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Opinião: Tem dinheiro sobrando na música?

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Parece que todo dia surge uma notícia sobre algum catálogo famoso sendo adquirido por dezenas ou centenas de milhões de dólares. Uma prática antiga que ganhou novos ares com a entrada em peso de players do mercado financeiro, algo incomum até então. O que antes era quase exclusivo aos participantes diretos da indústria, como gravadoras e editoras, agora tem um dinheiro fresco.

O assunto vem sendo amplamente discutido no último ano. Só no Brasil, estimo existir um total superior a R$300 milhões de fundos e instituições financeiras para compra de catálogos. Globalmente, são bilhões de dólares. Apenas em 2021, estimativas apontam para um total de mais de R$5 bilhões em transações do tipo.

Diante desses números expressivos recorrentes, tenho ouvido com certa frequência um questionamento intrigante: será que existe excesso de liquidez no mercado?

Para que fique bem claro, o que seria excesso de liquidez? No bom português, dinheiro sobrando; mais dinheiro disponível do que ativos em oferta. É você ter dinheiro para gastar, mas não ter o que comprar.

Para que isso aconteça, precisa existir uma assimetria entre os interesses dos compradores (quem tem o dinheiro) e dos vendedores (quem tem os ativos).

Note que esse crescimento explosivo na compra de catálogos ganhou força em 2020. Durante a pandemia, com a queda brutal nas taxas de juros mundo afora (ou seja, dinheiro “parado” passou a render menos), grandes investidores institucionais (bancos, fundos…) passaram a buscar oportunidades descorrelacionadas com o que estava acontecendo naquele momento, possivelmente com um nível de risco maior, porém, com retornos mais atrativos. Do outro lado da moeda, artistas e empresas do setor da música tomaram um baque enorme ao ficarem impossibilitados de realizarem shows – que, para a grande maioria, é a principal fonte de receita. Claro, boa parte das transações de 8 ou 9 dígitos surgiram de pessoas ou empresas que dificilmente estavam com problema de caixa. No entanto, a narrativa da incerteza do que viria pela frente alimentou o interesse na geração de caixa.

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Com um mercado em crescimento forte nos últimos 6 ou 7 anos, maior transparência e uso de dados, a tese de que ativos musicais, em especial catálogos, corresponderiam às expectativas do perfil de investidor que buscava uma alternativa relativamente estável, previsível e segura aos seus investimentos que não rendiam mais nada ganhou força.

Se as grandes transações são as que ganham o holofote, paralelo aos números extraordinários, muitas transações infinitamente menores, na casa de poucos milhares a poucos milhões, também estavam acontecendo. Este público certamente foi muito mais afetado pela pandemia e, portanto, qualquer oportunidade de liquidez era bem-vinda.

Minha aposta é de que, no médio prazo, muitos irão se arrepender de terem vendido seus catálogos. Não me refiro às grandes cifras, mas aos artistas que precisaram levantar recursos às pressas e toparam propostas frequentemente indecentes. Mas este é assunto para outro texto (falo um pouco mais em minha participação na Revista UBC, edição 48).

A soma de tudo isso gerou um certo frenesi ou FOMO que segue estimulando esse movimento que parece não ter freios. Enquanto houver oportunidades gerando retornos satisfatórios haverá dinheiro novo entrando no mercado. Minha primeira dúvida é, por quanto tempo ainda teremos ativos dessa qualidade?

Afinal, se tudo está indo bem, o que levaria a um excesso de liquidez?

Fundos e instituições capitalizadas precisam alocar seus recursos adequadamente. Quando se tem uma tese de investimento focada em um ativo específico, neste caso, ativos musicais, não é desejável que os recursos fiquem parados enquanto os gestores buscam boas oportunidades. No entanto, como este tipo de investimento é muito mais novo do que, por exemplo, ações, comodities ou imóveis, tende-se a buscar um certo nível de conforto em relação ao nível de risco.

Por isso, um catálogo forte, consolidado e com amplo histórico é mais cobiçado do que um catálogo de uma estrela recém estourada. Por exemplo, 60% do catálogo adquirido pelo famoso Hipignosis Fund é composto de músicas com mais de 10 anos, enquanto músicas de até 3 anos (”hits do momento”) compõe menos de 3%. Quando se há uma certa aversão a risco, o investidor quer o crème de la crème. Assim, não surpreende a ninguém que as transações mais noticiadas tem nomes como Bob Dylan, David Bowie, Neil Diamond e Bruce Springsteen.

Mas quantos catálogos desse nível ainda existem e, mais importante, com algum interesse de venda? E em mercados menores, como o brasileiro, quantos ativos equivalentes temos? Seriam muitos ou poucos?

Temos que nos lembrar que muitos dos catálogos mais consolidados e valiosos pertencem às majors. O que levaria uma grande empresa a vender um grande ativo? Necessidade de caixa, seja por problemas de fluxo de caixa, dívidas ou mesmo para investir em algo novo. No entanto, todas estas empresas não apresentam qualquer necessidade de caixa adicional, analisando seus relatórios trimestrais. Neste caso, uma negociação importante exigiria um prêmio muito alto, o que não está no interesse dos investidores atuais.

Eventualmente, assim como aconteceu com pinturas dos grandes mestres, haverá um esgotamento de catálogos deste nível. Quando isto acontecer, todo o volume de dinheiro a ser investido nestes ativos estarão em busca de oportunidades cada vez mais raras. Em outras palavras: excesso de liquidez.

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Mas ainda não será o fim da linha. Pelo contrário, será o começo de uma nova fase. Investidores terão de escolher entre dois caminhos: (i) reduzir a expectativa de retorno (pagando mais pelos ativos), o que afastará uma parte dos recursos; (ii) tolerar um nível de risco maior (admitindo catálogos mais incertos, seja por concentração, volatilidade ou histórico).

Não acredito na primeira opção. Por isso, estimo que a segunda alternativa será escolhida. Aumentando o apetite a risco também se aumenta o potencial de retorno. Os investimentos deixam de ser tiros certeiros e passam a ser apostas em portfólio.

Dinheiro não vai faltar. No entanto, não vejo o ritmo atual se sustentando por muito tempo, pois há uma disparidade muito grande entre a velocidade de se produzir dinheiro e a velocidade de se gerar ativos de qualidade.

Não acredito em um problema de excesso de liquidez e, sim, em um problema de excesso de concentração. É muito dinheiro em busca das mesmas oportunidades, que são bastante limitadas.

Eu me questiono, porém, será que todo esse dinheiro fresco tem ajudado a criar uma indústria melhor distribuída ou apenas gerando uma concentração ainda maior? Será que os interesses dos investidores estão alinhados com as necessidades atuais do mercado?

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Uma resposta imediata não seria muito positiva. No entanto, estou confiante de que, gradualmente, investidores passarão a olhar o setor cada vez com mais seriedade, o apetite a risco elevará, o mercado se profissionalizará e veremos, aos poucos, o dinheiro chegando na base da pirâmide.

Para que este movimento não seja um voo de galinha, é fundamental olhar para o longo prazo: investir em novos talentos e criar condições justas. Da mesma forma que o lado financeiro vem aprendendo a confiar no lado artístico, o contrário é recíproco. Não haverá excesso de liquidez enquanto for bom para todas as partes.

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Igor Bonatto (@igorbonatto) é fundador da noodle (noodle.cx), o primeiro banco digital para artistas e empresas musicais. Antes, Igor fundou a produtora audiovisual Claraluz Filmes, a agência de inovação criativa THT, dirigiu e produziu filmes publicitários, videoclipes, curtas e longas.

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