Pitty promove encontro de identidades e gerações em “ADMIRÁVEL CHIP NOVO (RE)ATIVADO”

Cantora toca as celebrações dos 20 anos de seu disco de estreia com releituras nas vozes de Pabllo Vittar, Sandy, MC Carol, Emicida e mais

Desde o último 1º de abril, a agenda de Pitty é marcada por diversas comemorações. É que, desde então, ela está na estrada com uma turnê que celebra os 20 anos de seu álbum de estreia, “Admirável Chip Novo” (2003). Agora, a estrela baiana dá liberdade artística (e licença poética) a um elenco de peso de músicos que imprimem sua identidade em releituras das 11 faixas do compilado — é essa a proposta de “ADMIRÁVEL CHIP NOVO (RE)ATIVADO”.

Elenco de artistas cujas vozes marcam presença no disco de releituras de Pitty. Foto: Divulgação

No disco, que chegou aos tocadores de música nesta sexta-feira (6), Pitty convocou um time diverso de artistas e deu a cada um deles a missão de fazer o que bem entendessem com a música que iriam interpretar.

“O mote do projeto era justamente que eu não interferisse em nada do processo criativo das pessoas convidadas […]. ‘Pega essa música e faz dela tua’. E eu amei me jogar nessa experiência de desapego. E que HONRA!”, contou Pitty, que segurou ouvir as músicas até onde pôde já que queria ser surpreendida.

Nas canções revisitadas e ‘reimaginadas’, a premissa era de que cada artista imprimisse sua própria identidade, essência e sonoridade na faixa. Ao ouvir cada uma das onze delas que compõem a tracklist, não é difícil se pegar com a sensação de que a música que está sendo ouvida pertence ao repertório do próprio artista que a está interpretando. Ainda assim, porém, é inerente a marca de Pitty em cada uma.

“‘ADMIRÁVEL CHIP NOVO (RE)ATIVADO’ é sobre a diversidade real e a beleza da música brasileira, a riqueza, a potência de tantos estilos que, sim, podem dialogar nas diferenças. Esse disco é, também, uma analogia para o que imagino da vida em sociedade: respeito, espaços, afetos, ligações que se dão não por rótulos ou conveniências comerciais, mas por pertencimento nos discursos, posturas e principalmente, amor à arte”, reflete Pitty.

Para o projeto, mais uma ode ao disco que a revelou ao estrelato, Pitty reuniu vocais de Emicida, Planet Hemp, Ney Matogrosso, Pabllo Vittar, Tuyo, Céu, Criolo & Tropkillaz, Sandy, MC Carol, Marina Peralta & Rockers Control e Supercombo — uma verdadeira mescla de gerações e estilos que, cada um com sua essência e particularidades, celebram a potência do disco que se apresentou como um divisor de águas na carreira de Pitty e que deixou generosas contribuições à música brasileira.

Na faixa que abre o disco, “Teto de Vidro (REATIVADO)”, Emicida agrega à obra de Pitty com suas irrefutáveis rimas de rap. Na nova versão da canção, o rapper paulistano e a cantora baiana mesclam vocais e levantam questionamentos sobre um jogo de opiniões e percepções. É como diz Pitty em uma das frases de maior efeito da música: “Quem não tem teto de vidro que atire a primeira pedra!”.

Acordes de guitarra vêm rasgando nos primeiros segundos da música até que uma pane no sistema toma conta do ouvinte… Soa estranho ouvir frases tão emblemáticas de “Admirável Chip Novo”, a faixa-título, não serem cantadas na voz de Pitty. Fica a cargo, então, da banda Planet Hemp ‘reimaginar’ a canção, talvez a que melhor descreve toda a mensagem do álbum. Marcelo D2, BNegão e sua trupe o fazem com maestria: proferem críticas ao sistema nos levando ao furor de uma daquelas ‘rodas’ que são o ápice dos tradicionais shows de rock. É a sensação que a música passa.

