Prince foi um artista à frente do seu tempo! Músico, cantor, compositor, multi-instrumentista, produtor, ator, dançarino, filântropo, ativista… E lá em 2010 ele já escrevia músicas sobre divisão política, desinformação na internet, pornografia e justiça racial – assuntos que estão muito presentes em nossas vidas em pleno 2021. E essas canções – até então inéditas – finalmente chegaram até nós através do álbum “Welcome 2 America”, que acaba de ser lançado pela Sony Music. É um convite ao ouvinte para conhecer a América pelos olhos do Prince.
A gente preparou um faixa-a-faixa especial com um pouquinho de cada música.
Vamos começar pela faixa que dá nome o álbum. “Welcome 2 America” abre o disco com uma linha de baixo pesada, com o Prince demonstrando sua preocupação com um “planeta sombrio”. É um retrato de toda a sua genialidade como compositor e crítico da nossa sociedade. Na letra ele ataca políticos mentirosos, fala sobre celebridades, reality shows e demonstra seu desprezo por tecnologia a serviço da desinformação. Já a canção em si vai do minimalismo a momentos mais exuberantes, com Prince optando por versos falados em contraponto às backing vocals que adicionam todo o charme da soul music.
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Ele continua seu quadro de distopia americana na funky “Running Game (Son of a Slave Master)”, onde acusa a indústria da música (que tanto detestava) de tirar vantagem de músicos iniciantes, sobretudo no rap e no hip-hop. É Prince saindo em defesa de jovens artistas negros e comparando a indústria fonográfica à escravidão. Um tema que foi muito abordado por ele nos anos 1990, quando brigou muito pelos direitos sobre sua obra. Taylor Swift certamente sabe muito sobre essa história…
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“Born 2 Die” foi a segunda música de trabalho do álbum. Ela nasceu de um momento em que Prince refletia sobre as questões que afetam a comunidade negra americana e, sobretudo, a importância de ter Barack Obama em início de mandato presidencial naquele momento. Se não soubéssemos que ela foi gravada em 2010, poderíamos perfeitamente classificá-la como uma música dos anos 1970. Tem aquele som vintage, com bateria forte, baixo pulsante e vocais sensuais de Prince e suas cantoras de apoio. É similar ao que o Silk Sonic, projeto paralelo do Bruno Mars e do Anderson Paak, tem feito ultimamente.
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Em “1000 Light Years From Here”, Prince mostra suas habilidades na guitarra e sonha com uma nova ordem mundial, livre de preconceitos. Aqui ele mostra um pouco de seu lado irônico ao imaginar uma vida de liberdades, boa educação e resoluções pacíficas para cada afro-americano. Você chega até a bater palmas enquanto canta o refrão. Até que você perceba que o Prince está se referindo a quão longe todos nós estamos do céu. Se hoje em dia a Beyoncé pode gravar um álbum como “Lemonade” e chamar atenção para que tenhamos igualdade racial, é porque tivemos artistas como Prince que abriram este caminho.
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Mas o álbum não tem somente canções de protesto. É também uma viagem alegre pelos diversos gêneros que Prince explorou em quatro décadas de carreira. “Hot Summer” é leve e traz aquela vibe praiana, inspirada em bandas californianas dos anos 1960 como os Beach Boys. A letra nasceu durante um verão quente que tomou conta de Minneapolis, cidade natal do Prince. É, talvez, a faixa mais despretensiosa do disco e poderia figurar ao lado de alguns clássicos mais pop de sua discografia como “Raspberry Beret”. Daquelas que a gente amaria cantar junto nos shows.
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Chegamos na única música que não foi escrita por Prince. “Stand Up And B Strong” foi gravada originalmente pela banda Soul Asylum, que também é de Minneapolis, e é uma balada mid-tempo com versos melancólicos, mas que traz uma mensagem de força para os tempos difíceis que atravessamos. É daquelas pra se prestar atenção na habilidade de Prince com a guitarra.
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“Check The Record” vai por um caminho onde Prince sempre caminhou bem: o sexo. Ele canta sobre infidelidade em cima de um funk rock estrondoso e finge surpresa ao encontrar a namorada de alguém em sua cama. É pra deixar feliz os fãs que abraçaram desde sempre seu senso de liberação sexual. Qualquer semelhança com o hit “Darling Nikki”, de 1984, não é mera coincidência. Sabe aquele adesivo “Parental Advisory” que vem nos discos por conta das letras impróprias para menores? Então, foi por causa do Prince.
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“Same Page, Different Book” é uma incursão mais relaxada ao funk setentista com letra sobre conflitos religiosos. É uma construção fantástica de basslines, palmas e letra versada como um rap que questiona o motivo que nos leva a brigar uns com os outros se o Deus é o mesmo para todos. O que tem de diferente é a forma como Ele se manifesta no sagrado de cada um.
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“When She Comes” é uma daquelas canções que parecem ter nascido de um momento em que o Prince estava COM TESÃO [ênfase no ‘com tesão’]. É uma balada com base em piano, guitarra dedilhada e vocais em falsete, no melhor estilo Prince. Até porque só ele poderia cantar sobre o orgasmo de sua amante de uma maneira tão sensual e tão bonita. Bruno Mars e The Weeknd certamente aprenderam com ele!
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“1010 (Rin Tin Tin)” é, talvez, a faixa mais enigmática do álbum. O mistério sempre fez parte do universo do Prince. A letra deixa no ar a possibilidade de ser sobre uma pessoa analógica em um mundo digitalizado e com informações de qualidades diversas. Como separar o que é real do que é fake news?
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“Yes” cruza o glam guitar com vocais gospel predominantemente femininos, onde Prince evoca Sly and the Family Stone, mais uma de suas grandes referências. O álbum vai chegando ao fim e o tom de positividade começa a aparecer na letra, com ele convocando o ouvinte para que esteja “pronto para uma nova situação, uma nova nação”.
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A faixa que encerra o álbum é “One Day We Will All B Free”, uma espécie de tributo a Stevie Wonder, um de seus grandes heróis musicais. É mais uma música com vibe gospel, com várias mudanças de acordes de jazz, que mostram o super musicista que ele foi. Para quem não sabe, o Prince tocava mais de 30 instrumentos. É uma letra que tenta te convencer de que se você orar, trabalhar muito e acreditar na melhoria das coisas, será recompensado aqui, nesta terra. Em poucas palavras, Prince encerra cantando sobre a esperança de um mundo melhor. E que essa mudança começa pela gente.
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ENCERRAMENTO
É importante considerar o contexto em que essas músicas foram feitas. Prince andava cético quanto à possibilidade de justiça social durante o primeiro mandato de Barack Obama, que foi um período repleto de esperança para os cidadãos negros dos Estados Unidos que Prince tanto dizia terem a esperança negada.
O sentimento que fica é que o mundo ainda não se recuperou da partida do Prince em 2016. Mas a marca que ele deixou na música ficará para sempre. Há muitos anos a gente ouve falar sobre o cofre onde ele guardava centenas de músicas inéditas. Por muito tempo ainda teremos o privilégio de ouvir materiais inéditos de um artista à frente do seu tempo. Afinal de contas, não foi ele que escreveu a profética “1999” 18 anos antes da virada do milênio?
Ficou com vontade de ouvir todas as faixas? O álbum “Welcome 2 America” já está em todas as plataformas de música.