Carnaval

Preta Gil comemora os 10 anos do Bloco da Preta com desfile no Centro do RJ neste domingo; leia a entrevista!

Na última década vimos o carnaval de rua do Rio de Janeiro tomar proporções inimagináveis a ponto de dividir o público que vai ao Sambódromo assistir aos desfiles das Escolas de Samba e que procura os melhores blocos da Cidade Maravilhosa. Preta Gil é, sem dúvidas, uma das responsáveis por este crescimento e comemora os 10 anos de sucesso do Bloco da Preta, que só no ano passado atraiu mais de 700 mil pessoas. O sucesso do projeto que nasceu a partir de um show já ganhou “filiais”: a terceira edição em Salvador e a primeira em São Paulo.

Esta semana, a cantora recebeu o POPline em seu espaço de ensaios na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio. Conferimos com exclusividade o ensaio do bloco que conta com a banda que a acompanha, além de ritmistas de carnaval. Ao todo são 17 músicos e 4 bailarinos que prometem agitar a rua Primeiro de Março neste domingo (24), a partir das 9h da manhã. “É um show especial, com uma galera que viaja comigo pra todos os lugares. Já fizemos carnaval fora de época em Manaus, por exemplo. São 10 anos de muita história”, conta Preta, que conversou com a gente num dos intervalos do ensaio.

O Bloco da Preta completa 10 anos como um dos mais procurados no Rio de Janeiro (Foto: Alex Santana)

POPline – São 10 anos do Bloco da Preta, uma marca especialíssima. Você se pega pensando na responsabilidade de comandar um dos blocos mais disputados do carnaval carioca?
Preta Gil – Eu tenho uma responsabilidade com a segurança, com a alegria, com a diversão do meu público. Baseado nisso, eu tento me cercar o máximo possível de estrutura, de informação, pra que tudo corra bem. Eu tenho muito orgulho de ter começado este bloco há dez anos atrás numa época que não existiam tantos blocos com este perfil do Bloco da Preta. Claro, tinham os tradicionais como a Banda de Ipanema, Suvaco do Cristo, todos eles bem tradicionais, mas não tinha um bloco tão pop. O mais perto disto é o Monobloco, que eu admiro muito e me inspirei quando quis fazer meu bloco no Rio. O lance da percussão e tal… Mas não tinha uma mulher à frente de um bloco, sabe? Trouxe muito do que aprendi e vivi nesses anos todos na Bahia. O Bloco da Preta foi o primeiro bloco com essa cara de ponte entre Bahia e Rio. Nunca esqueço o primeiro ano em Ipanema. A estrutura era mínima. O trio era uma lata de cerveja. Eu vinha em cima e a banda desfilava em baixo. Me lembro que muita gente foi surpreendida pelo bloco, pessoas que diziam se sentir em Salvador. E isso tudo, de fato, está dentro de mim. Fui criada e vivi o carnaval de Salvador desde a infância. Desde os carnavais na Praça Castro Alves, o surgimento do axé music, os carnavais do circuito Barra-Ondina… tudo isso vivi como foliã e mais tarde como artista. Então é uma responsabilidade que me orgulho muito, de ter aberto caminho pra tantos outros blocos e, principalmente, de ter contribuído para o crescimento do carnaval de rua do Rio. A gente tinha esses blocos em proporção menor. Hoje temos blocos pela cidade inteira, com uma diversidade enorme de estilos de blocos, onde as pessoas retomaram a vontade de se fantasiar e ir pra rua. Lembro muito que o carnaval do Rio era muito centrado na Sapucaí. E quem não ia pra Sapucaí, viajava. Hoje o carnaval do Rio não só é autossuficiente pra quem é folião no Rio, como atrai turistas de outros estados.

Além disso, você está indo pro terceiro ano em Salvador e vai estrear em São Paulo. Haja fôlego!
É, eu costumo dizer que é a minha trilogia da felicidade. Sou uma carioca, com sangue baiano e criada na Bahia, e a minha vida adulta foi dividida entre Rio e São Paulo. Morei e trabalhei muitos anos em São Paulo e tenho o público paulista como um grande incentivador do meu trabalho. É um público quente, caloroso. Finalmente em 2019 vou completar esta trilogia. Estar nos três carnavais é um feito pessoal e artístico muito emocionante.

