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POPline Entrevista: Matuê quer superar seus recordes e revelar outros nomes da cena trap

POPline Entrevista: Matuê quer superar seus recordes e revelar mais artistas de trap (Foto: Felipe Vieira)

Ele é o nome mais quente da cena trap nacional. Ao lançar, de surpresa, seu álbum de estreia Máquina do Tempo, quebrou todos os recordes nacionais nas plataformas de streaming. Matuê chegou ao topo do seu jogo e não quer parar por aí. Em um bate-papo franco com o POPline, o artista conta sobre a competitividade que rola na cena e as críticas sobre como conduz a carreira. Além disso, reafirma o desejo de superar suas conquistas e destaca o desejo em trazer novos nomes para o mainstream. Mas até chegar a este patamar, ele precisou redescobrir qual era sua missão enquanto artista.

Matuê elevou o trap a outro patamar e garante: “É só o começo” (Foto: Felipe Vieira)

“A gente teve toda essa questão de pandemia e durante este processo passei por um momento difícil. De dúvidas, ansiedade, de não saber o que fazer. E nessas horas eu prefiro internalizar e buscar entender o que estava no meu coração. E isso me trouxe mais confiança sobre meu trabalho e qual era minha missão. No meio daquele barulho todo de “lives” e redes sociais, preferi me recolher e estudar mais. Ate que em um determinado momento consegui me alinhar com a música e a mensagem que eu queria passar”, conta Matuê.

Conhecido pelos fãs de trap no Brasil desde 2016, quando apresentou o single “Rbn”, Matuê foi conquistando um público fiel, que aguardava com expectativa este disco. Hoje já são 3,1 milhões de seguidores no Instagram e 4,3 milhões de ouvintes mensais no Spotify. Na plataforma, seus maiores sucessos são “Kenny G” e “Anos Luz”, com 89 milhões e 70 milhões de streams, respectivamente.

Antes de começarmos a falar de música, eu gostaria de saber o que o Matheus Brasileiro Aguiar tem de diferente do Matuê.

Você me pegou desprevenido com essa. Nunca me pediram pra me definir. Eu me enxergo, assim como vejo meu trabalho, como indefinível. Acredito ser difícil me categorizar ou me colocar numa caixa e eu gosto de brincar com esta ideia. É interessante vir com meu trabalho na contramão de tudo que está acontecendo. É isso que o faz chamar atenção. Na questão do marketing, por exemplo, quando todo mundo estava aparecendo [neste período de pandemia], a gente sumiu. Quando todo mundo estava fazendo trabalhos com participações, a gente optou por algo só nosso. Este diferencial já faz parte da nossa filosofia de trabalho. O Matuê é um ater-ego do Matheus. São como irmãos que conversam e discutem o tempo inteiro. O Matuê é um pouco mais explosivo e marrento. O Matheus é um pouco mais simples, gosta de paz e tranquilidade. Mas entre eles também há conexões como a parte criativa. De onde tiro inspiração e crio histórias, vem das minhas experiências.

Você nasceu em Fortaleza, mas cresceu na Califórnia, é isso? Conta pra gente como foi esse período vivendo fora e quais referências você trouxe de lá.

Morei na Califórnia dos 8 aos 11 anos. Uma coisa que veio comigo foi, obviamente, o hip hop e o rap por ser uma coisa enraizada na cultura deles. E, claro, a fé de que isso poderia chegar em algum lugar se este trabalho fosse bem desenvolvido. Os Estados Unidos teve essa influência em mim, me fez pensar de outras maneiras. Por outro lado, voltei cedo e minha adolescência, essa fase de mudança e amadurecimento, foi toda no Brasil. Fiquei ainda mais esclarecido sobre o que queria mostrar com minha música. O meu jeito de fazer música é bem ‘abrasileirado’. Em momento algum fico exaltando o fato de ter morado fora porque valorizo muito a nossa cultura. Sempre busco levantar a bandeira do Nordeste em minhas músicas.

Até chegarmos na “Máquina do Tempo” você lançou quase 20 singles. Queria saber de você o que te fez botar o pé no freio e pensar em conceber uma obra completa.

Antes de começar a produção do disco, eu meio que percebi a dificuldade que tenho com redes sociais e o impacto que isso vinha tendo em mim. No meu comportamento, nos meus pensamentos e tal. E eu quis transformar isso em algo positivo. Quis mudar meu relacionamento com as redes, evoluir nessa questão e, de alguma forma, o tema se encaixou com essa produção. Eu me afastei naturalmente pra focar na obra e criar algo como se fosse mais conceitual, que tivesse uma história por trás, com músicas amarradas entre si. Era um desafio muito grande e por um momento achava que não conseguiria. Como você disse, foram vários singles que sintetizam o medo que eu tinha em relação a lançar um disco. Eu ficava intimidado pela ideia porque pra mim o disco é uma obra onde as músicas precisam conversar entre si, passar uma mensagem maior, com um conceito mais amplo. Acredito muito nesse lance de energia, dos sinais que chegam até a gente. Eu poderia ter lançado mais singles, mas em determinado momento tínhamos uma coleção de músicas com uma ideia mais elaborada e partimos para a ideia do disco.

