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Opinião: Tecnologia na Indústria Musical: Até onde iremos aceitar o algoritmo?

Artigo de opinião assinado por Arthur Fitzgibbon, para o POPline.Biz é Mundo da Música

Opinião: Para início de conversa
 Arthur Fitzgibbon. Foto: Divulgação

O mercado da música vive um momento em que é muito controlado pela tecnologia e inteligência artificial. Playlists automatizadas, controles de skip-rates, retenção de audiência, adiantamentos milionários baseados – totalmente – em algoritmos e planilhas, contratações baseadas – unicamente – em números de plataformas digitais, criações de músicas por A.I e entregas artísticas em plataformas cada vez mais orientadas para viciar o ouvinte em consumo rápido e descartável – descarte este, cada vez mais acelerado através de hits e artistas com vida cada vez mais curta, diga-se de passagem. 

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Até onde a tecnologia está realmente interferindo no Music Business?  Nos dias de hoje, somos confrontados pelo crescimento da tecnologia exponencial e suas mudanças, e, acreditem, isso é apenas o começo! O futuro já está entre nós. Se você é um músico, uma gravadora ou até mesmo um fabricante de carros, já sabe do que vamos falar nesta coluna. Mercado por mercado, setores por setores, indústria por indústria, já acordamos com o fato que o futuro está presente entre nós e que a grande maioria das pessoas ainda não notou. Pense nisso se você trabalha com finanças, medicina, advocacia ou, até mesmo, em um departamento comercial, a sua carreira muito em breve vai ser impactada e pode até ser extinta.

Se o seu trabalho é focado em rotinas, ele será facilmente automatizado. Desta forma, antes de escolher uma carreira, tenha certeza que essa carreira tem uma vida longa. Estima-se que 50% das carreiras serão automatizadas entre os próximos 10 e 15 anos, mas, a boa notícia, é que a grande maioria das novas profissões sequer foram inventadas. Outra boa nova, é que todas as funções que não podem ser digitalizadas, automatizadas ou executada por robôs, vão se tornar extremamente valiosas, ou seja, o trabalho essencialmente humano é o nosso futuro. E quer função mais humana do que criar e promover a música? De novo, mais de 50% de profissões ligadas à música serão criadas nos próximos anos!

Algumas áreas denominadas como Dataficação, Automação, Cognificação, Robotização, irão nos proporcionar possibilidades excepcionais, mas algumas delas vão nos apresentar efeitos colaterais tóxicos e nocivos. Quem aqui não ouviu falar das famosas playlists que tem músicas inseridas baseadas apenas em comportamento dos algoritmos? Algumas agências e profissionais de marketing musical já encontraram essa brecha e estão explorando as empresas do segmento, vendendo que conseguiram hackear o algoritmo e assim cobram caro para colocar uma faixa em destaque. 

Se passarmos mais tempo nos comunicando com telas do que com seres humanos, talvez seja a melhor hora para olhar com mais cuidado à humanização do nosso trabalho. Muito em breve, essa tela que tanto adoramos, será uma inteligência artificial que irá parecer cada vez mais como um velho amigo, e daqueles inseparáveis. Sendo assim, é hora de nos perguntarmos se não estamos excessivamente conectados ou se estamos classificados como obesos digitais! As grandes empresas de tecnologias estão nos tornando pessoas mais felizes ou apenas estamos mais ocupados?

Para todos os algoritmos mágicos que mudam as nossas vidas de uma vez por todas, é preciso ter um humano equivalente. Eu não reclamo de termos uma playlist gerada totalmente por algoritmo, mas para cada uma delas, eu quero uma playlist feita por pessoas que entendem de música. Talvez seja por isso que eu goste tanto do bom e velho radialista – um algoritmo humano que realmente nos conecta com a humanidade, a compaixão, ética, mistério, criatividade, direitos morais e valores. E são estas características que gostaria de ver em minhas playlists, em cada uma das faixas,

As trilhas sonoras mais importantes da minha e da nossa vida não podem ser escolhidas por algoritmos de “zeros” e “uns”. O pensamento humano, o amor em uma música, não pode ser apenas programado… ou pode?