Mas antes de falarmos da edição deste ano, queria voltar no tempo e saber como surgiu a ideia do bloco e por que a escolha do Rio de Janeiro, para além do fato de você ser carioca.
Foi muito simples. A vida inteira passei carnaval em Salvador. E eu tinha um compromisso há dez anos atrás com meu pai e o Expresso 2222, que era o trio que eu puxava com ele. Então fiquei pensando sobre a ideia de fazer um pré-carnaval no Rio. E naquela época eu fazia um show chamado “Noite Preta”, que era um grande sucesso numa casa em Laranjeiras. E chegou o verão e eu queria fazer um projeto com músicas mais carnavalescas. E aí o Lessa, meu amigo, que me deu a ideia de fazer um bloco de carnaval. O lance era chamar um pessoal de escolas de samba. Eu tinha sido rainha da Bateria na Mangueira em 2007 e nutria um amor profundo pela composição de ritmistas. E aí conheci o mestre Pablo, que se juntou a mim e ao Lessa para fazermos o bloco, juntarmos com a banda e ver no que iria dar. Mas nisso já era janeiro de 2009. Não tinha mais tempo hábil pra pedir autorização pro bloco sair. É uma burocracia, tem que se inscrever, uma série de exigências a cumprir. E aí pedi a The Week emprestada ao meu amigo André Almada por ser um espaço que cabia umas mil pessoas. Acreditamos no projeto e foi um sucesso tão grande que assim que o verão acabou, o público pediu pra que continuasse com o show. No primeiro ano, o bloco se chamava “A coisa tá Preta”. Pra chegarmos a este nome ficamos pesquisando e vimos que no Rio os blocos tradicionalmente tem nomes irreverentes. E eu queria ressignificar este termo, que sugeria que a coisa tava ruim. E eu queria associar à alegria, a uma coisa astral. Então, em 2009 ensaiamos na The Week como “A coisa tá preta”, não desfilamos porque não tínhamos autorização, mas em 2010 a gente ensaiou na The Week e desfilou na Praia de Ipanema. E aí foi uma loucura porque tínhamos uma estimativa de 20 mil pessoas. E aí, após o bloco a Prefeitura nos informou que havia 180 mil. Nasci no Rio, amo minha cidade, mas naquele dia eu me senti absolutamente abraçada pela minha cidade e me rebatizei carioca.

O Bloco da Preta cresceu e segue crescendo com uma característica particular: a diversidade. Não apenas sexual, mas musical, classes sociais, crianças, adultos, idosos… Como é ser porta-voz de tantas tribos diferentes num momento de tanto retrocesso no país?
É exatamente isso que eu penso. Sempre fui uma pessoa muito “ponte entre as pessoas”. Quando eu era criança no Rio e ia pra Salvador, eu perguntava às pessoas se elas já tinham ouvido uma determinada música que estava bombada no Rio e elas diziam que não. Na volta eu fazia o mesmo com os amigos daqui. Então minhas festas, desde que eu era criança, sempre foram muito ecléticas. Eu sempre ouvia MPB, que é onde nasci, mas ouvia Frenéticas, amava Michael Jackson, Blitz, Olodum. Sempre dialoguei com todos e nunca entendi as barreiras. Nunca entendi porque o cristão não pode ser amigo de uma pessoa que é macumbeira. Ou porque um negro não pode ser amigo de um branco. Isso é da minha personalidade, da minha educação e que se expandiu pra minha carreira artística. Gosto de misturar, de derrubar barreiras. As pessoas precisam conhecer a essência uma das outras e não por rótulos. Eu nunca fui de guetos. Sempre fui da inclusão. E eu tive a sorte de desde o início da minha carreira isto ter virado uma marca minha. Quando coloquei “Baba Baby”, da Kelly Key, no meu repertório há 17 anos atrás, meus músicos reclamaram e diziam que era “brega”. E eu discordava, pois em música não existe isso. E no meu show eu cantava Novos Baianos e Kelly Key. E foi o maior sucesso. Eu sempre quis ser esta porta-voz: da união, da inclusão e quebrar essas barreiras de preconceito. Acho que consegui.