Capa do álbum “Máquina do Tempo” (Foto: Divulgação)

Queria que você contasse um pouco mais sobre o conceito dos vídeos que acompanham as 7 faixas. Porque eles ajudam muito a fechar uma narrativa. Daí queria saber de você se existe, de fato, uma história principal neste trabalho.

Boa pergunta! O trabalho da arte é fazer as pessoas pensarem. E no meio disso tiveram várias teorias e interpretações. O comic book, que iremos lançar junto com o merch e tudo que virá, vai explicar melhor o que as músicas querem dizer. Basicamente é uma analogia entre coisas que vivi, mas em um universo pós-apocalíptico, que tem um personagem sobrenatural que também está em sua jornada de evolução.

Já que estamos falando de discos, quais seus favoritos?

São muitos. Dentro do hip hop e do trap, um disco lançado recentemente e que senti que era “completo” foi o Please Excuse Me for Being Antisocial (2019), do Roddy Ricch. Dentro da minha lista de discos de cabeceira, a maioria nem é de rap ou hip hop. Um deles é o Random Access Memories (2013), do Daft Punk. Pra mim, este trabalho é uma mistura de vários músicos excelentes aliado ao próprio duo já ser um conceito completo por eles mesmos. Aquela coisa enigmática, as máscaras, o mistério sobre serem “humanos” ou “robôs”. Foi uma coisa que me impactou muito. Também tenho vários discos do Bob Marley porque fez parte da minha criação desde bebê.

O trap talvez seja o estilo musical que mais tem crescido nos últimos tempos. E eu trato a chegada do teu primeiro álbum como um marco. Quando você quebra recorde de execuções nas plataformas, você manda um sinal para outros artistas, de que é possível chegar a esta posição, e também para as gravadoras. A essa hora já tem executivos procurando um Matuê pra chamar de seu. Passa pela sua cabeça o quão grande é isso?

Posso te dizer que tem coisa muito especial vindo aí. Justamente por eu ser este cara que está à frente da minha carreira, cuidando de tudo junto com as pessoas que estão ao meu lado. Tenho essa visão empreendedora, de gestão de carreira e direção criativa. Tenho uma equipe pequena, porém incrível, que me auxilia nisso tudo e agrega muito nesse aspecto. Penso muito em quem será o próximo grande artista do trap ou do hip hop. Creio muito na possibilidade desse artista ser forte perante artistas de outros gêneros. Queremos ter a mesma força que nomes do funk, do pop e do sertanejo.

E quando você chega neste patamar, as críticas aparecem. O Matuê se vendeu. O Matuê não faz trap. O Matuê é marqueteiro. O Matuê imitou o Travis Scott. Isso te afeta de alguma forma? Qual é a sua resposta pros seus detratores?

Antigamente isso me deixava muito mal. Depois de uma série de experiências e trabalhar minha cabeça, o sentimento que fica após esse trabalho é de muita gratidão. Só a gente sabe o que tivemos de fazer para chegar nesse momento. E a gente é muito grato ao retorno que recebemos. A gente entende que faz parte de uma cena onde os fãs são ávidos e vão lutar por seus favoritos. Essa “competitividade” move nossa cena, mostra a força da juventude. A gente quer se destacar, seja com as pessoas falando bem ou mal, porque nosso trabalho vem de coração. É isso que me deixa feliz.

Foto: Felipe Vieira

O vídeo de “Vem Chapar” traduz um pouco dessa minha percepção. Você aparece numa pose de meditação e a montanha de pessoas tenta de alcançar, mas não conseguem. Temos uma mensagem subliminar aí?

Sim [risos]. Você sacou bem. Isso que acabamos de falar na pergunta anterior tem a ver com esta relação do vídeo. Quando estamos numa posição de foco, mais elevada, as pessoas muitas vezes querem chegar até você de alguma forma. Existe um desejo de buscar alguma humanidade naquela figura, desmistificar aquele lance do “super-herói” e sacar que somos de carne e osso também. Somos seres humanos falhos. E sim, tem um paralelo forte com a animação de “Vem Chapar”.

Você tem amizade com algum outro artista de trap? Ou cada um faz seu trampo e é isso aí?

