Quantos shows você já assistiu na vida? A maioria deles foi em megafestivais ou em casas de médio e pequeno porte?
São experiências distintas, certamente, mas até que ponto a existência da economia de festivais ainda depende do trabalho das casas de shows dedicadas aos novos artistas?
Antes de estourar, o fenômeno inglês Ed Sheeran tocou em um enorme circuito de pequenas casas no Reino Unido.
Ganhou experiência e formou público. O resultado, todos conhecem.
Quando estive no festival The Great Escape, em Brighton (Inglaterra), Gaz Coombes, vocalista da banda inglesa Supergrass, fazia um show para 100 pessoas.
A tal “experiência única”. Pois era mesmo. Quem não quer ficar perto do artista?!
Tom Jobim começou a carreira num piano-bar em Copacabana nos anos 1950.
Já imaginou?
Quando pesquisamos a história de palcos emblemáticos no mundo da música como: o Cavern Club, em Liverpool (Inglaterra); o CBGB ou o Village Vanguard, ambos em Nova York; ou mesmo no pioneiro The Fillmore, em São Francisco, nos Estados Unidos; lembramos de artistas como The Beatles, Ramones, John Coltrane e The Doors, respectivamente.
Esses palcos tiveram papel fundamental no desenvolvimento da cultura pop nos anos 1960 e 1970.
A realidade é que o equilíbrio financeiro, para esse tipo de palco, ficou cada vez mais delicado.
Nos últimos anos, diversas casas de shows de médio e pequeno porte fecharam as portas. No Brasil e no mundo. É uma crise global.
De acordo com a Prefeitura de Londres, 35% das grassroots venues (palcos dedicados aos novos artistas) fecharam em sete anos na cidade.
A Prefeitura criou uma força-tarefa para estudar o fenômeno e reverter essa tendência.
No Brasil, as razões são várias. Legislações municipais ultrapassadas que geram multas e problemas administrativos, aumento dos aluguéis, mudança no perfil do bairro, com mais residências perto das casas noturnas; ausência de patrocínio (ou sequer acordos comerciais com fornecedores).
Foi criada em 2014 uma associação de palcos, a Music Venue Trust, com 500 palcos associados em todo o Reino Unido, que já conquistou apoio financeiro de grandes empresas e realiza campanhas constantes sobre o tema.
Os palcos com música ao vivo já conseguiram uma tributação diferenciada. O ex-Beatle Paul McCartney realiza concertos eventuais para ajudar a salvar esse tipo de palco, como aconteceu recentemente com o “The 100 Club”, desde de 1942 no mesmo endereço.Foi salvo pela mobilização.
No Rio, foi criada uma iniciativa semelhante: a rede Palcos do Rio – Music Venue Network. Além da articulação de apoios e políticas para a música, os participantes sabem que é preciso inovar.
Criada em 2017, inicialmente com um grupo de 10 casas de shows localizadas no município do Rio, a rede Palcos do Rio – Music Venue Network abre espaço para novos artistas e a música autoral.
Participam, entre outros palcos, Audio Rebel, Manouche, Circo Voador e Duck Walk Pub, por exemplo.
A cada ano esses 20 palcos movimentam mais de 800 mil pessoas na cidade, gerando empregos, impacto positivo na imagem do Rio e movimentando a economia criativa local.
Em novembro de 2018, durante o MIDEM Latin American Forum, a rede de palcos organizou a primeira Rio Music Week: 90 shows em uma semana, atraindo executivos da indústria da música do mundo todo que estavam na cidade, para o evento internacional.
Há ações em diversos países no mundo que buscam minimizar essa crise.
Na Argentina há o Instituto Nacional de la Musica (INAMU), que conseguiu verbas federais importantes para fomentar a música ao vivo.
Em Barcelona, na Espanha, a Prefeitura simplificou a legislação para o alvará de música ao vivo e oferece linha de crédito subsidiado para compra de equipamentos de som e luz e isolamento acústico.
O que podemos concluir é que há potencial de desenvolvimento da música nesse circuito de palcos em todo o Brasil.
O dinamismo da indústria da música, em especial nas plataformas digitais, parece mais veloz que a capacidade de articulação de governo e iniciativa privada no reconhecimento desses espaços.
Em Berlim, na Alemanha, já é discutido o reconhecimento de clubes como patrimônio cultural. Isso facilita acesso a linhas de crédito e atração de apoiadores.
A indústria da música precisa acordar para a relevância desse laboratório para novos artistas no Brasil.
Quando o ecossistema da música está em equilíbrio, a solução para desafios como esse é possível.
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Nascido no Rio de Janeiro, Leo Feijó é Jornalista, Pesquisador, Empreendedor Cultural e Especialista em Políticas Públicas. Ao longo de sua carreira, ele desenvolveu projetos reunindo artistas e empreendedores para produzir impacto social e cultural.
Desde 2000, Leo criou com diferentes parceiros mais de uma dúzia de espaços de shows no Rio de Janeiro – Casa da Matriz, Teatro Odisseia e Cinematheque, entre outros. Em 2014, publicou o livro “Rio Cultura da Noite – Uma história da vida noturna do Rio” (Casa da Palavra / Leya) e os projetos “Prêmio Noite Rio” e “Festival Literário da Lapa”.
Participou de vários congressos e seminários, incluindo palestras para o British Council no “Dice Workshop”, em Londres (2018), na Rio Creative Conference (2019), na HES_SO University (2016), em Lausanne, na Suíça, e em várias universidades no Brasil.
Leo foi subsecretário da Secretaria de Estado da Cultura do Rio de Janeiro (entre 2016 e 2018). Desde 2012, é responsável pelo Programa de Música e Negócios da PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio). Entre 2010 e 2013, gerenciou o Rio Criativo, primeira incubadora pública dedicada a start-ups criativas na América Latina.
Nos últimos 10 anos, Leo Feijó participou de missões culturais no exterior no Reino Unido (Londres e Brighton), Estados Unidos (Austin, Texas), Dinamarca (Copenhague) e Hungria (Budapeste).