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Opinião: Ouvir sim, mas por que não fazer também?

Peter Strauss, colunista POPline.Biz. Foto: Divulgação

Disclaimer: não, eu não sou contratado da Apple, nem recebo produtos deles. Minha análise abaixo se baseia exclusivamente no desenvolvimento histórico de aplicativos específicos dentro de um meio ambiente único que não é possível na concorrência da marca. Ponto.

É difícil falar de democratização da música em um país como o Brasil. O instrumento musical é caro, hardware e software são dolarizados e portanto, caríssimos. Se o violão e o cavaco estão caros, imagine os equipamentos para quem quer produzir música contemporânea, música digital (não no sentido da distribuição mas da sua produção).

Começo com essa constatação só para contextualizar o resto.

Lá para 2010, apenas 11 anos atrás, a Apple lançou o primeiro iPad. Parecia só um iPhone gigante e custava o preço de um rim. Se até para quem ganhava em dólar parecia mais um produto de ostentação, para nós brasileiros então, quase inacessível. Mas deu certo e pouco depois florescia um mercado saudável de tablets por menos da metade do preço de um iPad e com qualidade semelhante e às vezes até maior.

Na sequência, algo inesperado aconteceu. Primeiro, o tablet da maçã se tornou uma opção interessante para desenvolvedores e programadores de médio e pequeno porte: uma plataforma sólida, sem risco de pirataria e aparelhos cada vez mais poderosos e com um sistema operacional otimizado para uma gama limitada de produtos.

Exatamente o contrário do Android e as centenas de devices que ele suportava de uma única vez, um pesadelo para desenvolver software. Já para quem pudesse caminhar a via crucis de validação da Apple para conseguir colocar seu produto na loja, o esforço era válido. E muitas vezes recompensado.

Uma série de designers e programadores inovadores começaram a criar softwares de criação de música que não só simulavam instrumentos inúmeras vezes mais caros que um iPad mas também aproveitavam recursos do tablet como o touchpad e sensores de rotação.

Os primeiros anos foram desbravadores e a própria Apple lançou seu GarageBand, mas as apps ainda eram tratadas mais como brinquedos e ferramentas menores para produtores “sérios”. Aliás, muitos deles ainda pensam assim, o que é um erro em 2021.

Mesmo um iPad de 2015 é capaz de produzir música impressionante e de formas que não se faz em contextos mais comuns de produção. O contexto de criação desses instrumentos incentivou criações que fogem do lugar comum. Por exemplo, uma app bastante interessante e perfeita para o escopo de um tablet é a “Fugue Maschine”, de Alexandre Randon.

Usando princípios de uma técnica de composição (Bach era fã) chamado “Fuga”, o aplicativo permite ao usuário criar uma melodia simples e a partir de repetições da mesma melodia mas em tons, velocidades e até sentido de execução diferentes realizar uma micro-composição complexa, cheia de contrapontos.

E, fundamental para meu argumento: não só o usuário não precisava saber tocar uma nota, como os próprios conceitos de fuga, contraponto, etc ficavam visualmente explicados pelo uso lúdico da app, ao mesmo tempo em que se ouvia o resultado, incentivado por tentativa e erro, no uso das ferramentas disponíveis.

Nesse aspecto, os designers são os grandes heróis desse tipo de instrumento, que frequentemente utilizam desenhos minimalistas, funcionais e esteticamente agradáveis. Não sabe tocar uma escala? Ora, escolha uma e toque apenas as teclas filtradas já em sintonia com a escala escolhida, não tem erro. A função normalmente define a forma, necessidade para uma tela de 10 polegadas.

O Groovebox da Ampify | Foto: Reprodução

Entendo que quem estudou música a vida inteira, harmonia funcional, horas e horas de treino torça o nariz para meu argumento. Entendo mas acho um pensamento pequeno. Disponibilizar a todos o prazer, mesmo que facilitado pela tecnologia, de fazer um som que se entende como música não diminui a genialidade e importância de quem toca instrumentos tradicionais. Pelo contrário, pode ser exatamente a chama que acende no diletante a disposição para investir mais em conhecimento para aprender de fato a tocar um instrumento.

Em pleno 2021, quem tem interesse em produção musical contemporânea sabe que o mercado tá pesado. Computadores, teclados MIDI, sintetizadores/baterias eletrônicas, até mesmo cabos estão todos extremamente caros. Nesse contexto, se for para fazer um investimento, talvez um iPad usado com meia dúzia de apps seja um caminho com muito mais possibilidades do que outros mais tradicionais.

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Peter Strauss é Músico e Gerente de Relações Internacionais, Distribuição e Licenciamento na União Brasileira de Compositores, com foco no relacionamento com sociedades de gestão coletiva a participação nos grupos técnicos da CISAC, organização global que reúne as sociedades autorais e define standards e formatos de intercâmbio de dados. Participa ativamente desses grupos técnicos para alavancar a implementação dos mesmos nas áreas relevantes da UBC. Iniciou a carreira no mercado em 2001 na EMI Music Publishing e faz parte do quadro da UBC desde 2009.

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