“Máscara”, um dos maiores sucessos extraídos do disco, é um retumbante grito de liberdade, que nas mãos de Ney Matogrosso se torna visceral. Em um som que contempla o piano e em que a temporalidade original dos versos não é respeitada, o multiartista sul-mato-grossense nos convida a lavar a alma ao revelar todas as nossas bizarrices e estranhezas. No hino empoderador, somos levados a perceber que estranho é não se orgulhar do nosso verdadeiro jeito de ser.

Em “Equalize”, fica mais do que escancarado que Pitty quis mesmo que cada artista deixasse sua identidade musical nas canções. Aqui, Pabllo Vittar faz seu próprio ‘Batidão Tropical’ em uma faixa envolvente que cresce, progressivamente, transitando do reggae ao samba-reggae, passando pelo brega. Norteada por uma percussão presunçosa, a drag queen maranhense soa romântica ao narrar um amor que se desenrola num fluxo perfeito, como se fosse ensaiado.

Num lugar de conforto (no bom sentido da palavra) entre o beat eletrônico e as texturas acústicas, o trio Tuyo se apropria da faixa “O Lobo” como se a eles pertencesse. Com uma forte presença de sintetizadores, Lio, Lay e Machado refletem sobre a ancestralidade do homem e suas práticas destrutivas. Apesar da narrativa densa, Tuyo envolve o ouvinte em uma leveza que já é característica do som deles.

Foto: Bruno Fujii

Céu zera o game e dá ‘Xeque-Mate’ em uma viagem sonora proposta por ela em sua releitura de “Emboscada”. A faixa, que chama atenção por sua produção refinada, é contemplativa pelos vocais cristalinos da cantora paulistana. A fluidez com que Céu conduz a música é tamanha que, por pouco, o ouvinte não se deixa enganar com o fato de que toda a narrativa se trata de uma armadilha. Com elementos oitentistas e repleta de arranjos surpreendentes e não lineares, “Emboscada” é uma releitura catártica e que desperta em quem a ouve, mil e uma sensações.

Criolo & Tropkillaz estão “Do Mesmo Lado” na sétima canção do disco. Em mais uma faixa em que se faz menção honrosa à produção rica e apurada, o cantor paulistano e o duo de música eletrônica nos guiam através de um beat envolvente e que se faz constante em toda a experiência. A letra nos traz uma reflexão sobre as ambiguidades da vida.

Em “Temporal”, Sandy arranha seu timbre doce para fazer evocar uma coragem arrebatadora. Ela, que em sua interpretação se revela destemida, deixa para trás os medos e as armas em busca de usufruir do agora. Aqui, cada minuto importante é um verdadeiro presente, e é a mensagem que esse hino de encorajamento quer nos passar.

“Só de Passagem” nos apresenta a uma MC Carol como nunca a vimos. Com seu inconfundível timbre forte, a funkeira soa retumbante e sagaz ao refletir sobre o não pertencimento e a liberdade de ser. Ela não pode ser representada pelo que possui ou possuiu, e sim pelo que ela é. Na releitura, podemos ouvir os vocais de MC Carol de Niterói imersos em uma roupagem rock com elementos que conversam diretamente com o funk.

Marina Peralta & Rockers Control querem estar bem longe daqui quando o circo desarmar e a bomba explodir… Em “I Wanna Be”, que no som dos artistas ganha uma versão reggae, eles tornam a criticar o sistema e toda uma articulação montada que desconfigura a naturalidade das coisas. A crítica que se faz é sobre um futuro em que a imagem se sobrepõe à verdade dos sentimentos e sensações. A letra nos faz questionar: “como será que Pitty lê esse futuro, agora, vinte anos após o lançamento do ‘Admirável Chip Novo’?”.

Na última música do compilado, “Semana que Vem”, a banda de rock alternativo Supercombo exalta a alma emo que habita em alguns de nós. No som, que é marcado por fortes acordes de guitarra e que conversa com elementos do metal, o grupo nos deixa um lembrete para aproveitar o agora, alertando que o amanhã pode nem chegar. A premissa é a de reconfigurar o sistema para que nos lembremos sempre de que o que temos é o hoje e nada mais.

Texto por Matheus de Carvalho.