Opinião: Por que os Catálogos Internacionais têm valores muito maiores do que os brasileiros?

Entendendo com mais detalhes os mercados no Brasil e no mundo; artigo de opinião assinado por João Luccas Caracas, para o POPline.Biz é Mundo da Música

Banner-FINAL-João Luccas Adaggio

Coluna João Luccas Caracas - POPline.Biz
Coluna João Luccas Caracas – POPline.Biz. Foto: Ebay/divulgação

Esses são valores que mudam a vida de qualquer um. US$ 550 milhões para Bruce Springsteen, US$ 500 milhões para o Bob Dylan, US$ 250 milhões para o David Bowie, US$ 100 milhões para a Shakira, e a enorme lista continua.  Se convertermos esses valores para a nossa moeda então, estamos falando de negócios que chegam a bilhões de reais!

Leia Mais:

Agora, isso quer dizer que os catálogos dos grandes nomes da música brasileira valem quantias similares ao dos superstars internacionais? Infelizmente não. E as razões são várias. Mas vamos analisar as principais:

O Alcance da Música Brasileira

A música brasileira é, na minha opinião, uma das culturas mais ricas da música mundial.  Porém, existe uma grande questão que limita o alcance de nossas canções: a barreira da linguagem. São poucos países que falam português e devido a complexidade, é um idioma que não tem uma penetração tão grande em países que falam outras línguas. Temos entrada em Portugal, Angola, Moçambique, países Africanos, países latinos, um pouco dos Estados Unidos, no Japão (a Bossa Nova é muito relevante lá), mas não passa muito disso.

Foto: Spotify/Reprodução
The Weeknd no Spotify. Foto: Spotify/Reprodução

Devido a essa limitação, o alcance dos nossos artistas é muito menor do que um artista americano, por exemplo. Basta comparar os ouvintes mensais do Spotify de um grande artista americano com os de um brasileiro.  Enquanto um dos maiores, como o The Weeknd, tem cerca de 78 milhões de ouvintes mensais, um dos maiores daqui, como o Gusttavo Lima, não passa de 10 milhões.  Enquanto o The Weekend fala com os quatro cantos do planeta, nosso embaixador alcança menos cantos.

OBS:  não estou considerando a Anitta pois, na minha opinião, ela já é considerada uma artista de nível global e especialmente por ter músicas em inglês e espanhol.

O Fenômeno do Consumo Brasileiro

 Você sabia que o Brasil é o país que mais consome sua própria música?  Basta dar uma olhada na playlist Top 50 Brasil no Spotify – mais de 90% das músicas no chart são de brasileiros cantando em português.  Apenas 3 ou 4 músicas são de artistas estrangeiros.

Isso é incrível!  Mas também não ajuda na questão de rendimentos de royalties.  Infelizmente, devido ao enfraquecimento da nossa moeda, o valor pago por stream (usando o Spotify como exemplo) é muito mais baixo do que a maioria dos países globais.  Enquanto uma assinatura do Spotify nos EUA custa US$ 9,99, a no Brasil custa R$ 19,99 – o que convertendo dá em torno de US$ 4.  Devido a isso, um stream brasileiro paga muito menos do que um play americano por exemplo.  Na verdade, um play americano é equivalente a 3.5 plays brasileiros. E um play norueguês, equivale a 5 plays brasileiros!

Portanto, enquanto nós somos os maiores consumidores de nossas músicas, infelizmente os streams no Brasil rendem muito menos para nossos artistas no âmbito digital.

Coluna João Luccas Caracas - POPline.Biz
Foto: haulixdaily/Divulgação

 

Outros Fatores Macroeconômicos

Não só os rendimentos anuais de royalties dos nossos artistas e compositores são muito menores do que os dos artistas de países da América do Norte e Europa, mas também os cenários macroeconômicos atuais não agregam positivamente para os valores dos nossos catálogos.

Um fator que é extremamente determinante para quanto um investidor pode alocar em um catálogo é a taxa de juros do país.  Quando a taxa de juros é baixa, o investidor fica incentivado a buscar outras formas de investimento além da poupança ou tesouro Selic, para que seu dinheiro renda mais.  Ou seja, quando a taxa de juros está baixa, os catálogos valem mais.  Agora quando a taxa aumenta – a taxa de juros no Brasil subiu de 2% para 13,75% esse ano – o investidor perde muito incentivo de investir em música, pois pode investir no tesouro Selic sem risco algum e receber um ótimo rendimento mensal.

Coluna João Luccas Caracas - POPline.Biz
Foto: shutterstock/Divulgação

Investir em música é algo diferente do mercado de ações e devido a isso é algo bastante seguro e estável, mas ainda existem riscos. Recentemente a taxa de juros aumentou muito no mundo inteiro, devido a fatores como a inflação global e guerra na Ucrânia, e isso afetou muito as compras de catálogo internacionais. Então, investir em música se tornou algo menos atrativo mundo afora. Mas, isso não quer dizer que a taxa de juros não pode baixar e os catálogos voltem a valer múltiplos mais altos.

Rendimentos anuais proporcionalmente maiores

Em conclusão: não apenas os catálogos de artistas internacionais alcançam públicos muito maiores, quanto também recebem um pagamento maior por play em comparação aos nossos artistas brasileiros. Ou seja, os rendimentos anuais tanto de execução pública quanto digitais são maiores. O fato da taxa de juros estar extremamente alta também não ajuda, pois acaba não ficando tão interessante para o investidor devido ao custo de oportunidade de investir em uma poupança que atualmente vai trazer bons rendimentos, sem risco algum.

Como melhorar isso? Cobrando valores maiores por assinatura de plataformas digitais de streaming – porém há o risco de perder assinaturas, a valorização da moeda brasileira, mais países consumindo música brasileira e uma redução drástica na taxa de juros. 

Parece impossível e talvez seja. Mas ainda há esperança que possa melhorar!

_________________

João Luccas Caracas é músico, produtor musical, compositor e DJ com mais de duas décadas de experiência no mercado musical.  Atualmente, é o CEO e fundador da Adaggio, gestora musical e maior fundo de investimentos especializado em royalties musicais da América Latina.
João iniciou sua carreira tocando bateria, seu instrumento principal, em diversas bandas durante a adolescência.  Aos 20 anos de idade, estreou sua carreira artística como DJ onde, no decorrer de mais de dez anos, se apresentou em diversos países ao redor do mundo.  Durante esse período, lançou e produziu mais de cem faixas que acumularam centenas de milhões de streams nas plataformas digitais, conquistando dois discos de platina.  Teve a oportunidade de tocar em alguns dos maiores eventos do Brasil como Rock in Rio, Lollapalooza, Ultra Music Festival, além de renomadas casas noturnas como Green Valley, Laroc, entre muitas outras.
No ápice da pandemia, com a interrupção dos shows e eventos, se especializou no mundo dos direitos autorais.  Foi quando fundou a Adaggio, com o propósito de empoderar outros músicos, compositores e artistas, ao negociar seus direitos autorais com o intuito de ressignificar canções e perpetuar legados musicais.
Em 18 meses a Adaggio adquiriu participações em mais de 100 catálogos musicais que totalizam cerca de 120 mil obras e fonogramas, incluindo algumas das músicas de maior relevância cultural da história da música brasileira.