Ela se diz ser uma cobra. Não é pra menos: seu nome é o nome do maior instituto brasileiro de estudo desses animais ditos peçonhentos. Mas calma. Ela pode até ser uma cobra, mas só ameaça quem merece, é boazinha e bem humorada. Essa é a Butantan, drag queen maranhense que vem se destacando no cenário musical LGBTQ+ do Brasil.
O bote da gata é certo e ela sabe que, além de entreter, tem um papel importante na luta contra o preconceito. Uma batalha travada por pessoas LGBTQ+ todos os dias.
Conversamos com a Butantan e já nos apaixonamos pela sua personalidade super alto astral, com direito a boas risadas e muito empoderamento. Você precisa ler essa entrevista.
Olá Butantan! Vamos começar o papo te apresentando para o público que ainda não te conhece. Conta pra gente um pouco sobre tua história e sobre a criação da drag queen Butantan!
Oi, POPline! Vem sempre por aqui? Haha! Oi, gente! Meu nome é Robson Nascimento, mas às vezes dou vez pra uma cobrinha chamada Butantan. A Buta é uma drag queen maranhense, de São Luís, e nasceu basicamente na adolescência, durante a época em que ninguém quer ter filho: o Carnaval. Mas foi só em 2015 que comecei profissionalmente. Fui incentivado a me montar por uma festa inspirada em “RuPaul’s Drag Race” que rolou na época. Acabei me jogando, participei de um concurso mega improvisado e acabei ganhando. Acho que foi o prêmio mais valioso que ganhei até hoje: uma garrafa de tequila. Isso diz bastante, né? Hahaha! Prioridades.
O nome, Butantan, é uma clara referência ao Instituto Butantan, centro de pesquisa biológica famoso por trabalhar com um acervo gigante de cobras. Você se considera uma cobra? (risos)
Ah, eu amo responder a essa pergunta! Lá em 2010 tava curtindo o Carnaval no Pará e fui oficialmente batizada pela roda de manas, me batizaram como Claudinha Butantan. Até hoje fico rindo desse nome às vezes, daí quando comecei a seguir profissionalmente e deixou de ser uma brincadeira de Carnaval, adotei o que considerei ser um nome bem forte e significativo. Bom, a Butantan é como o instituto: pega veneno e transforma em cura, sabe? Eles literalmente pegam algo que poderia te matar e estimulam o teu próprio corpo a se proteger, transformando o ruim em indispensável! Então com a Buta é tipo assim: só sente o veneno, gata. Haha! Ela é segura de si, confiante, sexy e, como uma cobra, sabe dar o bote no momento certo.
Teve algum fator de ter crescido no Nordeste que influenciou a sua Drag Queen?
Muito! As mulheres que conheci durante a minha vida são uma fonte inesgotável de inspiração pra mim, principalmente minha mãe. Todas mulheres nordestinas, que superaram tanta adversidade de cabeça erguida e sem desistir. Encarar a vida no interior de um estado pobre com um governo que não se importa e seguir sem medo é a realidade que acompanhei durante toda a vida. Sempre cercado de gente com sorriso no rosto e envolvidas na produção de manifestações culturais, tipo o Bumba-meu- boi e festas de Reggae. Isso prendeu na minha mente e a Buta expressa demais o poder que o pequeno Robson sentia quando presenciava tudo.
E quais as suas maiores inspirações para a criação de sua drag queen?
A confiança, segurança e sex appeal das mulheres que vi na tv dos anos 90! E embora não seja uma, nenhuma figura na infância me inspirou tanto quanto a Vera Verão. Mas o lance é que na época, eu não sabia de nada, nem imaginava o que era ou por quê, mas ela me fez muito mais forte, de alguma forma. E eu não podia dizer pra ninguém, né, então era algo que tive que nutrir só comigo mesmo. Acho que foi o humor venenoso e a opulência que ela exalava, sabe? Ah… A vida seria um pouquinho melhor, fôssemos mais como Vera Verão, aí a Bu nasceu.
Quais foram as maiores dificuldades enfrentadas por Butantan em sua carreira para chegar até o atual momento.
A desvalorização da arte enquanto um trabalho devidamente remunerado. É como se fosse o iceberg no meio do mar. Te prende e te impede de evoluir. Por isso gosto de lembrar o quanto é importante SABER O SEU VALOR, cobrar por ele e ficar atenta no quanto suas ações abrem um precedente para a maneira como outras serão tratadas. Fica a dica.
“Poder ver alguém que nunca veríamos a um tempo atrás conquistando algo por celebrar a diversidade, é fascinante! A gente avança! A vitória de uma, é a de todas. Amém representatividade!”
“Close Errado” foi a sua primeira grande música, que já chegou fazendo muito sucesso. Qual foi a inspiração para a música? Foi escrita pensando em alguém ou algum momento em específico?