Nesta década, ou até mesmo antes do fim dela, iremos alcançar a tão falada “singularidade”, que é o ponto no tempo em que as máquinas irão se equiparar e ultrapassar o ser humano em capacidade de raciocínio, e então, quando isto acontecer, talvez seja tarde demais para nos importarmos com o que realmente nos torna humanos e protegermos nossa humanidade. Não tenho dúvida que uma plataforma de música que confiar cada vez mais na tecnologia, terá mais usuários e, consequentemente, maiores receitas. Mas será que é isso que queremos? Raciocínios computadorizados, nano robôs em nossa corrente sanguínea, microchips em nossos cérebros e em breve até genomas humanos editáveis talvez nos tornem mesmo a última geração de humanos neste planeta. Será possível ainda nos mantermos humanos como ainda nos definimos? Ou estaremos melhores numa era das máquinas sem nenhuma interferência humana de livre arbítrio, sem erros ou ineficiência? O que vai significar para a humanidade coexistir com uma inteligência artificial muito mais superior que a nossa? Como vamos conseguir conviver com a nossa recém descoberta “irrelevância”?

Quaisquer que sejam os desafios que já enfrentamos com a tecnologia, não são nada comparados com o que ainda vamos enfrentar. Eu acredito, com toda a frieza dos meus estudos, que a indústria da música sofrerá grandes e extremos impactos nos próximos dez anos: esqueçam e-mails e aplicativos, existe uma onda tecnológica gigantesca de controle de voz e pensamentos já em fase final de teste. Não escondo de ninguém que sou um ativo usuário das “Alexas”, e afirmo que a tecnologia não tem uma personalidade boa ou ruim, ela apenas está lá, para darmos o direcionamento à ela, mas, pode apostar, a nova onda de tecnologia que sabe quem você é, do que os seus amigos gostam, seu gosto musical, quanto tempo fica ouvindo música por dia, será capaz de antecipar até quais artistas futuros você vai gostar. 

Na última década, o mundo focou em desenvolver plataformas de música em que o objetivo era criar uma dependência digital e, talvez, agora seja uma boa hora para ter uma conversa sobre ética digital – ou será que devemos esperar até que alguns luxos que possuímos como o livre arbítrio e pensamentos não registrados sejam apenas lembranças do nosso passado? Você quer gostar das músicas que você escolhe ou quer gostar das músicas que uma inteligência artificial escolherá para você?

De novo, a tecnologia não é nossa inimiga, e sim uma ferramenta muito útil, mas pode se tornar uma terrível ditadora. A tecnologia é uma ferramenta que deve ser utilizada e não um propósito para nos guiar. O quanto da nossa humanidade estamos prontos para entregar em troca da conveniência das inteligências artificiais? Quanto mais automatizados nosso mundo, menos controlamos nós mesmos. 

Até quanto nós concordaremos em sermos otimizados, melhorados e aperfeiçoados em nossa eficiência? Será que preferimos estar mais conectados do que perder nossas carreiras? Será que estamos destinados a nos unificarmos com a tecnologia para nos tornarmos um novo ser? O futuro não é só um tempo que vai chegar, é muito mais uma forma de raciocínio. Nunca antes na história humana, o nosso presente foi tão temporário. A indústria da música vai mudar mais nos próximos 20 anos do que mudou nos últimos 500 anos. Agora, temos a obrigatoriedade de lembrar que a tecnologia não é, exatamente, o que estamos buscando, e sim um meio para chegar ao que, verdadeiramente, queremos alcançar. 

Devemos nos envolver com a tecnologia sem nos tornamos ela própria, pois o futuro é importante demais para deixarmos para os algoritmos e inteligência artificial. Devemos definir nosso próprio futuro antes que ele seja definido pela própria tecnologia.

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Presidente da ONErpm no Brasil, fundador da Thurbo Music e professor de pós graduação em Negócios da Música e Marketing. Com mais de 25 anos dedicados ao mercado brasileiro da música, com passagens por Universal Music, Polygram, Abril Music, EMI Music e Kuarup. Foi empresário de artistas, produtor executivo de mais de 300 discos, radialista, professor de marketing e comunicação, e hoje tem o foco dedicado ao desenvolvimento integrado ao mercado da música digital.