Essa questão de amigos é um pouco diferente pra mim por conta da geografia. Eu continuo morando em Fortaleza, então minhas amizades dentro do trap são daqui mesmo. Por exemplo o Will, que foi um dos moleques que produziu a maioria dos beats do meu disco. Eu acredito que estamos vivendo um momento no trap que estão rolando algumas reconciliações. Pessoas que não se falavam estão voltando a se falar. Eu prezo por isso porque só fomenta positivamente nossa cena, principalmente se soubermos trabalhar juntos. O Luccas Carlos é um grande chapa meu. A gente se conhece desde os 14 anos porque namorei uma amiga dele do Rio de Janeiro. É uma grande inspiração pra mim. O Menestrel é outro que me ajudou muito no início, abriu portas e fortaleceu na caminhada. O Predella também é um cara que tem um peso grande no início da minha carreira e me trouxe para um grande público no rap.

Já tem uma galera de vários estilos diferentes querendo um feat contigo. Conta pra gente um nome pelo menos que você já tenha conversado alguma coisa.

A mensagem que recebi do Xand Avião me deixou impressionado. A Manu Gavassi veio me parabenizar e falou que achou o máximo o conceito do álbum. É uma pessoa inesperada, apesar da gente já ter se conhecido. Já conversei bastante com a Ludmilla. Ela diz curtir demais meu trabalho. Quem sabe role alguma coisa aí. Este novo projeto do Whindersson Nunes (Lil Whind) foi gravado aqui no meu estúdio. Estive com ele em algumas faixas na parte de criação, composição e tal. Acredito que exista uma abertura pra se trabalhar em qualquer coisa, mas eu tenho um certo cuidado com esse lance de parceria porque acredito que a conexão precisa ser autêntica.

Não dá pra gente fechar os olhos pro preconceito que ainda rola no meio. Acredito que a questão passe pelo fato do rap e do trap terem surgido em épocas diferentes e principalmente realidades diferentes. Acho que a discussão vai além da realidade nua e crua do rap e da realidade distópica, idealista do trap. A maior diferença é o alcance da mensagem por causa da internet. E eu gostaria que você falasse sobre esse preconceito.

É um escapismo. É algo pra se almejar, lutar por essa vitória. É uma motivação que a gente passa através das músicas, ter fé no corre. É o lado positivo do trap que deve ser exaltado. A gente está inspirando essa galera jovem a investir e acreditar neles mesmos. E não deixar-se levar pela visão de terceiros ou de um empresário. A gente busca passar essa independência e esse poder que existe do trap só pelo fato dele estar conectado com a juventude. Eu acredito que o rap e o trap compartilham do mesmo universo, vem da mesma origem. Estamos dentro do mundo do hip hop. E a gente vai ver essa mudança acontecer a cada 10, 15 anos. A sonoridade vai evoluir. E se isso não acontecer, ela não estará exercendo sua função como arte. Pra ser sincero, o que eu quis passar com meu disco foi justamente essa falta de limites em termos de sonoridade. A gente pode fazer o que quiser em termos de som, criar novos estilos como as fusões do trap com outros gêneros. Até mesmo a influência do punk rock e do emo dentro do trap. Tem artistas de trap que tem um estilo bem roqueiro.

Foto: Felipe Vieira

Você acredita que há espaço para uma evolução do trap, tanto musicalmente quanto no discurso?

Pra mim é importante. No disco temos músicas mais antigas como “Máquina do Tempo”, de 2018, que tem um tom de brincadeira maior. Temos músicas como “777-666” que é uma autocrítica e toca nesse assunto do que é passageiro e o que precisa ser valorizado. “Antes” fala um pouco mais sobre relacionamentos, sobre reavivar sentimentos. Acredito que o discurso precisa evoluir. É preciso haver versatilidade. Creio que sempre vai haver espaço para músicas sobre ostentação, tiração de onda. No sertanejo sempre tem a sofrência, não é isso? Mas não podemos nos limitar a apenas isso. Temos de estar abertos a vários temas para podermos mostrar nossa capacidade como músicos e criadores. Não apenas como pessoas que seguem fazendo bons números com a mesma receita de bolo.

Pra gente fechar esse papo: Há um tempo atrás você disse que seu maior desejo era ter a música número 1 do Brasil. Agora que você chegou lá, quais são as próximas metas?

Queria repetir este feito porque quero mostrar pra todo mundo que não foi por acaso. Durante toda minha carreira sempre fui desafiado. “Será que vai passar de um ano? Dois anos? Vai perdurar como artista?” Sempre rolaram esses questionamentos. Então eu tenho como desafio repetir esses números, superá-los, fazer recordes maiores. Isso me move muito. Existe planejamento, muita dedicação por trás. E este é o meu próximo feito e se Deus quiser vou conseguir de novo. E daí vou poder trazer outros artistas pra este âmbito mais mainstream, mais popular através do trap e do hip hop. Dialogar com outros estilos musicais de forma natural. Tem muita coisa a ser conquistada.

Ouça (e assista) o álbum visual Máquina do Tempo:

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