A música surgiu pra mim num momento em que eu estava bem em dúvida sobre seguir como Drag Queen. Enquanto eu analisava cada aspecto, eu passava horas e horas do dia ouvindo rappers britânicos, principalmente rappers femininas, que tão com um som e um flow bem interessante e único. E eles me inspiraram muito a escrever a música. Nadia Rose, Paigey Cakey, AJ Tracey, Stormzy, Lady Leshurr, fantásticos! E após diversas situações envolvendo produtores gananciosos, desenvolvi a letra em uma noite de muita angústia e decepção. Foi a maneira que achei de provar pra mim mesma e pra todas as drags que somos capazes de fazer barulho, mesmo sem grana e sem suporte. Sem close errado aqui, baby! Haha!
Você tem bastante irreverência e bom humor em suas músicas e performances, mas também se mostra uma drag queen bastante consciente do cenário LGBTQ+ no Brasil. O quão importante é para você passar essa mensagem de representatividade?
É necessário porque qualquer um de nós já tentou se achar e não conseguiu. Me sinto encorajado quando lembro da criança isolada que eu fui. Já cheguei a queimar o couro cabeludo com ferro de passar, pois queria ter o cabelo do “cara da novela”, olha que doidice. Eu não me via na televisão. E quando me via, mais cedo ou mais tarde, já não me via mais. Ou era algum personagem extremamente estereotipado, ou um personagem tão real e representativo que tinha cenas excluídas, era afastado, ou então era um artista excelente, mas constantemente humilhado na mídia por falar abertamente sobre sexo, ou simplesmente por ser quem é. Com a internet, eu me vi mais. Eu tive acesso a mais “eus”. E percebemos que não vão mais nos calar. Não vão mais dizer o que é bonito em mim ou não. E ver pessoas como o Jorge Lafond (Vera Verão) persistindo no mundo artístico com tanta dedicação em uma época tão mais difícil de chegar lá, apesar do fim trágico, foi importante para juntar os pedaços e ser quem sou hoje em dia. Poder ver alguém que nunca veríamos a um tempo atrás conquistando algo por celebrar a diversidade, é fascinante! A gente avança! A vitória de uma, é a de todas. Amém representatividade!
Há planos para músicas com um apelo mais politizado? Ou videoclipes?
Sim! Principalmente nesse momento turbulento na política brasileira. É impossível se manter longe ou desconectado. Tudo o que tenho escrito ou planejado, tem certa influência política. E também é uma questão de saber o momento certo de agir, continuar espalhando positividade e metendo o p** no c* do mundo.
Quais os artistas que mais te influenciam musicalmente?
Além da cultural local, fui muito influenciada pela cultura Pop, R&B dos anos 90 e comecinho dos anos 2000. Minha mãe tinha o hábito de comprar DVDs e VHS, e eu completamente mergulhava neles. De cabeça, existem três momentos musicais que me definem até hoje: o DVD VH1 Divas Live, com Mariah Carey, Celine Dion, Aretha Franklin, Shania Twain e Gloria Estefan; o DVD com a videografia da Toni Braxton; e toda a carreira de Sandy e Junior, incluindo o álbum internacional. E se não fosse pela MTV nunca teria visto Lil Kim, RuPaul, Missy Elliot, ou me apaixonado pelas coreografias da Britney Spears. Ui, se for pra falar de inspiração eu passo o dia inteiro… Veio muita coisa depois, tipo Rouge, RBD, Rihanna, Hannah Montana, Nicki Minaj. Tenho dois moods musicais: feliz e puta.
Temos visto recentemente nomes como Pabllo Vittar, Gloria Groove, entre tantos outros, que ajudaram a abrir a receptividade do público em geral para artistas LGBTQ+, em especial drag queens. Mas sabemos que ainda temos muito caminho pela frente para vencer a barreira do preconceito. Como você enxerga a atual cena e como você se sente fazendo parte desse time que está abrindo caminhos para a comunidade LGBTQ+ Brasil afora?
A cena nunca foi tão enriquecedora! Tanta gente distinta, de todos os cantos do país, fazendo maior barulho, como não amar? Acompanho o trabalho de todas e fico embasbacada com tanto talento. É muito bom saber como continuam fazendo seu trabalho e investindo nisso, porque essa é a questão: acreditar e seguir em frente. Me sinto acolhida e pronta pra ditadura drag! Haha! O lema é ordem e progresso e estamos crescendo juntas!
Você lançou no final de 2017 a música “B.O.Y”, parceria com Only Fuego. Como que surgiu essa parceria?
Escrevi a letra em novembro de 2016. E tive a certeza que funcionaria muito bem comigo e “Fuega” juntas. Nós duas já nos conhecíamos desde 2015 quando começamos a trabalhar como DJs nas mesmas festas e descobrimos uma sintonia musical imensa! Tudo o que ela precisou fazer foi tocar “Hoedown Throwdown” do filme da Hannah Montana e pronto: a gente começou a fazer a coreografia no palco da festa e não desgrudamos mais. A gente já queria fazer música, mas é difícil dar o pontapé inicial e botar a cara a tapa assim. Mesmo com a letra de “B.O.Y” em mãos, foram longos 9 meses até que tivemos condições de ir em frente, gravar, produzir e ouvir pelo menos uma demo. Daí conhecemos o Lucas Sá, que ofereceu assumir a direção do clipe, e com a demo tivemos logo a primeira reunião, conseguimos reunir uma equipe de responsa da Escola de Cinema do Maranhão, e fizemos todos os corres. Não foi escrita para ninguém em específico. Analisando algumas relações do passado e de amigos, percebi o quanto elas se diminuem em função do ouro, mas que não deveria ser assim. Então a música é meio que pra celebrar o nosso próprio desejo e força de vontade. Tem um tom de certa forma agressivo pra demonstrar convicção e zero paciência pra enrolação. “B.O.Y” Foi uma experiência incrível que testou todo mundo e só provou o quanto a união faz as coisas funcionarem.
