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Opinião: Saúde Mental na indústria musical – sobre Liam Payne, depressão e a realidade do showbiz

Liam Payne, ex-One Direction, que faleceu aos 31 anos. Foto: Divulgação

A morte de Liam Payne, ex-integrante do One Direction, na última semana, me fez refletir novamente sobre um ponto que vem afetando nossa sociedade mais do que nunca e, consequentemente, a indústria musical: a saúde mental. Muitas reportagens sobre o caso dele relatam o uso de entorpecentes pelo artista antes do ocorrido em Buenos Aires. Há também, uma discussão mais longa sobre a batalha que ele já vinha travando contra a dependência química. Mas, esses fatores só apareceram na trajetória de Liam depois que ele se tornou um artista mundialmente famoso.

Vale lembrar que, antes disso, Payne era apenas um garoto londrino de 17 anos com o sonho de ser cantor. A sua segunda participação no The X Factor em 2010, mudou sua vida radicalmente: o jovem virou integrante de boyband mundialmente conhecido, singles e álbuns de sucesso com One Direction foram lançados, turnês internacionais, dinheiro, fama… porém, a partir daí, Liam viveu também o que não te contam sobre o sucesso: a falta de privacidade, o julgamento constante, a vida pública, o afastamento (ainda que apenas físico) da sua família/rede de apoio, a privação de tempo, de sono, a cobrança pelo próximo grande feito, e outras mil coisas não tão legais que vem junto com a fama. 

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E, ao refletir sobre saúde mental e a vida artística, minha questão é:

O QUE/QUEM TE PREPARA PARA LIDAR COM O SUCESSO EXTREMO (E/OU COM FRACASSO)? 

Em uma vida normal, você passa por fases, escola, faculdade (ou não), estágios, empregos… Uma coisa de cada vez! Se for bom no que faz e tiver as oportunidades certas, vai acumulando capital e/ou sendo reconhecido quando constrói uma carreira bem sucedida. Tudo ocorre em um caminho mais longo, com mais tempo para adaptação. Mas, alguns artistas tendem a viver o fenômeno que eu chamo “modo JK” (50 anos em 5, rs), explodem do nada e simplesmente se perdem nas suas próprias realidades. Sendo uma pessoa comum, essa mudança drástica de realidade só acontece, sei lá… Se você ganhar na mega sena! rs! 

Foto: Twitter/@LiamPayne



Nesses 10 anos trabalhando diretamente com artistas, eu conheci pouquíssimos que fazem terapia, mas quase todos sofrem ou já sofreram com ansiedade, depressão, outras doenças relacionadas à saúde mental. Em muitos dos casos, a dependência química aparecia como uma válvula de escape para aqueles que não conseguiam trabalhar certos sentimentos, sensações ou experiências que – até poderiam anteceder a vida artística – mas que, eram agravados pela vivência que o mundo artístico impunha.

Eu sou daquelas que, desde que comecei a fazer terapia em 2016, entendi que todo mundo tinha que fazer. Meu pai, minha mãe, meu chefe, minha irmã… Mas, principalmente, artistas! Todo mundo tem um passado, dores, questões mal resolvidas. Agora imagina juntar isso com ganhar fama e dinheiro de uma hora pra outra, lidar com críticas públicas sobre você/seu trabalho, saber quem se aproxima por interesse ou não, ter um mundo de pessoas dizendo o quão perfeita ou horrível você é, lidar com o fracasso desmedido… Nada (sim, eu disse nada) te prepara pra isso!

Foto: Unsplash

É literalmente uma vida de extremos, que pode beirar mais a irrealidade do que qualquer outra coisa. E se você não tem alguém, um profissional (porque nem uma put4 rede de apoio segura esse rojão) pra te ajudar a separar o que é real e o que não é, esse caminho é ainda mais difícil.

Nem artistas criados desde pequenos nesse meio estão a salvo. Michael Jackson e Britney Spears tão aí pra provar que crescer nessa realidade pode ser ainda mais complicado! E estou falando de Liam neste texto, mas poderia trazer outros nomes, e que não necessariamente morreram, mas que tiveram suas vidas e carreiras duramente impactadas por questões de saúde mental e falaram publicamente sobre isso. Amy Winehouse, Kurt Cobain, Demi Lovato, Kanye West, Simaria, Projota, Luísa Sonza, Linn da Quebrada… A lista é gigante!

Amy Winehouse. Foto: Divulgação.

O que me deixa mais esperançosa é que a saúde mental passou a ser mais discutida no nosso meio, mas ainda acho que estamos na superfície. Existe um movimento de artistas que tem se destacado por terem passado pelo processo de busca profissional (terapeutas, psicólogos, psiquiatras e outros profissionais) e incentivarem seus fãs a buscarem ajuda.

A Beyoncé, por exemplo, sempre fala sobre a importância do autocuidado, tempo de qualidade para si e para família, e o próprio Jay-Z já comentou abertamente sobre o processo terapêutico ter salvado o casamento deles…Outro exemplo recente foi o discurso do Dan Reynolds, vocalista do Imagine Dragons, no RIR 2024. No meio do show, depois de falar das suas próprias vivências, ele declarou:

 “Eu aconselho vocês, para qualquer um, se está doendo, por favor, não mantenha isso para você mesmo, compartilhe, converse com uma amigo, com sua família. Vá à terapia! Eu tenho feito terapia durante muitos anos. Isso não te torna fraco, não faz de você quebrado, faz de você sábio!”