Você conseguiria enumerar os pontos altos desse tempo de existência do bloco? O primeiro ano já foi um desses grandes momentos ao atrair um público muito acima do esperado…
Todos os anos tem um ponto alto. Deixa eu pensar aqui… Em 2011, colocamos uma estimativa de 120 mil pessoas e acabamos atraindo 700 mil. Nesse ano eu pedi pra Prefeitura do Rio me transferir de local porque não queria mais sair em área residencial. É muito angustiante você estar em cima do trio e olhar para as senhorinhas e as criancinhas na janela. Daí você pensa: “Se alguém que mora aqui passa mal? Como faz pra entrar e sair de uma ambulância?” E eu via o público subindo nos carros, destruindo os canteiros e eu pensava “meu Deus, eu não quero isso”. Daí em 2012 conseguimos ir pro Centro. Foi lindo na avenida Rio Branco. O primeiro ano em que saímos na avenida Presidente Vargas, que eu achava o local ideal que deveríamos ter ficado, mas não pode, foi incrível. Teve um ano que choveu no bloco. A gente tava no meio da avenida, lotada de gente, e de repente cai um pé d’água. Eu pensei que o povo fosse embora, mas o que aconteceu é que inflamou ainda mais o público. Nunca vi aquilo. As pessoas ficaram loucas e a gente pegou aquele gás extra pra terminar o desfile. Foi linda aquela chuva, uma bênção. Receber meu pai no trio em 2017 foi mágico. Ter ele do meu lado vendo de perto no que o carnaval de rua do Rio se transformou, a importância que o Bloco da Preta tem e, mais do que tudo, o carinho e o respeito do público pelo Bloco da Preta, foi emocionante. Quando montamos o bloco, foi pensando no povo. Mesmo com todas as dificuldades que a cidade enfrenta, é gratificante quando as pessoas chegam e contam que a vida delas está difícil, mas é justamente para esquecer um pouco dos problemas que elas vão até lá curtir e ter um pouco de alegria.

Preta Gil e os músicos ajustam os últimos detalhes no ensaio desta semana (Foto: Daiv Santos)

Este ano o tema é “Festa”. Mas quando a gente pensa na Preta, imediatamente nos remete à festa. Então, fala pra gente um pouquinho do conceito pra este ano e o que tem de diferente em relação aos outros anos.
A gente nunca consegue fazer algo muito organizado nesta questão de tema ou conceito. É mais um direcionamento pra minha roupa, a roupa dos convidados. Quem está fazendo a minha roupa deste ano é a minha amiga Helo Rocha, inclusive ela que fez meu vestido de noiva. Ela é uma grande foliã, está no bloco quase todos esses anos. Achei que ela era a pessoa certa pra fazer esta roupa. E está linda, é muito colorida, ousada… Mas é isso, a gente dá um direcionamento, mas não é algo tão organizado, certinho. Até porque carnaval é livre, é espontâneo.

E este ano tem até música inédita pra comemorar esses 10 anos, né? Conta pra gente um pouquinho sobre como surgiu “Penta”.
Meu primo Moreno [Veloso] fez pra mim no ano passado e me mandou. Era um frevo muito Moraes Moreira, muito a cara do que vivemos na nossa infância. É uma música linda, linda, linda. Mas eu não sabia o que fazer com ela porque não cabia no disco “Todas as Cores”, que ia pra um outro lado. Quando foi chegando o fim do ano decidi gravar pro carnaval com meu irmão, Bem [Gil], que produziu a música. O Moreno fez uns vocais e também produziu com o Bem. Meu primo David Morais fez as guitarras, lindas, e é uma música que representa muito quem eu sou, a minha criação, meu DNA tá nela. É um frevo muito tradicional.

Vai ter até videoclipe gravado ao vivo durante a passagem do bloco…
Sim, vamos gravar na avenida e com o maior elenco do mundo.

Carolina Dieckman, Fernanda Paes Leme, David Brasil são alguns dos nomes já confirmadíssimos nesta festa. Tô sabendo que tem uns convidados surpresa também…
Chamei a [atriz] Cris Vianna pra participar. Fiquei olhando uns vídeos do bloco, e ela foi minha primeira rainha de Bateria em 2010. Desfilou no chão, no meio da galera, participou desses momentos marcantes comigo. E às vezes eu não acredito que já passaram 10 anos. E nesse tempo ela cresceu tanto como atriz, como mulher… Chamei também a Lellêzinha [Dream Team do Passinho], que é uma menina que eu amo, uma musa inspiradora, uma menina que representa muito bem a juventude e quero ela comigo. Ah, toda hora chamo vários amigos pra participar dessa festa.

Pra gente fechar esse papo, deixa seu convite para os cariocas e os visitantes da Cidade Maravilhosa para comparecerem ao bloco neste domingo.
Primeiro tenho que dizer que amo o POPline. Todos os dias eu entro pra me informar, saber dos lançamentos, do que tá rolando no mundo da música. É muito informativo, muito rico. Amo poder ter essa parceria com vocês. Vamos bombar o carnaval de amor, de respeito. É isso que a gente tem que passar pras pessoas. Respeitar como as pessoas são, deixar o outro livre, respeitar as diferenças, E dia 24, nesse domingo, 10 anos do Bloco da Preta no Centro do Rio de Janeiro. Espero todos vocês e vamos beijar muito na boca nesse carnaval.

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