Além dessa parceria, podemos esperar mais parcerias de Butantan? Quem seria a drag queen dos seus sonhos para fazer uma parceria?
Com certeza! Música pra mim simplesmente flui melhor quando ela capta a essência da sinergia de quem decide colaborar. Tudo o que já fiz envolve uma enorme gama de colaboração, desde o estúdio de gravação, ao upload do videoclipe, sabe? E gosto muito de fazer algo com outros artistas, é uma troca enriquecedora. Não chamo a galera de “parceira” à toa, gata! Haha! Falando da cena drag um pouco distantes do meu eixo aqui no Maranhão, adoraria trabalhar com a Mya Badgyal, a Lia Clark! Tem simplesmente algo na irreverência e estilo único de cada uma que me atraem. E como tive uma vivência muito forte no Pará, seria uma oportunidade única também trabalhar com os artistas de lá que me inspiraram a seguir nesse caminho. A Keila, da Gang do Eletro e a Gaby Marantos, por exemplo. Não são exatamente drag queens, mas tem uma essência drag no palco que me deixavam hipnotizada!
“Com a internet, eu me vi mais. Eu tive acesso a mais “eus”. E percebemos que não vão mais nos calar. Não vão mais dizer o que é bonito em mim ou não”.
E para 2018, quais os planos para a carreira musical de Butantan?
Um álbum continua sendo um sonho um pouquinho distante, mas não impossível, apenas somos completamente independentes. Mas tenho trabalhado em dois EPs, que devem sair ainda no primeiro semestre de 2018. Um deles é com o QUEER, um grupo formado por mim, Only Fuego, Frimes, Enme e DJ Alladin, baseado num show que fizemos no maior festival de música do Maranhão. Planejamos lançar ao menos 2 singles e incluir o setlist do show no EP, composto por músicas autoriais, incluindo uma nova versão de Close Errado, e um remix de “B.O.Y” O outro EP é em parceria com Only Fuego, somos praticamente uma dupla inseparável agora. Você quer, Pepê e Nenê? Hahaha! Já temos algumas músicas finalizadas e planejadas, mas pra sair do jeito certinho, a gente tá fazendo tudo sem pressa e só deixando fluir da melhor maneira possível. Manter o nível após o clipe de “B.O.Y” é nossa maior preocupação, então tentar descobrir a química certa de cada música e cada batida acaba levando mais tempo do que queríamos, mas vale à pena! Vem single por aí, sim!
A gente está perguntando para todos os entrevistados: para dar uma continuidade nessa corrente positiva de novas drag queens cantoras no Brasil, qual nome ainda não tão conhecido pelo público que você acha que vai se destacar em 2018?
Olha, tem 3 nomes que não saem da minha cabeça. A Kaya Conky lançou um EP no ano passado e tô super ansioso pelo álbum dela, acho que vai arrochar muito em 2018 ainda, e já quero botar meu bumbum pra jogo! Dia desses descobri o som da Kika Boom! Ela já escreveu pra Pabllo, produz pro disco da Lia Clark, e recentemente lançou o single “Fast Phoda”. É uma versão de The Weekend da SZA, e é UM HINO! Quando ouço com Fuega a gente só fecha os olhos e sente a letra bater. Ela tem bastante a oferecer pro cenário e quero mais. E a que mais tem me deixado ansioso pra ver o que vai fazer é a minha conterrânea: FRIMES! Anotem esse nome, prometo que ainda vão ouvir muito mais! Agora em abril/maio, ela lança música e videoclipe do single Fadinha. Ela fez o erro de me enviar o arquivo, e diariamente luto contra a vontade de vazar essa música porque É UM VÍCIO! Ela tem uma identidade bem definida e é uma artista inspiradora. Minha vocaloid favorita! E o melhor de tudo: é da minha terra! Amo muito. 2018 vai pegar fogo!
Para finalizar, manda um recadinho pros leitores do POPline!
Oi, galera do POPline! Primeiro, obrigado por apoiarem nosso trampo, valeu por todo o carinho! Espero que tenham gostado de passar esse tempinho comigo. Assistam “B.O.Y”, com Only Fuego, no Youtube! Sigam a gente nas redes sociais pra saberem dos próximos lançamentos e espero que o fim de semana de vocês seja recheado de momentos bons perto de quem te faz bem! Cabeça erguida e… sem close errado, hein. Taí!