Lendo a carta que a irmã do Liam divulgou no sábado (19) e os prints das mensagens que ele mandou para uma amiga pouco antes de falecer, me lembrei que, como empresária/produtora/gerente artística, eu também já achei que poderia “salvar” muitos dos artistas que trabalhei, principalmente de quadros depressivos, traumas muito profundos e dependência química. Mas essa é uma missão impossível se não houver um acompanhamento psicológico e psiquiátrico e o processo requer tempo, dedicação e comprometimento também.

Em uma conversa com um psiquiatra outro dia, ele me explicou o que os médicos consideram os 6 pilares da saúde mental: nutrição, sono, exercícios, conexões sociais, contato com a natureza/luz do sol e controle do estresse. E a única coisa que consegui pensar foi “qual artista consegue manter isso?”.

Foto: Instagram/@onedirection

A falta de rotina, principalmente quando se está na estrada, é um grande dificultador para criar e manter bons hábitos: uma boa alimentação (e os horários das refeições, sem falar no acesso de bebidas alcoólicas); uma rotina de exercícios e boas noites de sono; os círculos de amizade ou estar presente em momentos importantes quando viagens são constantes; o contato com a natureza e luz do sol pra quem troca o dia pela noite é uma raridade; e nem preciso falar sobre controle do estresse, né?! rs.

Sei que essa é a nossa realidade e que doenças como depressão, insônia, ansiedade e dependência química já estão presentes no mundo musical há décadas. Porém, a globalização e a internet deixaram tudo mais à flor da pele e creio que Millennials, a Geração Z, e as próximas gerações sofrerão ainda mais com a saúde mental no meio artístico se não houver uma movimentação para evitar isso.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2030 – ou seja, daqui um pouco mais de 5 anos – , a depressão deve se tornar a doença mais comum do mundo, afetando mais pessoas do que qualquer outro problema de saúde, incluindo câncer e doenças cardíacas. Ela será também a doença que mais gerará custos econômicos e sociais para os governos, devido aos gastos com tratamento para a população e às perdas de produção.

Já estamos vivendo uma nova epidemia e precisamos internalizar cada vez mais que a saúde mental impacta diretamente o nosso mercado (e eu poderia falar de como os trabalhadores do  backstage também são afetados, mas aí esse texto não teria fim, rs). Economicamente falando, um artista sem saúde mental é um artista que não rende financeiramente, porque tem bloqueio criativo, não faz música, não entrega um bom show, não consegue estar na mídia positivamente.

Então, será que a gente não deveria dar mais atenção a isso? Incentivar os artistas a buscarem acompanhamento psicológico desde o início da carreira e, se possível, ajudar financeiramente para que isso aconteça? E ajudar esses artistas talvez não seja uma forma de impactar positivamente a sociedade como Beyoncé e Dan Reynolds vem fazendo com suas fanbases?

Eu não tenho as respostas, mas queria deixar essa provocação, para mim mesma e para todos os meus colegas… O que a gente pode fazer para que artistas (e profissionais como nós, que já conhecem essa realidade maluca) não sejam engolidos pela parte obscura do showbiz?

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Sobre Ana Paula Paulino

A arte sempre esteve no caminho da mineira Ana Paula Paulino. Dançarina desde os 3 anos, a atual empresária e produtora se envolveu com o meio cultural de Belo Horizonte bem cedo, mas foi apenas após sua ida definitiva para o Rio de Janeiro em 2014, que ela descobriu sua verdadeira vocação para o gerenciamento artístico e planejamento de carreira musical.

Bacharel em Relações Públicas pela UFMG e indicada à categoria “Profissional do Ano” do WME Awards 2022, Ana Paula é uma das sócias da Ubuntu Produções, juntamente com a irmã Isaura Paulino.

Criada em 2015, a Ubuntu objetiva ser força motriz, alavancando iniciativas, carreiras, talentos e gerindo sonhos, além de pensar estrategicamente em projetos e ações que agregam valor e possibilitam a visibilidade de segmentos, pessoas e anseios, que merecem mais palco.

Além das áreas de produção e gestão cultural, planejamento e gestão de carreiras artísticas, a Ubuntu Produções é também uma editora/ gravadora, responsável pelos lançamentos e gerenciamento das produções musicais e audiovisuais de seus próprios artistas.

Além de desenvolver grande parte das estratégias relacionadas aos artistas ligados à empresa – como a funkeira @mccarol -, Ana Paula Paulino também atua como curadora, tendo participado de projetos como Red Bull Music Pulso; os festivais Rider #DáPraFrazer, Conexidade, entre outros; além de ter integrado a curadoria do Edital Natura Musical 2021. Já atuou na direção e/ou concepção de clipes de artistas como Heavy Baile, MC Carol e Abronca.

É também ativista, palestrante e foi speaker do TEDx São Paulo, sob o tema #ideiassnegrasimportam, em novembro de 2020.

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