram abertamente sobre o assunto e tiveram suas carreiras afetadas – até momentaneamente interrompidas de alguma maneira por conta de seus problemas de saúde, sejam eles depressão, ansiedade, estresse pós traumático, transtorno alimentar, bulimia nervosa, transtorno bipolar, entre outros – podemos listar Lady Gaga, Demi Lovato, Justin Bieber, Selena Gomez, Ariana Grande, Camila Cabello, Ashley Tisdale, Lindsay Lohan, Mariah Carey, Anitta e Bebe Rexha. Sem esquecer os que chegaram ao falecimento trágico como Amy Winehouse, Whitney Houston e o Rei do Pop, Michael Jackson.

Um questionamento se faz necessário: até que ponto a indústria da música e o “showbiz” têm responsabilidade sobre estas questões e estas pessoas? É necessário pontuar que embora estatísticas apontem para uma maior vulnerabilidade de profissionais do meio artístico, a origem desses transtornos podem ser diversas assim como a forma com que eles se desenvolvem e como eles vão responder diante desses processos de adoecimento psicológico. Fatores como predisposições orgânicas, experiências de vida, condições sociais, ambientais a que são expostos e hábitos relacionadas ao seu estilo de vida podem proporcionar ciclos diferenciados no contexto da doença. Ainda assim, é evidente que cobranças pessoais e externas, pressão por números e sucesso, falta de privacidade, perseguição e até mesmo a sensibilidade artística possam ser agravantes consideráveis.

Mas qual é a maior diferença entre o 2007 da Britney Spears ou anos anteriores e o presente 2019? Há poucos meses Britney Spears voltou a ser internada em uma clínica psiquiátrica e a repercussão desta notícia aconteceu de uma outra maneira. Apesar dos comentários maldosos ainda terem algum espaço com a ajuda das redes sociais, a internação da cantora foi colocada em cheque por seus fãs e apoiadores em todo o mundo já que a mesma poderia ter sido compulsória. O movimento #FreeBritney, assim como o #StayStrong em apoio a Demi Lovato, que sofreu uma overdose quase letal em 2018 após abusar do analgésico oxicodona, nos mostrou que existem sim olhos atentos e empatia com os que sofrem de transtornos mentais. Existe sim uma preocupação para com as doenças psíquicas e o melhor: existe uma vontade de saber mais sobre estas questões.

A informação é essencial para que casos trágicos não se repitam e para que àqueles que padecem de qualquer uma das condições já citadas busque ajuda profissional assim que possível e ou necessário. Esta informação é encontrada em diversos formatos, inclusive na música, que há muito tempo deixou se ser (ou talvez nunca tenha sido) apenas poesia. Músicas como “AmarElo”, lançada nesta terça (25) por Emicida em parceria com Majur e Pabllo Vittar, servem também como denúncia, grito de socorro e arma no combate aos estigmas sociais intrínsecos aos transtornos mentais.

Se você ou alguém que você conheça está precisando e ou procurando por ajuda, há solução. Uma delas é o CVV – Centro de Valorização da Vida, instituição que “realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, email e chat 24 horas todos os dias.” Para maiores informações: cvv.org.br .